Satisfação, surpresa, motivação e golpe

Foi com uma mescla de satisfação, surpresa e motivação que recebi de minha amiga Claudia Araujo o convite para tornar-me colunista de seu site.

Satisfação por tê-la em grande conta e por poder participar de um projeto tão bacana, que remete à retomada de uma iniciativa que ela já havia tido há muito tempo atrás, quando a internet ainda caminhava de fraldas pelas linhas telefônicas.

Surpreso por, enquanto ateu, sabê-la astróloga – e assim imaginar que minhas posições não estariam alinhadas à proposta do site. Ledo engano: a Claudia, como eu, adora a diversidade intelectual – desde que temperada por respeito ao contraditório.

Motivado porque o convite foi para escrever sobre dois temas que me são para lá de queridos: política e fotografia. Mais que isso, por poder buscar as convergências de temáticas tão complexas e abrangentes.

Nunca escrevi nem fotografei por profissão ou por obrigação de soldo. Isso sempre me permitiu escrever e fotografar o que quis, da forma que quis e com os objetivos que quis.

É por isso que minhas letras e minhas fotografias são políticas, são engajadas, são provocadoras – falta-me ao escrever e ao fotografar o compromisso com a responsabilidade inerente ao ganho do pão em um mundo hipócrita e desigual, onde as convicções se afogam em nome do sustento.

E poder exercer tal liberdade em um site com tamanho potencial e alcance é um presente que ganhei da Claudia, pelo qual sou muito agradecido.

Foi esse conjunto de sentimentos agradáveis que me levaram a pensar com muito carinho no nome de minha coluna no espaço.
Decidi batizá-la de “círculo de confusão”, termo técnico fotográfico relacionado à profundidade de campo e as imagens que se formam fora de foco – e cujo sentido duplo me permitirá provocar os leitores no sentido mais político possível.

Para não ficar só em alegrias e agradecimentos, elegi como artigo inaugural no espaço uma fotografia que considero uma crônica imagética – e que fiz recentemente, quando realizava fotos noturnas em Divinópolis/MG.

Sempre que estou com minha câmera e tenho a oportunidade de retratar alguém desolado, me divido

se por um lado sinto-me desconfortável ao congelar o sofrimento alheio e me aproveitar de tal cenário para fazer uma fotografia, por outro entendo que eternizar a agonia de alguém é também uma forma de respeito e de consideração com quem não se conhece, pois retransmitir imageticamente uma dor pessoal a despersonifica, a universaliza; e a imagem de um homem negro extremamente triste e desolado me parece uma emblemática representação atual do povo brasileiro após o golpe neoliberal de 2014.

Em termos técnicos fiz a imagem em longa exposição, o que trouxe ainda mais dramaticidade à composição, visto que os poucos movimentos do modelo tornaram sua figura desolada ainda mais difusa em contraste com a nitidez e dureza do resto da praça, diluindo assim a tristeza de sua postura no olhar de quem a observa.

Também tratei a foto em preto e branco com um leve toque de tom verde – que me parece invariavelmente combinar com imagens sem alegria. Reforcei também um pouco os contrastes para extrair da foto a fisionomia do protagonista, tornando sua tristeza mais anônima e também atribuindo assim maior destaque à sua sombra curvada, que denota toda sua infelicidade.

Ainda que a imagem seja claramente identificada como a de um homem triste, ao observador mais crítico restará um questionamento: estaria mesmo esse homem triste?

O quanto de verdade há em uma imagem fotográfica? Mas esse tema, tão bem abordado por pensadores da fotografia como Vilém Flusser, será pauta de outros artigos.

Por ora me contento em provocar, através de uma imagem, reflexões sobre a atual – e desoladora – condição do povo brasileiro, governado por oportunistas cujo único compromisso é com a esfacelamento do estado brasileiro.
Que tempos melhores aterrissem por aqui.

E logo.

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Alexandre Périgo

Mais um em meio à multidão. alexandreperigo@uol.com.br

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