Bruxa – Quando a Bruxa é a Outra

Bruxa – Quando a Bruxa é a Outra

Seja qual for seu nome ou nacionalidade, dentre outras coisas, as bruxas têm em comum, entre si, o fato de simbolizarem o feminino renegado.

Com o renascimento do interesse pelo oculto, inegavelmente, pouco a pouco, essa figura vem recuperando espaço na consciência.

Assim, ela também deixa de ser uma alcunha pejorativa, usada muitas vezes no intuito de uma provocação ou agressão.

A bruxa moderna

Muitas mulheres nos dias atuais intitularem-se bruxas em busca de um status específico de que o título hoje em dia é portador. Entretanto, temos outras razões para isso.

O cinema, também vem, há décadas, trazendo à tona um lado mais luminoso desse arquétipo.

Isso é uma resultante da criação de imagens de bruxas tanto modernas, quanto eficientes. Igualmente mágicas e, com finalidades outras que não sejam o exercício do mal.

Entretanto, também é fato que essa classe de mulheres acima citadas, ainda se constitui em reduzida minoria.

Assim, a bruxa enquanto alcunha, ainda provoca reações adversas como resposta ao sentimento de hostilidade do ambiente

O modus operandi do sistema, é de rejeição em relação às posturas femininas que fujam ao padrão estabelecido pelo sistema patriarcal. Sejam essas posturas de que classe forem.

Consequentemente, estar, por exemplo, de alguma maneira “antenada” com o lado subjetivo da vida… ainda costuma ser considerado uma espécie de excentricidade digna de bruxas.

Em síntese, sobrou uma conta a ser paga.

Nós mulheres, ainda estamos pagando nossas contas com o mundo patriarcal. Decerto, pagando pelas que nos antecederam, e que se amalgamaram a esse sistema.

Ainda somos as devedoras pelo crime da insubordinação cometido quer por nossa mãe Eva contra o Criador.

Também a conta pelos anseios que Sophia tinha por seu Amado.

Igualmente, ainda somos cativas da reação pelo medo e temor despertado de Lilith, a Bruxa Primordial, em nossos antepassados.

Reportando-nos â Lilith, vale lembrar que toda a sua mitologia retrata cenas de humilhação, diminuição, fuga e desolação.

A partir de Eva, então, Lilith acumula a rejeição e aversão que o sistema tem pela figura da outra. Tudo isso, a despeito do fascínio que ela acarreta.

Tanto para os homens como para as mulheres, ela se tornou perigosa.

Lê-se no Zohar :

“Ela se adorna com muitos ornamentos como uma desprezível prostituta, e posta-se nas encruzilhadas a fim de seduzir os filhos dos homens…

O tolo a segue, extraviado, bebe do cálice de vinho, fornica com ela e perde-se atrás dela…

O tolo desperta e pensa que pode divertir-se com ela como antes, mas ela tira seus adornos e transforma-se numa figura ameaçadora”

A quem Lilith ameaça?

Tanto `as Instituições, quanto ao casamento estabelecido. Ela foge às regras, não é prisioneira da submissão.

Sobretudo, ela ameaça ao sistema de valores advindos do patriarcado.

Uma das conseqüências desse mito, decerto, é a própria separatividade que vem ocorrendo entre as mulheres.

O isolamento que acabam por padecer numa cultura patriarcalmente definida é patente.

Fomos todas separadas e isoladas desde nossa mais tenra infância.

Separadas quer em boas ou más. Ou feiass ou bonitas. Assim como em desejáveis ou não desejáveis. Casáveis ou titias. E mais além, em Lilith ou Eva, enquadrada ou bruxa, esposa ou a outra.

Nosso destino foi a dualidade e nos agarrando em uma das extremidades como em uma brincadeira de cabo de guerra

Em decorrência disso, cada vez mais nos obstamos ao contato com o extremo oposto, nossa rival e amiga. De fato, uma parte de nós mesmas – agora encarada como nossa antagonista.

Tal qual Hera, a deusa-esposa do Olimpo grego, projetamos em uma outra tudo o que somos capazes de entender como o mal e, isentamos de culpa por seus erros, o masculino, o homem.

Carregamos o sistema de valores vigente em cada uma de nós, ele está em nós e atua por nosso intermédio

Tal qual Hera, nos esquecemos do quanto necessitamos dessa outra, tão negligenciada, que se encontra lá na outra ponta na brincadeira de cabo de guerra.

No mito grego de Sêmele, ela é destruída pelas artimanhas de Hera, a esposa de Zeus.

Através de mais um dos golpes de Hera, que isenta o masculino – Zeus, seu marido – de culpa, e assina a condenação da sua irmã/rival.

Traiçoeira, Hera incita Sêmele a pedir ao seu marido, como prova de seu amor, que se mostre a ela em toda a sua magnitude e essência. Ela assim fez, sabendo que, com isso, Sêmele estaria condenada à própria morte.

Zeus se apresenta a Sêmele em sua essência e em toda sua magnitude como foi pedido. Agora, como Zeus-raio, acaba mesmo que à sua revelia, matando Sêmele.

Sêmele morre calcinada

O que Hera não se deu conta em momento algum, é que ao matar Sêmele, apenas deixou vago o espaço que não era capaz de ocupar, para uma outra.

Dentro desse sistema de valores,o homem Zeus invariavelmente buscará uma outra.

Encontramos ainda em nossos dias, em grandes proporções, a reedição do triângulo Hera/Zeus/Sêmele.

Aqueles que lidam com os dramas interiores do ser humano, sabem em que medida se deparam em seu quotidiano com Heras magoadas, assim como vingativas. Espumando de ódio e de raiva contra “aquela bruxa”, ” a outra” , que lhes roubou ou pretende roubar o marido.

O mais difícil nesses casos é se deparar com a honestidade em trazer a culpa ou a falta para si, a aceitação plena de sua sombra rejeitada.

A culpa certamente também não recai sobre o marido, a vítima do mal, ¨o inocente¨, tal qual Adão instado por Eva a morder a maçã.

Lilith, a devoradora de criancinhas, agora ameaça seus lares. Quer destruir sua própria prole, gerada com aquele homem prisioneiro e cativo da sedução da víbora.

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>Mas a serpente também é considerada um dos símbolos da consciência<

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Para a seita gnóstica dos Ofitas, a serpente era boa, e Javé mau.

Dessa forma, ela era adorada, e psicologicamente entendida, como sendo o símbolo da gnose, do conhecimento.

Também no mito do Éden o ato de rebeldia a conselho da serpente, constela a consciência dos opostos. Etapa fundamental para o processo de individuação.

Assim como Hera necessitaria de Sêmele, para alterar seu próprio destino de mulher amargurada, cada uma de nós, ao longo de nossas vidas, precisamos soltar a ponta do cabo, ir pouco a pouco enrolando a corda e, aproximando-nos de nossa rival.

Isso se almejamos nossa totalidade

Não é sem razão que muitas mulheres efetivamente “acordam” quando se vêem em situações em que o triângulo é reeditado.

Entretanto, não são todas as privilegiadas com esse ato de “acordar”.

O conhecimento da árvore do bem e do mal ainda não está acessível para todas, assim como nem todas, também, estão prontas a comer do fruto da consciência.

“Começou a chover, a certa altura daquele longo dia, uma chuva fina, amortalhando tudo e colocando uma rede de gotículas sobre os cabelos de Lilith.
Algum tempo depois – acho que ainda chovia – ela pegou meu braço e começamos a dançar.
Não sei porque dançamos, sei apenas que dançamos, girando e saltitando, nossos cabelos – vermelhos os meus, negros os dela -,
cada uma com sua rede de gotas d’água, agitando-se a nossa volta.
Sei também o quanto dançamos loucamente no final, esquecendo todos os nossos sentidos, tudo o que nos circundava.
Estávamos ambas fora de nós e uma dentro da outra; éramos árvores, nuvens e relvas, agitadas por ventos por nós mesmas produzidos
– exultávamos neles, nada existia além de nós, frágeis mulheres que éramos.
Embora frágeis como se sentiam nossos corpos abraçados, nosso amor agitara tal frenesi que poderíamos ter dilacerado todas as demais criaturas do Jardim, animais, anjos, Adão -,
dilacerar inclusive o que passava como Jeová, aquele velho áspero, de quem parecíamos muito mais velhas e mais poderosas
– dilacera-los com nossos afiados dentes brancos, nossas garras furiosas, depois devorando-as até que vivessem apenas em nossas entranhas, em nossas cabeças, em nossa loucura, cada vez maior, cada vez mais deliciosa.
Não sei ao certo quando Adão chegou e nem porque apareceu ali, sabia o quanto ele nos temia.
Quando dei com ele, a chuva havia parado,e daquela vez, Adão continuou onde estava, nosso frenesi refletido em seus olhos, as mãos crispadas de medo, o suor escorrendo nos pelos do peito”
Penélope Farmer, A História de Eva, Bertrand/Brasil, pg. 216/217

Crédito de imagem destacada: Sêmele, Zeus e Hera por ERASMUS QUELLINUS



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Claudia Araujo

Aquário com Gêmeos, sou muitas e uma só. Por amar criar com as mãos, sou designer de biojóias e mantenho o site terrabrasillis.com, assim como pinto aquarelas e outras ¨manualidades¨. Por não me entender sem a busca do mundo interno do outro, sou astróloga com 4 anos e meio de formação em psicologia analítica sob a supervisão de José Raimundo Gomes no CBPJ – ISER e já mantive por anos o site Meio do Céu. Nessa nova etapa mantenho o site grupomeiodoceu.com. Dou consultas astrológicas e promovo grupos de estudo de Jung e Astrologia, presenciais e online. São várias vidas vividas numa única existência, mas minha verdadeira história começa aos 36 anos, e o que vivi antes ou minha formação acadêmica anterior, já nem lembro, foi de outra Claudia que se encerrou em 1988. Só sei que uso cotidianamente aquilo em que me tornei, e busco sempre não passar de raspão pelo mapa astrológico do outro. Mergulhar é preciso, e ajudar o outro a se transformar, algo imprescindível. Só o verdadeiro autoconhecimento pode gerar transformação. Não existe mágica, e essa autotransformação não ocorre via profissional, mas apenas através do real interesse do cliente em buscar reconhecer como se manifesta em sua vida cotidiana e qual seu potencial para a transformação. Todos somos mais do que aquilo que vivenciamos. A busca deve passar sempre pelo reconhecimento daquele eu desconhecido que em nós mesmos habita. A Astrologia é um facilitador nessa busca porque nela estão contidos tanto nossos aspectos luz quanto sombra. Ela resolve nossos problemas? A resposta é não. Ela apenas orienta no sentido do reconhecimento de nossa totalidade. A busca é do cliente. A leitura é do astrólogo, mas só o cliente poderá encontrar o caminho de sua totalidade e crescimento responsável. websites : www.terrabrasillis.com e www.grupomeiodoceu.com Fale com Claudia direto no Whatsapp

2 comentários em “Bruxa – Quando a Bruxa é a Outra

  • setembro 19, 2018 em 10:36 pm
    Permalink

    Ótimo texto… Excelente para refletirmos, alcançarmos e cuidarmos da sombra que há conosco… quem será que ela é!

    Obrigada por compartir…

    Amanda Ávila

    Resposta
    • setembro 20, 2018 em 11:43 am
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      Grata pelo retorno Amanda. Nosso intuito é levar o leitor à essa reflexão sobre suas próprias sombras e internalizá-las de forma consciente.beijos

      Resposta

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