O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NO ROMANCE “O RETRATO DE DORIAN GRAY”

O ARQUÉTIPO DA SOMBRA NO ROMANCE “O RETRATO DE DORIAN GRAY”>>
INTRODUÇÃO
O romance de Oscar Wilde (1854-1900) foi publicado como folhetim a partir de 1890.
É uma obra que retrata de maneira muito criativa e simbólica um quadro patológico, no qual a Sombra se torna elemento central.
É um “retrato” do mal, introjetado, personificado e projetado.
Este trabalho objetiva o estudo e a compreensão do Arquétipo da Sombra normal e patológica e algumas das possíveis consequências da sua não integração.

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Em meu trabalho como psicoterapeuta, percebi que é através da integração dos aspectos sombrios que o indivíduo passa a perseguir-se.
Em busca de si mesmo ou rumo ao si-mesmo (a totalidade da personalidade), de uma maneira mais firme, segura e contundente, dispersando menos suas energias.
Estas, até então, eram drenadas através de sentimentos de culpa, remorso, incompetência, impotência e inferioridade, aspectos esses advindos da não integração dos aspectos sombrios.

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Capítulo I – CONCEITUAÇÃO
Serão definidos nesta parte os conceitos junguianos mais importantes para este trabalho. Isto em razão de que outros conceitos foram e serão elucidados brevemente no corpo do trabalho.
1. ARQUÉTIPOS, SÍMBOLO E FUNÇÃO TRANSCENDENTE
2. A SOMBRA
3. EGO
4. ÂNIMA E ÂNIMUS
5. PERSONA
6. COMPLEXO, INFLAÇÃO E POSSESSÃO
7. SELF OU SI-MESMO

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Capitulo II – O RETRATO DE DORIAN GRAY – Um breve resumo
Dorian Gray era um jovem de 20 anos pertencente à alta burguesia inglesa, de uma beleza física inimaginável, e foi retratado pelo pintor Basil Hallward, que se apaixonou pelo rapaz.
Lorde Wotton era um homem extremamente inteligente, perspicaz, irônico e com grande vivência nos relacionamentos humanos, capaz de exercer forte influência sobre as demais pessoas.
Este era amigo de Basil e tornou-se muito próximo de Dorian, passando a instigá-lo e a “estudá-lo” em suas reações e atitudes.
Quando Dorian Gray deparou-se com a obra pronta (seu retrato) disse:

“– Que tristeza! – murmurou Dorian. – Que tristeza! – repetiu, com os olhos cravados na sua efígie. – Eu irei ficando velho, feio horrível.

Mas este retrato se conservará eternamente jovem.
Nele, nunca serei mais idoso do que neste dia de junho… se fosse o contrário!
Se eu pudesse ser sempre moço, se o quadro envelhecesse!…
Por isso, por esse milagre eu daria tudo! Sim, não há no mundo o que eu não estivesse pronto a dar a troca. Daria até a alma!”.

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A partir daí, temos o desenrolar da história.
Dorian apaixona-se por uma jovem artista, Sibyl Vane, que se apresentava num pequeno teatro.
Então lhe fala em casamento.
A moça, muito humilde, fica lisonjeada.
Sua mãe e irmão, que estaria ingressando na Marinha, ficam preocupados.
Dorian convida seus dois amigos, Basil e Lorde Wotton, para assistir a uma das apresentações da moça.
Nessa noite, a moça representa muito mal.
Dorian fica consternado.
Seus amigos vão embora dando-lhe palavras de estímulo, enaltecendo a beleza da moça.

Dorian vai até o camarim. Sibyl está feliz, e diz-lhe que, de agora em diante só viverá para o amor de Dorian

Toda a energia vital de Sibyl estava dirigida ao representar; assim que se apaixonou, sua energia foi dirigida para o objeto amado e apresentou-se como uma artista medíocre.
Isto levou Dorian a desapaixonar-se.
Então, ele a humilhou e desprezou.
Virou-lhe as costas para nunca mais voltar.

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Ao chegar a casa, Dorian, dirigiu-se a seu quarto e, ao olhar seu retrato, quase ensandeceu, ao perceber que o quadro havia se alterado.
Seu sorriso não era mais o mesmo.
Caracteriza-se pelo cinismo e maldade.

Refletiu e percebeu que o quadro refletia sua alma

Portanto deveria desculpar-se com Sibyl, assim o quadro voltaria ao normal.
Entretanto, era tarde demais, Sibyl havia cometido suicídio.
A partir de então, Dorian passou a viver tudo que lhe era ou não permitido.
Passou a ter uma conduta fria e interesseira com todos à sua volta.
Induziu pessoas a atos vulgares e criminosos, sempre impune.
Assassinou seu amigo Basil, à facadas, quando este descobre o que está acontecendo.
Leva outro amigo, um químico, ao suicídio após induzi-lo a desfazer-se do cadáver de Basil.

Apenas o quadro se alterava, transformando-se numa figura monstruosa sendo que das mãos da imagem gotejava sangue

Dorian já contava com 40 anos, quando pensou em curar sua alma.
Pensou em levar uma vida pura, sem magoar quem quer que fosse.
E por isso não se aproveitou de uma camponesa.
Ele se dá conta de que sua soberba o levou a esta vida de pecados.

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Amaldiçoou sua beleza e mocidade e pensou que sem elas sua vida seria pura.

O que mais lhe doía era a morte, em vida, da sua alma

Dorian havia escondido o quadro num quarto desocupado, que fora de seu avô.
Sobe até o quarto, olha o quadro e grita de terror.
Apesar de suas “boas ações”, o quadro não se alterara para melhor como supunha, continuava a gotejar sangue ainda mais vivo e estava mais horrendo.
Então Dorian percebe claramente a verdade: por vaidade, ele poupara a camponesa e a hipocrisia pusera-lhe no rosto a máscara da bondade.

A única prova de seu mau caráter, de sua consciência, era o quadro. Então, resolveu destruí-lo</6>
E, com a mesma faca com que matou Basil, trespassou o retrato.
Ouviu-se um grito. Os criados acudiram.
E, quando conseguiram adentrar ao quarto, viram na parede o magnífico retrato, e, no chão, jazia o corpo de Dorian, com a faca cravada no peito, que só pôde ser reconhecido pelos anéis em seus dedos.

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Capítulo III. UMA INTERPRETAÇÃO PSICOLÓGICA COM ABORDAGEM JUNGUIANA DO ROMANCE
Sabe-se que é possível interpretar “junguianamente” um romance sob vários ângulos.
Dessa forma, pode-se afirmar que, não existe uma interpretação única e verdadeira e sim, que existem tantas interpretações quantos forem os ângulos ou enfoques de cada analista.
Como tantas vezes na vida, nesta obra literária o “pacto diabólico” não é explícito.

A todo instante arranjos sombrios podem ocorrer à revelia da consciência

Nesse romance observar-se que não se pode manter a Sombra à distância, não se pode remetê-la para a escuridão da eterna inconsciência, mantendo-se uma condição de inocência ou pureza de Ego.
Foi através dessa atitude que Dorian chegou à própria destruição.
Observa-se, no dia-a-dia, como é usual a projeção da Sombra; é muito mais fácil projetá-la à compreendê-la e integrá-la ao Ego.
O indivíduo é sempre vítima e jamais agressor.
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Capítulo IV. ALGUNS EXEMPLOS DA VIVÊNCIA PSICOTERAPICA SEMELHANTES AO ROMANCE
Quantas pessoas tentam destruir sua Sombra (mesmo que projetada em algo ou alguém) e se destroem, perdendo suas características individuais!
Nos consultórios surgem indivíduos com queixas relativas a um desencontro consigo mesmo.
Conflitos existenciais os dividem, fragmentam, dilaceram e não os permite seguir um caminho mais harmonioso, facilitador e menos doloroso.

Na prática terapêutica muitas vezes depara-se com aspectos sombrios dispares dos apresentados por Dorian Gray

Frequentemente, as queixas se referem a um Ego identificado com a Sombra Pessoal caracterizando uma Persona de Coitado, isto é, o indivíduo se sente muito inferiorizado, menosprezado e desprezível, sem perspectivas.
Ou encontra-se um indivíduo que não consegue se sobressair por seu lado positivo e passa a viver o negativo — isto é frequentemente observado na conduta de crianças e adolescentes que estão competindo com uma figura fraterna ou parental “que deu muito certo”.

O dito popular “falem bem ou mal, mas falem de mim” pode muito bem representar essa conduta

Mas, na sua maioria, os clientes apresentam queixas nas quais fica claro e indiscutível a projeção da Sombra.

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Da mesma forma que Dorian “projetou” no quadro, eles projetam no patrão, no trabalho, nos filhos, no carro, nos pais, no país, e até mesmo no terapeuta.
Não percebem como seus tais conteúdos projetados.
Portanto, sempre que se depara com uma situação em que o cliente denota intensa reação emocional frente as situações cotidianas, pode-se detectar uma ativação de um complexo e, consequentemente, uma projeção de algum conteúdo sombrio da personalidade.

É perfeitamente natural a existência da Sombra e consequentemente sua projeção

Não é possível que alguém cresça desprovido da mesma, e nem que se conscientize dela totalmente.
O processo de conscientização é gradual e constante, demandando muita disposição e persistência.

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Capítulo V. O QUE FAZER COM O LADO SOMBRIO
Observa-se que o papel da Sombra é de extrema importância, pois através dela pode-se observar aspectos valorizados negativamente pelo indivíduo, que muitas vezes impedem sua criatividade, sua maior adaptabilidade além de bloquearem sua jornada rumo a Individuação.
Portanto, através da Sombra é iniciada a grande viagem ao mundo mágico, aterrorizador e encantador de cada indivíduo.
Então, o que fazer com a Sombra?

A Sombra será sempre um “que fazer” na vida humana

O “que fazer” implica em pensar no Mal.
Entender sua existência autônoma e conferir-lhe, humildemente, o status de realidade.
É importante acolher amorosamente os aspectos sombrios do cliente.

Usar mais o Eros que o Logos, mais o Amor que a Estratégia. Isto faltou a Dorian Gray!

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CONCLUSÕES
“Algun dia
En cualquier parte
Has de encontrarte contigo mismo
Y solo de ti depende
Que sea la más amarga de tus horas
O tu momento mejor.”
M. de Combi

Espero através deste trabalho ter demonstrado a relevância do estudo e compreensão dos aspectos sombrios da personalidade que tanto interferem e, ao mesmo tempo, são imprescindíveis no processo de Individuação.

Sem a consciência e integração dos mesmos não se pode falar em Individuação, pois se estaria diante de uma personalidade cindida, ora pendente a supremacia do Ego ora desumanizada pela Sombra

Tendo concluído meu trabalho, com certeza, não esgotei o tema, pois todo fim é em si uma centelha para um novo começar!

Anyara Menezes Lasheras
Psicóloga Clínica. Pós-graduada em Psicologia Analítica Junguiana
Quero deixar a todos que se interessarem a oportunidade de ler alguns trechos do meu tema monográfico para o curso de pós-graduação, que recebeu nota máxima.

Deixo, também, uma advertência: esta obra está registrada na Fundação Biblioteca Nacional sob o N.º 188.432; Livro 322; Folha 87

Crédito de imagem: The Picture of Dorian Gray by Endymiasyzygy on DeviantArt




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