LILITH – como autodescoberta e transformação I
LILITH – como autodescoberta e transformação I
“Sentia-me pouco a vontade no papel de Eva. Sentia-me confusa; impulsos dionisíacos vibravam em mim.
Minhas imagens pessoais não eram as de um paraíso infantil, um protegido jardim do Éden, mas as de desertos acidentados, amarelos e marrons, como rochas da cor do ferro fundido, cardos dourados e arbustos espinhosos.
Além disso, não podia entender a vergonha da nudez.Eu era animal, era Deus! Era substância e orifício pulsante.
Sob camadas de civilização, eu era pele palpitante, e ecos dos mais profundos gritos animais…” Lilly Rivlin, Lilith, pg.92
Lilith, portanto, é energia, assim como sentimento, anseio, emoção.
É anterior ao próprio tempo. Primordial, surgiu do caos.
Uma etapa do processo de individuação
A história da separação de Lilith e Adão encontra paralelo na alquimia com a imagem da separação do sol e da sua, a separatio alquímica.
Lilith, enquanto anima do homem e sombra transpessoal da mulher, precisa percorrer o caminho alquímico que tem como ponto culminante da OPUS, a conjunctio, ou o casamento do sol com a lua.
O processo de individuação portanto, tanto do homem como da mulher, tem que passar pela assimilação consciente de sua anima-sombra Lilith.
Essa energia analogamente, ora é descrita como a Shekhina, esposa de Deus; ora como a mulher de Samael, o Diabo; ora como a própria Sophia, Sabedoria Divina.
“Há muitas outras lendas a respeito de Lilith: ela é a mulher de Samael, o outro Deus ou demônio.
Na cabala, é chamada de Shekhina, a forma mais elevada do espírito feminino, e até mesmo tornou-se a consorte de Deus na época da destruição do Templo.
A identidade dos opostos em Lilith e no Matronit, o aspecto feminino de Deus é aparente.” Barbara Black Koltuv, P.H.D., A Tecelã, Cultrix, pg.108
O que fica claro é que Lilith, enquanto sombra feminina transpessoal, é para as mulheres a sombra obscura do Eu, mas que mediante o seu conhecimento, a sua integração à consciência, a consciência do casamento de sua Lilith interior com o diabo, a mulher pode desfrutar de uma sensação de imensa sabedoria e inteireza.
Ademais, o encontro com Lilith costuma ser algo transformador na vida da mulher.
Conquanto esse encontro vem acompanhado da sensação de restauração de uma parte perdida de si mesma. Ele aponta para a completude.
Decerto, o contato com Lilith é perigoso para aqueles que vivem no caminho da inconsciência.
Essa inconsciência a serviço de Lilith pode colocar manifesta a natureza feminina de modo inconsciente e incontrolável.
Dessa forma, ela pode ainda, colocar em ação uma força de motivação demoníaca, onde o encontro sexual seja apenas uma força de satisfação orgiástica.
Em decorrência, a sedução, torna-se um jogo de poder.
À essa possessão inconsciente de Lilith, segue-se uma história, que acaba por arruinar a inteireza da mulher.
Antes de mais nada, é necessária a compreensão de que se não “dermos ao diabo o que lhe é devido”, ele o tomará de qualquer maneira.
Por outro lado, se o ignorarmos, ele operará nas nossas costas de forma destrutiva.
“Como já se observou antes, esses chifres mágicos não pertencem a pessoa do diabo; fazem parte de um elmo de ouro rememorativo de Wotan. O fogo dourado não é propriedade de Satanás, senão de seu mister divino de mensageiro. Quando ele se lembra disso, o seu fogo ilumina e purifica. Mas, quando rouba o fogo do céu para seu próprio enaltecimento, suas atividades podem atrair o raio do céu.” 13. Sallie Nichols, Jung e o Tarô, Cultrix, pg.263
A consciência de sua natureza Lilith e a sua vivência, restabelece na mulher um modo primitivo de experiência, que vê a vida como um todo orgânico.
Esse encontro consciente com a psique arquetípica autônoma , é como descobrir Deus em si mesma, pois traz embutida a sensação de unidade.
O nível Lilith é o nível tanto vivificante, quanto intuitivo e natural do ser.
Esse nível opera quando a mulher anseia pela liberdade de se mover, de agir, decidir e escolher.
Quando ela emancipa seu intelecto do homem e permite-se evoluir intelectualmente, equiparar-se ao homem; e até quem sabe, suplantá-lo.
Nessa caminhada, contudo, sem medo de não estar cumprindo o papel que lhe cabe ao seu próprio sexo dentro da sociedade.
É quando ela se movimenta no sentido de um encontro do ego feminino com o Eu feminino.
“Suponhamos – falei – que ele sinta mais desejo de você do que de mim?
– E isso importa? – replicou Lilith
– Preciso recordar-lhe da pergunta de maior significado, Eva? Eu o desejo, eu o quero? É isto que interessa, não o inverso.
– Ora, mas como poderia deixar de querê-lo? – gemi.
Quanto a mim, naquele momento, nunca o quisera tanto.
– Lilith suspirou fundo.
– Um dia você compreenderá, pois agora é difícil.
Não se trata de uma coisa tão simples assim.
O fato é que no fim, o preço de minha submissão ficou alto demais; outras coisas eram mais importantes. E então, eu fugi.” Penélope Farmer, A História de Eva, Bertand Brasil, pg. 169/170
Numa sociedade patriarcal, essa atitude da mulher é como uma afronta ao que foi estabelecido e o que dela se espera.
O homem moderno, por desconhecer sua anima Lillith, uma vez que essa não corresponde aos padrões femininos aos quais teve acesso na infância, procura reprimir esse crescimento e esse anseio na mulher.
Lilith lhe fascina, mas ao mesmo tempo, lhe assusta terrivelmente.
Para o homem, o ter que lidar com Lilith é um desafio, e a resposta é o medo.
Continua no próximo artigo….
crédito de imagem Olivier Ledroit
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