Reciclagem de vidro artesanal cooperativa na bioconstrução

Reciclagem de vidro artesanal cooperativa na bioconstrução

A coluna ReinVentO apresenta uma série de reportagens e de reflexões sobre boas práticas, aplicáveis às construções, com foco nas soluções simples da bioconstrução e da permacultura através da reciclagem de vidro artesanal

Uma coletânea de propostas de arquitetos, de institutos de pesquisa e de ecovilas, para habitações mais sustentáveis e ecoeficientes.

Tais como Johan Van Lengen, um dos pioneiros da bioconstrução no Brasil, fundador do Instituto Tibá (RJ); Hundertwasser, um de seus precursores no mundo (Aústria); e outros arquitetos e construtores cuja obra inspira nossa utopia: da “casa sustentável”.

Nesse artigo, doze anos depois, a pesquisadora narra e reavalia a própria experiência à frente do Núcleo de Reciclagem de Vidro na Cooperativa 100 Dimensão – pesquisa de campo desenvolvida em 2006, durante Mestrado em Desenvolvimento Sustentável (UnB), com apoio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em parceria com o Atelier Verde Garrafa – de reciclagem e reutilização de vidro descartável – e com o núcleo de “Construção com Vidro, Gente e Sucata”, que foi “incubado” na Cooperativa 100 Dimensão do Riacho Fundo (DF).

Figura 1- Os vitrais de garrafa produzidos no Atelier Verde Garrafa - entre 2002 e 2004. Foto Zuleika de Souza
Figura 1- Os vitrais de garrafa produzidos no Atelier Verde Garrafa – entre 2002 e 2004. Foto Zuleika de Souza

 

ReinVentO – Construção com Vidro, Gente e Sucata – reflexão sobre a experiência de reciclagem de vidro na Cooperativa 100 Dimensão (CDS/UnB, Riacho Fundo, DF, 2006)

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A PAIXÃO PELO VIDRO

“Paixão: só dela nasce o fôlego de um rumo.” (anônimo)

Essa pesquisa-ação realizada na Cooperativa 100 Dimensão, em 2006, como trabalho de campo de minha Dissertação de Mestrado em Desenvolvimento Sustentável pelo CDS/UnB (jul.2007), nasceu de uma premissa: de que “a abundância só pode ser mantida, se círculos cada vez mais maiores são chamados a participar dela” (I Ching, o livro das mutações, filosofia taoísta); e de um forte desejo de retribuir à sociedade, parte do (muito) que eu havia recebido, prestando um serviço que eu entendia imprescindível: ajudar a reduzir as desigualdades sociais e o desperdício ambiental, usando criatividade e inovação. Em especial, em relação à destinação do vidro reciclável, descartado na forma de embalagens de bebida. Tantas garrafas de puro vidro colorido, cuja beleza inicialmente chamou minha atenção.

A eleição do vidro como material de trabalho começou com essa grande admiração pela transparência natural do vidro e de resistência em reconhecer nas garrafas de vidro um material descartável, destinando ao lixo.

 

 

O ATELIER VERDE GARRAFA E OS COBOGÓS DE GARGALO – de 20

Figura 2- Mandalas de garrafa produzidas no Atelier Verde Garrafa, 2002. Foto: Zuleika de Souza
Figura 2- Mandalas de garrafa produzidas no Atelier Verde Garrafa, 2002. Foto: Zuleika de Souza

02 a 2004

“No princípio, era o verbo!”

Em algum momento de minha vida de arquiteta e ilustradora, nasceu em mim um desejo concreto de valorização econômica e social do trabalho criativo que eu vinha realizando no atelier em Alto Paraíso de Goiás, reutilizando garrafas de vidro como vitrais e “cobogós de gargalo” (elementos vazados).

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Apaixonada pelas garrafas de vidro e pelo uso criativo dado a elas pelos dois, eu as recolhia e imaginava: “um dia eu ainda vou construir uma parede com essas garrafas”.

A inspiração para reutilizar garrafas na arquitetura, foi influenciada pela obra de dois arquitetos: o austríaco Hundertwasser (com sua casa de garrafas, com paredes-vitrais de concreto e garrafas reutilizadas) e o catalão Jujol (com seus mosaicos aplicados à obra de Gaudí, no Parque Güel e na Casa Batló).

 

Figura 1- As paredes vitrais de garrafa e concreto na obra do arquiteto austríaco, Hundertwasser. Kawakawa Toilet, Nova Zelândia, 1999
Figura 1- As paredes vitrais de garrafa e concreto na obra do arquiteto austríaco, Hundertwasser. Kawakawa Toilet, Nova Zelândia, 1999

Os amigos admiravam as peças que eu vinha desenvolvendo com objetivo de comercialização e alguns diziam que iriam copiar.

Sentia-me desafiada: como eu iria proteger o direito de propriedade das “minhas” criações?

Nem bem havia chegado a um resultado e já pairavam ameaças de desapropriação?!

O registro no Brasil é caro e seu direito precário, bastando uma pequena mudança nas dimensões das peças e já é outro produto, diverso do que foi registrado…

Diante do desafio natural do autor de comercializar e de me apropriar economicamente dos resultados da produção, contando ainda com o patrocínio de meus pais, uma percepção de escala reorientou completamente minha perspectiva de “remuneração”:

“Se quero ajudar a reciclar o resíduo… e minha capacidade de reciclagem de garrafas de vidro é bem reduzida… em vez de proteger a propriedade do produto, melhor seria ensinar cada vez mais pessoas a reutilizar o vidro.”

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Assim, que em 2004, nasce a tecnologia social de capacitação em reciclagem de vidro para a construção, para ser difundida e praticada em cooperativas de catadores de resíduos sólidos urbanos.

Eu queria que o “meu” trabalho criativo, de interesse ambiental, “ajudasse muita gente a mudar de vida”. E imaginei fazer isso, sistematizando e compartilhando com as cooperativas de catadores de resíduos, um “método de reciclagem de vidro, aplicável à construção”: pequenos núcleos artesanais de reciclagem de vidro articulados em redes de produção solidária, dos produtos que foram inicialmente desenvolvidos no atelier, Verde Garrafa.

“NINGUÉM FAZ NADA SOZINHO” – nós fomos apoiados de diversas maneiras

Dois anos antes da aprovação da pesquisa no Mestrado do Centro de Desenvolvimento Sustentável da UnB (out.2004), havíamos testado a aceitação das peças.

O trabalho realizado no atelier de Alto Paraíso foi apresentado ao público em uma exposição coletiva promovida por minha mãe, Maria Villela, em dez. de 2002.

Ela queria alugar uma casa em Brasília e, para valorizá-la, realizou uma exposição de móveis e objetos de arte: em parceria com um colecionador de móveis dos anos 60 e alguns artistas convidados (entre eles eu, com as peças de vidro e concreto reutilizado que vinha produzindo).

Figura 2 – Exposição dos cobogós de gargalo, Residência de Maria Villela, 2002. Foto: Zuleika de Souza
Figura 2 – Exposição dos cobogós de gargalo, Residência de Maria Villela, 2002. Foto: Zuleika de Souza

A exibição foi um sucesso! Vendemos nossas primeiras peças para as residências de Nazareno Affonso, em Pirenópolis, e de Adeildo Bezerra, no Condomínio Verde, em Brasília.

Em 2004, aprendi a técnica de “fusing” de vidro com as professoras: Claudia Bertolin e, no Guapuruvu Atelier de Artes, com Renata Valls.

Nessa época, realizei ladrilhos para a residência de Ricardo e Sandra, clientes de arquitetura, que ainda permitiram que eu realizasse um mosaico misturando garrafas e pastilhas de vidro.

Esses trabalhos serviram tanto como teste de novos produtos, quanto formaram meu portfólio de apresentação.

 

Figura 6 – A artista produzindo ladrilhos de vidro para a cozinha da Residência de Ricardo e Sandra, em 2004.
Figura 6 – A artista produzindo ladrilhos de vidro para a cozinha da Residência de Ricardo e Sandra, em 2004.

 

O mestre vidreiro Joaquim Ferreira Lima (in memorium), do departamento de química da UnB, também ajudou muito nossa pesquisa.

Tinha prazer em transmitir conhecimento técnico e prático dos fundamentos da química do material e me iniciou nos primeiros passos de sua arte: o vidro soprado – técnica em que eu não cheguei a me desenvolver.

Em sincronia com a aprovação dessa pesquisa no mestrado, fomos contemplados com a aprovação de uma de linha de crédito de 20.mil de fomento à pesquisa e à inovação, cujo objetivo foi a elaboração de um Estudo de Viabilidade Técnica e Econômica da proposta (EVETEC/FAP-DF, out.2004).

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E em 2005, já na Universidade, dentro de um projeto mais amplo, conseguimos os recursos para efetiva implantação do projeto de reciclagem de vidro na Cooperativa 100 Dimensão: um financiamento para capacitação e aquisição de equipamentos. Nosso projeto foi aprovado em seleção para um edital de fomento da reciclagem de resíduos pelos catadores, da Secretaria de Tecnologia e Inclusão Social, do Ministério da Ciência de Tecnologia. O investimento aprovado de 130.mil reais, financiou, além da reciclagem de vidro (42.mil), outros dois núcleos reciclagem: um de entulho (78.mil) e outro de papel (10.mil), realizados em duas outras cooperativas e coordenadas por professores da UnB, especialistas nas áreas afins.




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Turyna Adriana

A autora é jornalista (PUC/Rio, 2016), arquiteta e Mestre em Desenvolvimento Sustentável pela Universidade de Brasília (Brasília, 1987 e 2007). É apaixonada por Arquitetura Bioclimática, Bioconstrução, Permacultura, e Projetos de Economia Solidária e de Inclusão Social. Atua especialmente em projetos que priorizam a reciclagem e a reutilização de vidro, a construção com reaproveitamento de materiais recicláveis, a sustentabilidade, a redução do desperdício, a cooperação e a inclusão social. Desde 2002, em seu Atelier Verde Garrafa, a arquiteta candanga desenvolve e produz blocos vitrais pré-moldados e azulejos de vidro, reutilizando garrafas de vidro descartadas no Distrito Federal. Vive no Rio de Janeiro, onde desenvolve projetos autorais de fotografia, de animação (stop motion) e de publicação. Revisitando regularmente, a prática da escrita e da ilustração. A coluna REINVENTO trará matérias sobre experiências de ecoeficiência na construção – tais como a reutilização de materiais recicláveis e naturais, reaproveitamento de água da chuva, produção de energia limpa, paisagismo produtivo, tratamento ecológico de resíduos, arquitetura bioclimática, entre outras práticas sócio-ambientalmente sustentáveis. TURYNA (Adriana) / Skype reinventoturyna@gmail.com

11 comentários em “Reciclagem de vidro artesanal cooperativa na bioconstrução

  • dezembro 13, 2018 em 12:14 am
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    Que trabalho maravilhoso, Adriana! Parabéns!

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  • dezembro 13, 2018 em 2:26 am
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    Eu nunca soube por onde começo ou termino de admirar. Eu simplesmente admiro <3

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    • dezembro 14, 2018 em 9:20 am
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      Muito obrigada, querido. Eu também sinto grande admiração por sua dedicação em compartilhar a luz do seu sorriso, seu coração e tudo de bom que chega até você com os outros.

      Resposta
  • dezembro 13, 2018 em 2:27 am
    Permalink

    Eu nunca soube quando começo ou termino de admirar. Eu simplesmente admiro <3

    Resposta
  • dezembro 13, 2018 em 8:55 am
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    Turyna, minha flor, minha admiração por você só faz aumentar a cada dia. Que lindo saber dessas suas outras contribuições para um mundo melhor! Eu me insrevi num curso do instituto Pindorama para aprender tudo sobre permacultura. Estou trilhando neste caminho por você já realizado. Parabéns!

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    • dezembro 13, 2018 em 8:42 pm
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      A permacultura é maravilhosa! Estamos juntas, querida! Grande admiração por tua trajetória também. Boa sorte!

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    • dezembro 13, 2018 em 8:43 pm
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      Muito obrigada, querida! Conversamos sim. Bj grande

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  • dezembro 13, 2018 em 12:05 pm
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    Trabalho maravilhoso! Proud to be your sister in law!!!!

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    • dezembro 13, 2018 em 8:44 pm
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      Muito obrigada, querida! Também amo ser cunhada de alguém com seus multi-talentos, querida!

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