Crimes e Preconceito
Crimes e Preconceito>> Trajetória do racismo no Brasil através das leis
O preconceito e a segregação racial devem ser entendidos como um fenômeno histórico e social em nosso país, de modo que os casos de discriminação racial dos dias de hoje devem ser entendidos como o reflexo de um passado escravocrata, com leis antigas que, claramente, faziam a diferenciação de indivíduos em razão de sua raça ou cor de pele.
A discriminação e o preconceito, aliás, foram fomentados pelo próprio Poder Público da época por mais de um século, o que justifica o motivo de estar arraigado na população brasileira até os dias atuais.
As primeiras normas vigentes em terras tupiniquins foram as chamadas “Ordenações Filipinas”, que previam e incentivavam, de forma expressa, a discriminação em razão de etnia, religião, raça e cor.
Com efeito, nessa época, os escravos negros na esfera penal “ocupavam uma curiosa posição hibrida: eram considerados como pessoas quando sujeito ativo de crimes, cabendo-lhes dura responsabilização criminal, mas quando vítimas eram tratados como coisas, de modo que podiam ser objeto material de furto e outros crimes contra o patrimônio.” (JUNQUEIRA; FULLER, 2010, p. 68)
Com o advento da Constituição Imperial de 1824, houve uma das primeiras previsões de igualdade entre indivíduos perante a lei. Assim, houve um decréscimo na discriminação que ocorria em razão da religião e condição social, mantendo-se, todavia, o preconceito que havia com relação aos escravos negros, vez que a escravatura ainda estava em voga na época.
O Código Penal do Império de 1831 continuou mantendo essa diferenciação entre brancos livres e escravos negros no âmbito criminal. Dessa forma, persistiam as penas diversificadas para cada um desses grupos, de modo que a pena cominada ao escravo que cometesse crimes era exponencialmente mais severa do que a cominada ao branco livre:
Aliás, a própria manutenção da pena de morte, que encontrava ferrenhos opositores, acabou por ser justificada precisamente pela presença, na sociedade brasileira, da mão de obra escrava: uma vez que o escravo não possuía liberdade, bens e nem direito sobre sua integridade física, nada poderia opor-lhe medo ou dissuadi-lo do intento criminoso, senão a morte. (JUNQUEIRA; FULLER, 2010, p. 69)
O cenário começa a sofrer ligeiras mudanças com a abolição da escravatura em 1888, ocasião em que a princesa Isabel, filha de Dom Pedro II, editou a chamada Lei Áurea, que libertou em caráter definitivo todos os escravos em território nacional.
Tal medida se justificou na despopularizarão e encarecimento da mão de obra escrava, bem como nas insistentes tentativas dos países estrangeiros de criarem um mercado consumidor interno no Brasil, resultado direito da primeira revolução industrial.
Não seguindo a ideia abolicionista da época, o Código Penal da Velha República (1890) foi alvo de muitas críticas por parte dos partidários dessa ideologia, na medida em que não previa qualquer tipo penal apto a coibir a discriminação entre brancos e negros. Muito pelo contrário, havia até crimes que impediam a manifestação cultural dos grupos negros na população, como a determinação legal que proibiu a exibição pública da capoeira.
A Constituição Federal da Primeira República (1891), igualmente, não se preocupou com a questão da discriminação racial que ocorria com os escravos recém libertos. Havia somente a noção de igualdade formal ente os indivíduos, sem que houvesse, todavia, qualquer imposição de uma prestação positiva ao governo para que fosse propiciado um meio de integração da população negra liberta com a sociedade.
Para piorar ainda mais esse cenário, era moda na época, entre o meio jurídico, a escola positivista e as teorias lombrosianas, o que influenciou em demasia as relações sociais entre as populações brancas e negras:
Se no âmbito do direito posto o Estado não contribuía para a promoção da igualdade material, no âmbito da ciência jurídica grassavam, no final no século XIX, os postulados da Escola Positiva e, nesse contexto, a criminologia lombrosiana, que concorreu para estabelecer-se, com pretensões de cientificidade, uma forte ligação entre raça e criminalidade14. Sustentava-se, sobre essas bases, a ideia de uma criminalidade de caráter étnico decorrente do convívio social de raças situadas em etapas diversas da evolução moral e jurídica, impondo-se por isso mesmo uma responsabilidade atenuada para aquelas consideradas inferiores. (JUNQUEIRA; FULLER, 2010, p. 70)
O primeiro diploma legal que se tem notícia que efetivamente mencionou a igualdade também no sentido racial foi a Constituição Federal de 1934. Todavia, enquanto era mencionada essa falsa igualdade, havia ainda dispositivos legais dentro do texto constitucional que reforçavam o racismo, tal como a determinação de se propagar uma “educação eugênica” entre a população, oriunda da chamada teoria do “embranquecimento social”.
As constituições seguintes (1937 e 1946), em nada inovaram, voltando a trazer a previsão lacônica “todos são iguais perante a lei”, sem delimitar políticas ou meios de ação do poder público para concretizar tal princípio.
O nosso Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848/40), igualmente, não previa qualquer crime ou contravenção penal contra o racismo ou o preconceito racial em sua redação original, inovando apenas no que se refere à aplicação da pena, que deixou de ser majorada em ração da raça do agente criminoso.
A primeira lei que mudou de vez o cenário nacional com relação ao assunto foi a chamada “Lei Afonso Arinos” (Lei nº 1.390/51). De autoria do então Deputado Federal pela UDN de Minas Gerais, Afonso Arinos de Melo Franco, este diploma legal reconhecia a existência da discriminação racial na sociedade, deixando a critério do direito penal a prevenção e repressão a atos preconceituosos e discriminatórios em relação à raça e à cor do indivíduo.
Assim, tais atos discriminatórios eram tipificados como contravenções penais, cuja pena cominada consistia em prisão simples, multa ou, ainda, perda do cargo público. Ora, vê-se que não são sanções pesadas, não possuindo o condão de coibir a prática dos crimes, o que fez com que a referida não fosse aplicada na prática.
Posteriormente, já na Constituição Federal de 1967, percebeu-se a adoção da primeira previsão de punição contra o racismo no próprio texto constitucional, disposta no artigo 150, § 1º, da antiga Carta Magna:
Art. 150 – A Constituição assegura aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade dos direitos concernentes à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
§ 1º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção, de sexo, raça, trabalho, credo religioso e convicções políticas. O preconceito de raça será punido pela lei. (Grifou-se). (BRASIL, publicada em 24/01/1967).
Novos passos são tomados com a edição e publicação do Decreto nº 65.810/69, que nada mais foi do que a positivação das deliberações tomadas durante a Convenção Internacional sobre a Eliminação de todas as formas de Discriminação Racial, organizada pela Organização das Nações Unidas em 1965. O Brasil ratificou as resoluções tomadas por tais convenções somente em 1968, transformando-as no referido decreto somente um ano após sua aceitação.
Nela o Pais reitera a intenção de punir criminalmente as práticas racistas, comprometendo-se a declarar, como delitos puníveis por lei, qualquer difusão de ideias baseadas na superioridade ou ódio raciais, qualquer incitamento à discriminação racial, assim como quaisquer atos de violência ou provocação a tais atos, dirigidos contra qualquer raça ou qualquer grupo de pessoas de outra cor ou de outra origem étnica, como também qualquer assistência prestada a atividades racistas, inclusive seu financiamento. (JUNQUEIRA; FULLER, 2010, p. 73)
Tomando o caminho oposto das constituições e diplomas legais anteriores, a nossa atual Constituição Federal (1988) abordou a problemática do racismo em diversos dispositivos e trechos de sua redação, com especial atenção ao disposto no artigo 5º, inciso XLII, da Carta Magna:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
XLII – a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; (BRASIL, publicada em 05/10/1988).
O que se verifica, na realidade, é que, muito embora outras constituições mais antigas previssem a isonomia como um princípio norteador em seu texto legal, foi somente na Constituição Federal de 1988 que ele pode ser efetivamente concretizado em seu aspecto material, uma vez que houve determinação expressa para que o Estado promovesse os meios legais de garantir essa igualdade.
Atendendo a determinação constitucional, criou-se a Lei nº 7.716/89, também conhecida como Lei Antidiscriminação, a qual é aplicada pra fins penais até os dias de hoje.
Tal diploma legal foi modificado posteriormente pelas Leis nº 8.081/90, 8.882/94 e, finalmente, pela 9.459/97, que acrescentou a figura da injúria racial em nosso Código Penal.
O texto legal tipifica uma série de condutas racistas como crimes, todos punidos com pena de reclusão de até 5 anos, o que, por si só, já demonstra a mudança drástica de tratamento dispensado pelo Poder Público aos agentes criminosos, especialmente se comparada com a antiga Lei Afonso Arinos, que previa apenas reprimenda de prisão simples e multa.
Mais considerações acerca dessa lei, no entanto, serão tecidas no decorrer do presente trabalho.
Conclui-se, pois, que a atual Lei Antidiscriminação é o resultado enérgico do Poder Público à falta de iniciativa e preocupação dos outros sistemas de governo em estabelecer uma real e efetiva política contra o racismo e o preconceito racial no país.
No mais, o fato do escravagismo ser defendido e até enaltecido desde a época da colonização até o começo da República Velha, foi o suficiente para que ideias e conceitos de superioridade e inferioridade racial ficassem extremamente arraigadas na mente do povo brasileiro até os dias atuais, o que justifica a implantação, mesmo que de forma tardia, de uma política reforçada contra o racismo e o preconceito racial.
Crimes por Racismo
Os crimes cometidos em razão de preconceito e discriminação ainda são uma triste realidade em nosso país, apesar de não serem muito divulgados pela mídia e canais de comunicação.
Após um longo período de lutas e reivindicações dos mais diversos grupos, o Poder Público passou a adotar medidas mais enérgicas contra os indivíduos que praticam condutas discriminatórias e preconceituosas contra outros por motivo de religião, raça, cor, gênero, orientação sexual e etc…
Dentre todos os crimes cometidos em razão de intolerância e preconceito, os que mais chamam a atenção, justamente por terem se perpetuado por tanto tempo, são os chamados crimes raciais ou de racismo.
Não é raro nos depararmos com situações nas quais um indivíduo tolhe a entrada do outro em um estabelecimento comercial ou, o que é ainda mais comum, acaba destratando esse outro tão-somente em razão de sua raça ou cor de pele.
Como já dito, esse tipo de comportamento passou a ser encarado como crime pelo Poder Público, notadamente se considerarmos a gama de direitos sociais previstos em nossa atual constituição que, reforçados ainda pelo princípio da igualdade, propagam a ideia de um tratamento igualitário e livre de discriminação a todos os cidadãos brasileiros, natos ou naturalizados, e estrangeiros residentes no país.
Hoje, após o advento da nossa atual Constituição Federal e da Lei nº 7.716/89, o crime de racismo ou preconceito racial passou a ser visto como de média gravidade, equiparando-se ao delito de furto ou receptação no tocante às penas impostas.
Porém, quais foram os caminhos percorridos pelo Poder Público até a efetivação de uma política pública forte contra o racismo e o preconceito racial ou de cor de pele? Qual a origem do racismo em nosso país? Quais foram as mudanças trazidas pela Lei nº 7.716/89? Foram elas suficientes ou insuficientes para a repressão ao crime por motivação racista?
Racismo
O racismo pode ser definido como “o conjunto de teorias e crenças que estabelecem uma hierarquia entre as raças, entre as etnias, ou ainda uma atitude de hostilidade em relação a determinadas categorias de pessoas.” (ANDREUCCI, 2014, p. 133).
O preconceito, por sua vez, nada mais é do que uma opinião ou sentimento pré-concebido de um assunto, ou seja, toda aquele que se desenvolve sem qualquer análise crítica anterior. Isso pode levar a generalizações de pessoas ou coisas, conduzindo, por muitas vezes, à intolerância.
A discriminação, por fim, “expressa a quebra do princípio da igualdade, como distinção, exclusão, restrição ou preferência, motivado por raça, cor, sexo, idade, trabalho, credo religioso ou convicções políticas.” (ANDREUCCI, 2014, p. 133).
Vê-se, então, que o preconceito e o racismo podem levar à discriminação racial.
A Lei nº 7.716/89, apesar de trazer inúmeros termos e tipos penais específicos, não se preocupou em explicar alguns conceitos nela presentes, ficando tal tarefa à cargo do Estatuto da Igualdade Racial (Lei nº 12.288/10):
Art. 1o Esta Lei institui o Estatuto da Igualdade Racial, destinado a garantir à população negra a efetivação da igualdade de oportunidades, a defesa dos direitos étnicos individuais, coletivos e difusos e o combate à discriminação e às demais formas de intolerância étnica.
Parágrafo único. Para efeito deste Estatuto, considera-se:
I – discriminação racial ou étnico-racial: toda distinção, exclusão, restrição ou preferência baseada em raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica que tenha por objeto anular ou restringir o reconhecimento, gozo ou exercício, em igualdade de condições, de direitos humanos e liberdades fundamentais nos campos político, econômico, social, cultural ou em qualquer outro campo da vida pública ou privada;
II – Desigualdade racial: toda situação injustificada de diferenciação de acesso e fruição de bens, serviços e oportunidades, nas esferas pública e privada, em virtude de raça, cor, descendência ou origem nacional ou étnica;
III – desigualdade de gênero e raça: assimetria existente no âmbito da sociedade que acentua a distância social entre mulheres negras e os demais segmentos sociais;
IV – População negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam auto definição análoga; (BRASIL, publicada em 21/07/2010).
Essa definição de conceitos possibilitou uma melhor interpretação desse estatuto e dos demais dispositivos legais que versam sobre o tema, de modo a garantir uma aplicação mais justa e precisa da lei penal, exime de qualquer dúvida substancial.
As correntes então se formaram:
A primeira defendendo que a Lei Afonso Arinos tratava-se de letra morta, uma vez que não fora recepcionada pela Constituição Federal de 1988, tendo em vista que esta última prevê que o racismo é crime e deve ser apenado com reclusão, não com prisão simples e multa. Assim, mesmo os atos discriminatórios cometidos em razão do sexo ou estado civil da vítima, passaram a ser crimes específicos previstos do Código Penal, vez que a Lei nº 7.437/85 tornou-se inconstitucional.
Já a segunda corrente entendia que a Constituição Federal obrigava que somente o racismo fosse tipificado como crime, mantendo-se a eficácia da Lei Afonso Arinos apenas no tocante aos crimes de discriminação em razão do estado civil ou sexo da vítima. Desta forma, se o crime praticado for de discriminação em razão da raça ou da cor de pele do ofendido,
[…] deve prevalecer a lei mais recente (critério da sucessividade), ou seja, a Lei7.7166/89, pois ambas são especiais. Entretanto, utiliza-se a Lei 7.437/85, especificamente, no tocante a preconceito resultante de sexo ou estado civil. Logicamente, somente é cabível cuidar do conflito aparente de normas para quem entender constitucional a referida Lei 7.437/85. (NUCCI, 2015, p.288).Entende-se que houve a recepção tácita das Leis nº 1.390/51 e 7.437/85 em nosso ordenamento jurídico atual, a exemplo do que defende a segunda corrente, afinal,
A Constituição obriga apenas que o racismo seja tipificado como crime, o que não inclui outras formas de preconceito. De modo que continua sendo contravenção penal, por exemplo, negar hospedagem a alguém em função de seu estado civil, ou impedir a entrada em estabelecimento público em razão do sexo. (JUNQUEIRA; FULLER, 2010, p. 74).
Os crimes de discriminação racial estão tipificados nos artigos 3º a 20 da Lei nº 7.716/89.
Como já dito anteriormente, a Lei Antidiscriminação, como o próprio nome diz, visa punir as condutas resultantes de discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional.
Logo, para que a conduta do agente se subsuma ao tipo penal previsto na lei, é imprescindível que haja a realização da conduta em razão dessa discriminação, caso contrário, o fato será atípico ou configurará outro delito. Este é o chamado elemento subjetivo específico do tipo, como defende Tucci:
[..]existência do elemento subjetivo do tipo específico implícito, consistente na vontade de discriminar, segregar, mostrar-se superior a outro ser humano, em todos os delitos previstos nesta Lei. Afasta-se o delito se houver outro ânimo, como, por exemplo, o de brincar (animus tocando), fazer uma descrição ou uma crítica artística, entre outros fatores. (NUCCI, 2015, p. 269).
Também não há que se olvidar que se tratam de crimes imprescritíveis e inafiançáveis, a significar que o magistrado não poderá conceder fiança ao agente preso provisoriamente como condição à concessão da liberdade provisória e, ainda, jamais ocorrerá a prescrição das pretensões punitiva e executória estatal.
Para alguns doutrinadores a ideia de imprescritibilidade é absurda, vez que o crime em si não é dotado de exacerbada gravidade, afinal “a maior parte das condenações não terá nem mesmo como impor a pena privativa de liberdade em regime fechado, o que somente evidencia a sua pouca importância aos olhos da lei.” (NUCCI, 2015, p. 267).
O objeto material de todos esses crimes é a pessoa discriminada, ou seja, sua honra, sua dignidade, posto que o objeto jurídico desses delitos é a preservação do princípio da igualdade entre os cidadãos brasileiros.
As penas cominadas nos tipos penais variam entre 01 (um) e 5 (05) anos de reclusão, a significar que podem ser considerados como crimes de gravidade mediana, uma vez que não são crimes de menor potencial ofensivo e, tampouco, são apenados com prisão simples ou detenção.
Todavia, se o agente for primário, não ostentar antecedentes criminais e a pena for fixada em seu mínimo legal, não haverá praticamente a imposição de regime fechado para nenhum desses delitos, uma vez que não são cometidos, via de regra, com violência ou grave ameaça à pessoa.
Outra característica marcante desta lei é que não há possibilidade de se realizar a suspensão condicional do processo para a grande maioria dos crimes nela previstos, uma vez que, por terem como pena mínima dois anos ou mais, não estaria satisfeito o requisito objetivo necessário para concessão do benefício:
Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena. (BRASIL, publicada em 27/09/1995).
Todavia, nos casos em que a pena fixada for igual ou inferior a dois anos de reclusão, é perfeitamente possível a suspensão condicional da pena nos seguintes termos:
Art. 77 – A execução da pena privativa de liberdade, não superior a 2 (dois) anos, poderá ser suspensa, por 2 (dois) a 4 (quatro) anos, desde que:
I – O condenado não seja reincidente em crime doloso;
II – A culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício;
III – Não seja indicada ou cabível a substituição prevista no art. 44 deste Código. (BRASIL, publicada em 31/12/1940).
Porém, como podemos inferir da redação do inciso III, a suspensão condicional da pena ou “sursis” é um instituto hoje em flagrante desuso, estando quase que fadado a desaparecer, uma vez que, por motivos processuais, o magistrado sentenciante já opera a substituição da pena privativa de liberdade por restritivas de direitos no momento de prolação da sentença.
Outro detalhe importante aqui mencionar é a previsão expressa da perda de cargo ou função pública para o servidor público que realizar as condutas delituosas previstas nessa lei, consoante entendimento extraído do artigo 16.
Para o particular, caso a discriminação se dê no momento de ingresso, permanência ou modo de tratamento no interior de um estabelecimento comercial, este mesmo artigo (16) prevê a suspensão de seu funcionamento por prazo não superior há três meses.
Não se pode olvidar, porém, que, nos termos do artigo 18, “os efeitos de que tratam os artes. 16 e 17 desta Lei não são automáticos, devendo ser motivadamente declarados na sentença.” (BRASIL, publicada em 06/01/1989).
Todavia, merece ser ressaltado que alguns autores entendem ter havido derrogação tácita do art. 16 pelos artigos 92, inciso I, alíneas a e b, e 47, inciso II, ambos do Código Penal, “uma vez que constituem dispositivos legais posteriores, tratando da mesma matéria de maneira diferente.”. (ANDREUCCI, 2014, p. 140).
Por fim, com relação ao crime tipificado no artigo 20, § 1º, da referida lei (fabricação e produção de símbolos, emblemas e propaganda com referência à cruz suástica ou gamada para divulgação do nazismo), cabe aqui citar que um dos efeitos da sentença penal condenatória irrecorrível é a destruição do material apreendido, de modo que não haja forma de propagação de seu conteúdo.
Enfim através da histórica realizada nesta matéria, foi possível verificar que a política antidiscriminatória é algo relativamente novo em nosso país, haja vista que, desde a época da colonização até a segunda metade do século passado, o preconceito racial era, como ainda é hoje, uma realidade na sociedade brasileira, sem que, todavia, houvesse qualquer interesse por parte do Poder Público em combatê-lo.
Quase quatro séculos de uma sociedade predominantemente escravocrata acabaram por gerar sequelas e nódoas de preconceito e racismo em nossa sociedade até os dias atuais, não se cale denuncie
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
Pesquisadora-Historiadora-Comissão estadual da verdade da escravidão negra – CTSPN/UNEGRO- Diretora encarregada do departamento de instituto de pesquisa Perola Negra
Fonte: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L7437.htm. Acesso em: 19 out. 2016.BRASIL. Lei nº 9.099/95. Dispõe sobre os Juizados Especiais Cíveis e Criminais e dá outras providências. Diário Oficial, Brasília, DF, 27/09/1995. Disponível em:/http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm. Acesso em 20 out. 2016.BRASIL. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Apelação Criminal nº 0014623-70.2014 da Comarca de Araraquara, SP, 13 de outubro de 2016. Disponível em: https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/getArquivo.do?cdAcordao=9891423&cdForo=0&vlCaptcha=pwkak. Acesso em 20 out. 2016.JUNQUEIRA, Gustavo Octaviano Diniz; FULLER, Paulo Henrique Abranda. Legislação penal especial volume 2. 3 ed. São Paulo: Saraiva, 2010.Fonte: Diário Oficial, Brasília, DF, 23/12/1985.
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