Black ou crespo de ‘Resistência’ e moda

Black ou crespo de ‘Resistência’ e moda

Quem se identificava como o objeto de piada, no entanto, não ria.

Começou então, a corrida em busca de cosméticos e intervenções estéticas que afastassem do indivíduo a imagem tão indesejada da ascendência negra.

Assim, se popularizaram os alisamentos e mais tarde as progressivas, que lotaram os salões de crespas e cacheadas desejosas por tornarem-se mais “apresentáveis”.

Negar o cabelo crespo tratava-se de mais do que modismo, era um retrato claro da ânsia dos indivíduos com traços negros por se afastarem o máximo possível da imagem marginal e ridicularizada que o negro ocupava. Dessa forma, era possível tornar-se “um pouco menos preto” ou, como acabou cunhado mais tarde, “embranquecido”.
Nos anos 70, no entanto, finalmente começamos a observar uma movimentação política em busca da defesa da identidade negra, assim como a contestação do racismo institucionalizado na sociedade brasileira. Os frutos dessa luta sangrenta e difícil ainda aparecem aos poucos e resultam nas inúmeras (mas ainda menor do que gostaríamos) conquistas da resistência negra.
Você já deve ter observado que cada vez mais pessoas, especialmente as mulheres, têm assumido seus cabelos naturais. Isso é bastante perceptível nas grandes mídias, espaço onde atrizes negras começam a ganhar protagonismo com suas madeixas crespas e cacheadas, mas é ainda mais representativo e perceptível nas ruas, entre as mulheres reais.
A esse processo de mudança dos cabelos artificialmente lisos para a textura natural dos fios, damos o nome de “transição capilar”. Essa transição pode durar de meses a anos dependendo do objetivo de cada pessoa, e no geral, é um processo doloroso e bonito de aceitação pessoal.
Muita gente supõe que essa onda de cabelos naturais é uma moda passageira, mas não é o que parece. Essa é uma manifestação de uma reflexão que temos feito a respeito do discurso de raças no nosso país, parte de uma história nacional que os livros didáticos não contam e que agora, finalmente, ganham espaço pra discussão.
Essa história começa a ser contada ainda no período da escravidão, quando os brancos escravocratas mantinham uma relação patriarcal e dominadora sobre os negros escravizados. Os estupros de mulheres negras por portugueses eram comuns nas senzalas e geravam crianças mestiças. Na crença dos senhores da casa branca, ajudar as próximas gerações a serem menos negras era uma caridade.
Em meados do século XX, quando recordamos o aumento estratosférico da imigração europeia para o Brasil, justificadas historicamente pela I guerra e por políticas internas resultantes da abolição da escravatura no nosso país (1888), já pairava fortemente na consciência da sociedade brasileira o anseio por uma forma de tornar a população cada vez mais branca.
Se você se recorda bem do que estudou, provavelmente se lembra que os negros recém abolidos eram considerados ética, intelectual e evolutivamente inferiores, justificativa utilizada para a escravização. O que significava, que um país que tivesse a maioria biológica negra não poderia ser bom. Começou então um processo de tentativa de “embranquecimento” da sociedade brasileira a partir do aumento da população branca.
Os resultados dessa política para a nação, você já conhece: nosso povo tornou-se, não cada vez mais branco, como se supunha, mas cada vez mais mestiço. E enquanto outros países colonizados construíram um histórico de tribos raciais bem demarcadas, a população brasileira se misturou em busca de apagar os traços negros evidentes no Brasil.
Como resquícios dessa história nada bonita, identificamos as piadas e comentários infelizes com base nos traços negros no geral: o nariz largo tornou-se defeito, assim como a boca grossa e a pele escura. O cabelo crespo então, um dos principais fenótipos da genética afrodescendente, tornou-se o “cabelo ruim”, uma piada socialmente aceita por muito tempo.
Conheça a história dos cabelos crespos em alguns lugares do mundo
Perucas egípcias
A civilização egípcia, por volta do ano 1500 antes de Cristo, já tinha uma grande atenção com os cabelos, ou melhor, com as perucas. Homens e mulheres com cabelos longos sofriam, muitas vezes, com a infestação de piolhos. Por isso, era comum raspar os fios e usar perucas, feitas com cabelos humanos ou com fibras vegetais e lã. Algumas delas eram trançadas nos mais diferentes estilos ou enfeitadas com adornos e joias. Eles tinham orgulho das perucas e não fingiam que era cabelo de verdade.
Grécia antiga: cacheados e longos
Na Grécia antiga, homens e mulheres usavam cabelos bem compridos. A maioria, tinha cabelo cacheado ou ondulado. Quanto maior os cabelos, mais bonitos eram considerados seus donos. Era símbolo de força e temeridade para os homens. Os cabelos curtos eram usados apenas por escravos. A civilização grega foi dominante de 1.100 a.C até 150 a.C, quando “passou o bastão” para Roma.
Roma antiga
Os cabelos das mulheres ficavam presos e escondidos sob lenços e toucas. Apenas os maridos podiam ver os cabelos de suas esposas soltos. Em geral, os fios eram compridos e enrolados.
Monarquias europeias
Pulando alguns anos de história, lembramos os cabelos dos grandes monarcas europeus. As perucas também eram muito usadas. Quanto mais volumosos, enrolados e cheios os cabelos, melhor. Até os homens entravam na onda. Basta olhar as pinturas que retratam reis e rainhas, principalmente ingleses e franceses, para comprovar.
Modernidade e o século
Em 1910, veio a moda dos cabelos curtinhos e com ondas bem marcadas. O corte ficou conhecido como castle bob, por conta da dançarina Irene Castle, uma das primeiras a fazer isso.
Décadas 1920 e 1930
A belle époque, expoente na França, continuou com os fios curtos e ondas bem marcadas. Os acessórios de cabelo também faziam sucesso. Penas e faixas marcavam o visual das mulheres, principalmente em ocasiões especiais.

Nos anos 1930, o alisamento ganhou força nos Estados Unidos. Garrett Morgan, um afro-americano extremamente inteligente, inventou vários sistemas de máquina utilizados na indústria, na época. Depois, inventou um creme que alisava os cabelos para enganar seus clientes racistas.

De 1940 a 1950
As ondas voltaram a ganhar força e as mulheres começaram a enrolar os cabelos. Cabelos crespos eram usados em coques volumosos e cheios de formas.

Década de 1960
Os cabelos crespos eram alisados e usados em coques, com a franja de lado.

Década de 1970
Foi um dos períodos mais marcantes para a história dos cabelos crespos. Foi quando o movimento black power ganhou força. Nessa época, vários artistas negros se destacaram na cena musical e cinematográfica e começaram a usar o cabelo afro. O black power era um movimento cultural e de libertação.

Nos anos 1980
Os cabelos enrolados fizeram sucesso. Tanto que os permanentes viraram febre. Bobes e bigudinhos eram os acessórios mais usados para dar cachos aos mais variados tipos de mulher nos salões de beleza.

Década de 1990
Apesar de já existir faz tempo, o movimento rastafári ganhou força na década de 1990. Todo mundo começou a usar os cabelos trançados. Homens e mulheres entraram na onda.

De 2000 em diante
A liberdade de escolha e o livre estilo começaram a ganhar corpo. Nos dias atuais muitas tendências se misturam. O estilo black power voltou, os cabelos são usados trançados, coloridos, soltos, presos, há quem opte pelos alisamentos… A regra é não ter regra!

Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
Pesquisadora-Historiadora-Comissão estadual da verdade da escravidão negra – CTSPN/UNEGRO/Coordenadora do grupo de pesquisa do Instituto Perola Negra

fonte: INOCÊNCIO, Nelson Olokofá. Corpo negro na cultura visual brasileira. Educação Africanidades Brasil. v.1, Brasília: CEAD, 2006. Disponível em: < http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S1413/ CUNHA, Olívia M. dos Santos G. Corações rastafári: lazer, política e religião em Salvador. Dissertação (Mestrado). Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1991/ Nilma Lino. Trajetórias Escolares, Corpo Negro e Cabelo Crespo: Reprodução de Estereótipos ou Ressignificação Cultural? Revista Brasileira de Educação. n°21. Set/Out/Nov/Dez 2002. Disponível em: . Acesso em: 18 Set. 2012




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Claudia vitalino

UNEGRO-União de Negras e Negros Pela Igualdade -Pesquisadora-historiadora CEVENB RJ- Comissão estadual da Verdade da Escravidão Negra do Estado do Rio de Janeiro Comissão Estadual Pequena Africa. Email: claudiamzvittalino@hotmail.com / vitalinoclaudia59@gmail.com

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