A EXPERIÊNCIA JÓ

A EXPERIÊNCIA JÓ

dedicado a todas as pessoas que neste exato momento se encontram afundadas na experiência religiosa do não sentido.

JÁ perdi a conta do número de vezes que li o livro de Jó. Todas as vezes, invariavelmente, me comovi com as palavras vivas que brotaram de seu coração quebrantado.

Jó, antes da provação, é um burocrata da fé.

Sobretudo, um homem preocupado se acaso seus filhos ofendiam a Deus. Eles promoviam frequentes festas com o dinheiro dele, descrito como homem muito rico.

A rigorosa observância da lei religiosa decerto, parece uma atitude virtuosa visto de fora.

E Jó era aclamado por sua impressionante bondade e fidelidade aos protocolos judaicos. Sua fama atravessou as fronteiras de sua cidade espalhando-se por todo oriente.

Entretanto, havia alguma coisa escondida por trás daquele corpo semi curvado que mimetizava humildade e compaixão?

Havia analogamente, alguma arrogância e vaidade em seus gestos generosos que socorriam os necessitados em seus infortúnios?

Jó escondia alguma coisa de Deus?

E foi assim que Deus decidiu se aproximar pessoalmente de seu servo. Conhecê-lo melhor. Checar se seu amor era de verdade.

Deus quis uma relação pessoal com ele. Sem mediações.

O que aconteceria se Deus não quisesse mais as oferendas dos rituais engessados de sua tradição e propusesse um diálogo franco e aberto?

Como Jó se sairia privado dos incensos que queimava para agradar o Todo Poderoso?

E se perdesse todo seu dinheiro?

E se perdesse seus filhos e filhas?

E se perdesse a própria saúde?

Como Jó se sairia diante dessas terríveis tragédias?

Com efeito, Deus estava em dúvida em relação aos verdadeiros sentimentos de Jó para com ele.

Um ser humano afundado em crise existencial não encontra outro caminho a não ser decerto, confessar a sua verdade.

Porque nossas mentiras podem encobrir o que tememos, mas ao fazermos isso, elas nos adoecem.

Elas roubam a nossa felicidade autêntica e nos projetam num palco ilusório cansativo de ser sustentado.

Ninguém pode deixar de ser o que é. As mentiras são vulneráveis ao tempo. Em algum momento a verdade chega.

Não estou me referindo a mentira que todos nós mentimos. Mentiras veniais, tanto corriqueiras, quanto banais.

Chamo a atenção das mentiras que violentam o ser que se é verdadeiramente.

Mentiras que nos jogam para longe de nós mesmos a ponto de observarmos uma terrível inversão existencial ao contemplar o indivíduo que tomou como verdade a sua própria mentira.

A mentira lhe equilibra e a verdade lhe pôe em crise. Haveria mentira em Jó, acreditando ele ser portador da verdade?

A dor força o homem de Hus a deixar de lado tudo que aprendeu como sendo útil para curar-se.

As receitas foram rasgadas. São inúteis. Os bons conselhos não podem ajudar um homem que foi “cercado pelos terrores de Deus por todos os lados”.

Ele não tem saída. Terá que aceitar o encontro.

Em clínica psicoterápica observamos como a dor profunda arranca de nossas entranhas.

As palavras autênticas que por serem a verdade do ser, reequilibram o indivíduo, devolvendo-lhe a felicidade olvidada.

Quando nada mais restou como apoio e socorro e o indivíduo se encontra completamente só, então o temor do abandono e da solidão perde seu caráter sombrio e avassalador.

Descobrimos que há paz no interior do absurdo e estranha tranquilidade no desespero aceito. Há um Ser que não se abala e permanece centrado no mais perfeito equilíbrio.

Jó perdeu tudo. Mas qual o foi o tudo que Jó perdeu?

O dinheiro? A fama de homem íntegro e reto? O reconhecimento público de sua generosidade?

Quanto em dinheiro devemos acumular para ter paz e ficarmos tranquilos, acreditando que imprevistos não nos atropelarão?

E Quanto em virtudes devemos cultivar para sermos aceitos na corte dos justos?

Jó não tinha a menor ideia do Deus verdadeiro apenas tinha ouvido falar Dele ao longo de sua instrução religiosa.

O Deus de Jó era o Deus das histórias sagradas dos livros sagrados.

Entretanto, o vento virou e a sombra do Altíssimos obrigou aquele homem franzino a esquecer as sílabas da tradição para abrir um diálogo novo e totalmente marcado pelo relacionamento pessoal com Deus.

Depois desse encontro Jó nunca mais foi o mesmo. Nem Deus.

Um pouco do capítulo 29.




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José Raimundo Gomes

J. R.GOMES é psicólogo clínico no Rio de Janeiro. Tem consultório na Tijuca e na Barra. Contato: jrgomespsi@yahoo.com.br / WhatsApp: 21.98753.0356

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