O Conto do Mestre dos Fantasmas

O Conto do Mestre dos Fantasmas
Monge Kōmyō, fevereiro 2017

O monge zen Seiko era muito diligente, e apesar de noviço possuía grande discernimento.

Após alguns anos de estudos e prática zazen em um tranquilo monastério acomodado belamente ao sopé de uma montanha, ele decidiu estudar com um grande mestre zen que residia muitas milhas ao sul de sua região.

O mestre, de nome Mushin, era imensamente respeitado pelos seus alunos.

Poucos dias depois de chegar ao templo, descobriu que o mestre era afetuosamente chamado de “Yūrei no masutā (幽霊のマスター, mestre dos fantasmas ou mestre-fantasma)” por seus alunos.

Intrigado, Seiko questionou o monge principal, “Irmão monge, poderias me dizer por que nosso mestre é chamado de “mestre dos fantasmas”? Eu realmente estou intrigado!”.

O monge respondeu, “Oh, Mushin Sensei vê fantasmas todo o tempo!

Os reconhece facilmente em todos os lugares, e possui este dom desde que atingiu o Esclarecimento. É surpreendente!”

Seiko-san ficou admirando (e secretamente um tanto assustado) com a revelação.

Contudo, Mushin Oshō era profundamente respeitado pelo seu professor anterior, e sua sabedoria era reconhecida por todos.

O jovem monge resolveu então superar suas resistências e solicitar uma entrevista com o Sensei.

O mestre recebeu o noviço gentilmente, e para sua surpresa convidou-o para o chá.

“Esta certamente não será uma entrevista formal…”, pensou o monge Seiko.

O mestre questionou o noviço sobre suas aprendizagens, e perguntou sobre a saúde do antigo professor do jovem.

Quando Seiko julgou ser o momento respeitosamente apropriado, resolveu fazer a ansiosa pergunta, “Sensei, ouvi falar que és capaz de ver fantasmas.

Por favor, podes me explicar?”

Mushin apresentou um largo sorriso e disse, “Sim, é certo que vejo aparições todo o tempo.

Diáfanas, pueris, algumas são tão assustadoras que sinto forte compaixão de vê-las assim, perdidas e incompletas.”

Seiko retrucou, “Sensei, estou pasmo! Como é possível!?”, e o mestre disse, “Mas, meu querido aluno, de modo algum ver fantasmas é difícil!

São mais evidentes do que podes imaginar.” O jovem questionou, “E como fazes para vê-los?”

O mestre disse, “Ah, mas eu posso mostra-los para ti.

Desejas saber tal verdade por ti mesmo? Advirto que a experiência é muito intensa, e nem todos conseguem suporta-la.”

Seiko, por um momento, não soube o que dizer.

A perspectiva de testemunhar tais aparições o deixava apavorado. Um arrepio subiu em sua espinha.

Mas tomou coragem, respirou fundo e concordou, “Sim, por favor. Onde estão?”

Mestre Mushin então apontou para alguns aldeões que caminhavam em seus afazeres na estrada fora do monastério, que a esta hora do dia estava com os seus portais abertos.

Em voz melancólica Mushin disse, “Veja, lá estão eles.”

Depois apontou para alguns monges em seus afazeres diários dentro do monastério, “Eis mais alguns, estes são menos perdidos, mas ainda permanecem na penumbra.”

Olhou suavemente para o jovem e disse, “Há um fantasma aqui mesmo, falando comigo.” Seiko permaneceu calado, incapaz de acreditar.

O mestre continuou, “Dedico minha vida a procurar por pessoas reais.

Mas o que encontro são fantasmas vagueando como sombras, desvairados em sua cegueira individualista.

São tristes visões, ainda mais pungentes porque sei que já fui um destes fumos assombrados.

Caminham pela vida cegos, surdos e mudos. Incapazes de ver, ouvir e expressar as verdades universais.

Alimentam-se de cobiça, ódio e delusões. Vivem embriagados com sua visão do mundo, sem saber que tudo isso não passa de uma egoísta versão distorcida das realidades.”

Mushin pegou sua xícara de chá e sorveu um pouco do líquido quente e agradável. Olhou para os aldeões em sua faina cotidiana e continuou:

“Eu caminho entre estes seres, falo com eles, ensino o Correto Caminho, mas pouquíssimos sequer percebem minha existência. Muitos me veem como um deles, um espectro que expressa uma língua inaudita. Afastam-se de mim, não creem em minha sinceridade. Sim, busco pelas pessoas sólidas, estabelecidas em paz e sabedoria. Encontrei poucas em minha vida, mas graças a elas aprendi a reconhecer minha realidade. Tornei-me visível para o Olho do Dharma, e abandonei a cegueira do autoengano.”

O velho professor tocou de leve o braço do noviço, que ainda tremia diante de palavras tão definitivas.

Aproximou-se do jovem e sussurrou, quase inaudível, “Agora sabes reconhecer tais quimeras. Agora tu sabes que não passas de um sopro. Este é o primeiro passo. Vai, assuma teus afazeres. Continua tua prática. Em breve, ao nascer do sol ou ao fim de um dia qualquer, irás saber-te sólido e livre. E neste dia irás despertar do torpor sombrio da ignorância. Vai!”

O noviço despediu-se, uma lágrima escorria em seu rosto. Fez três profundas reverências e partiu. Caminhando agora sozinho entre belas flores e ao som de uma suave fonte de bambu,o monge Seiko simplesmente sussurrou para si mesmo:

“Yūrei no masutā…”




Outros artigos interessantes deste mesmo autor:

Deixe seu like e siga nossa Rede Social:
0

Monge Komio

Mestre em Ciência das Artes, Artista Plástico, Escritor, Monge Zen Budista (Templo Daissen-ji / SC). https://www.facebook.com/zenniteroi/

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *