Stigmata, um filme religioso ou psicológico? I

Stigmata, um filme religioso ou psicológico? I

Paulo C. de Souza

Introdução

O filme Stigmata, no meu entendimento, pode ser abordado por duas linhas mestras paralelas: uma religiosa e outra psicológica.

A primeira me parece ser a ideia do diretor, a outra será uma interpretação pessoal baseada na psicologia analítica de C. G. Jung.

O filme parte de um fato verídico: ele se baseia na descoberta do ‘Evangelho de Tomé’, e, assim, cria uma história de ficção em cima dele.

Como um segundo tópico religioso encontramos no filme tanto os estigmas de Cristo, quanto os estigmatizados.

Talvez para o diretor esse seja o ponto principal, pois coloca o título do filme de “Stigmata”.

Seguindo no filme a linha religiosa, ele apresenta, dessa maneira, alguns assuntos secundários:

As dúvidas e incertezas do padre Andrew Kiernan entre ciência e religião;

Os métodos pouco ortodoxos da Igreja Católica Apostólica Romana em manter seu status;

Os conflitos de Frankie Paige que levava uma vida mundana sem se preocupar com o religioso;

E o tema da possessão de um ser humano por uma alma desencarnada.

É claro que não vou considerar nenhum aspecto técnico do filme, nem algumas incorreções históricas e geográficas.

O filme comete alguns erros:

Língua aramaica no lugar da copta, Mar Morto no lugar de Egito, bem como frases que não estão no “Evangelho segundo Tomé, o Dídimo” e algumas datas.

Vejo a análise de filmes como se fosse a de um sonho, ou seja, o sonho está centrado no indivíduo e serve para o indivíduo.

O diretor faz o filme para si, assim como um músico faz a música para ele mesmo, é o seu momento.

É claro que depois de pronta, a obra de arte tocará outras pessoas que projetam seus conteúdos psicológicos nessa obra.

Mas podemos ver o filme como um ‘conto de fadas’, isto é, uma história que pertence ao coletivo e foi ‘colhida’ pelo autor no ‘inconsciente coletivo’.

É claro que vamos colocar conteúdos individuais por cima dos conteúdos pessoais do diretor, por isso uma análise nunca é isenta de ‘projeções’.

O importante no final é que conteúdos psicológicos de diversas pessoas podem ser atingidos e a obra artística, desse modo, passa a interessar a coletividade.

Vou repassar o filme focando no aspecto religioso sugerido pelo diretor, com inserções das imagens simbólicas mais fortes e, também, colocando uma interpretação junguiana para os acontecimentos.

Por isso escolhi fazer a interpretação de cena-em-cena a fim de não perdermos de vista a trama da história.

Cena 1

O filme começa com o sol nascendo.

Em seguida aparece um lago de águas mansas e surge uma igreja simples.

A igreja está situada na cidade de Belo Quinto (cidade fictícia), sudeste do Brasil.

Numa simples passagem de câmera o filme apresenta:

o sol que pode ser visto como uma divindade centralizadora, para o qual Jung deu o nome de Self;

a água que é um símbolo tradicional do inconsciente, dividido por Jung em ‘individual’ e ‘coletivo’;

e a igreja como o religioso em cada um de nós, independente da fé que professemos.

Logo após aparece o padre Paolo Almeida traduzindo um texto antigo, onde um trecho chega até nós:

“Jesus disse que: o Reino de Deus está em nós… e não em templos de madeira e pedra”.

Enrola o rosário na mão e coloca na testa.

Apesar da frase não constar no ‘Evangelho de Tomé’ ela mostra a linha que o filme tomará, a da religiosidade
não ter necessidade de ser manifestada apenas nas igrejas, nos templos, nos santuários.

Bate o sino, um cego porta uma cruz com o Cristo e doentes caminham em procissão.

O sino funciona como um chamamento religioso que depois vai ser bem evidenciado na protagonista Frankie.

O cego me lembra a figura lendária de Tirésias, da mitologia grega.

Ele tinha o poder oracular de ver o futuro e a cegueira física vem nos mostrar a necessidade de olharmos menos para o mundo externo e mais para o nosso interior.

E isso é complementado pela grande quantidade de pessoas doentes em busca de Deus.

Surge a figura do padre Andrew Kiernan caminhando entre a multidão em forma de procissão.

A direita vemos um carro da polícia que pode ser interpretado como a repressão da religião no povo, ou o povo escapando da repressão pela religião.

O padre Kiernan entra na igreja e vê o padre Almeida morto.

Ele observa a imagem de Nossa Senhora que chora sangue.

O padre Almeida está no caixão segurando a foto de 3 padres (ele com mais dois, ainda nossos desconhecidos).

A água pinga e a cena reverte, como se o tempo andasse para trás, talvez numa tentativa de mostrar o inconsciente e a sua atemporalidade.

As próximas tomadas mostram muitas velas, vento, pombas e penas voando.

A chama da vela apaga e depois acende.

O padre Kiernan observa e fotografa.

A pomba pode ser vista como um símbolo da alma.

O que será confirmado no decorrer do filme, em algumas partes a pomba é a própria alma do padre Almeida.

O vento é uma representação do sopro divino criador.

Juntamente com o fogo da vela, nos dá a idéia que algo será perpetuado no caso a alma do padre, como uma necessidade de revelar a palavra de Deus.

Um jovem rouba o rosário do cadáver do padre Almeida e vende a uma mulher por cinco dólares.

Mais tarde vamos concluir que a senhora é mãe da personagem Frankie Paige que o envia para a filha na cidade de Pittsburgh.

Já encontramos o cinco duas vezes, no valor do rosário e no nome da cidade.

Voltaremos a ele mais tarde.

A cena fecha com a imagem de sangue em cima do caixão sugerindo que o sangue permeará todo o filme.

Só nesta primeira cena nos é apresentado uma grande quantidade de simbolismo e também a base da narrativa que irá se desenrolar.



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