A imprensa negra através do jornal A Voz da Raça

A imprensa negra através do jornal A Voz da Raça

A voz da Raça”, meio de comunicação jornalístico que revolucionou o início do século XX; uma voz da população negra excluída da sociedade pós-abolição.

Criado em 1933 pelo membro da Frente Negra Brasileira (FNB), Fernando Costa, o jornal se tornou um documento oficial do grupo.

Militância Política.

Ele expandia a militância política da luta pelos direitos da população negra na época. “Em São Paulo, há uma infinidade de negros desempregados.

Os lugares são ocupados por estrangeiros. Há patrões e chefes de obras que não contratam operários Brasileiros, sobretudo negros”(A VOZ DA RAÇA, n.44,1934, p.2).

Por isso, A Voz da Raça foi uma publicação inovadora para o século XX. Ela contava com sistema de assinaturas, impressão em grande escala e distribuição feita para outros estados brasileiros.

Seu formato era composto por quatro páginas preenchidas tanto por artigos, notícias, quanto notas e chamadas. Essas eram intituladas pela frase de Isaltino Veigas dos Santos “O preconceito de cor no Brasil, só nós os negros, podemos sentir”.

Finalidade do jornal Negro

Além da finalidade informativa, o periódico tinha como objetivo dar voz à população negra.

Decerto, o combate ao racismo, preconceito de cor e a marginalização da população negra eram denunciados em suas páginas. A discussão sobre etnicidade portanto, também tinha seu espaço no jornal.

Os temas abordavam tanto arte, quanto cultura, poesia e colunas escritas por mulheres negras.

A religiosidade afro-brasileira, assim como samba, capoeira e outros eram abordados como elementos culturais presentes na sociedade que não eram devidamente respeitados.

Entretanto, a divulgação de notícias esportista era outra pauta, dando destaque a atletas negros, como Josse Owens.

Fruto de esforços individuais e/ou coletivos

Esses jornais substanciaram a incursão do negro no universo da cultura letrada, desde longa data hermética aos ocupantes das franjas da tessitura social.

Certamente, a historiografia tem apontado para a existência desses jornais desde fins do século XIX, principalmente no centro-sul do país, tendo São Paulo enquanto seu palco privilegiado.

Nesse sentido, a tabela abaixo é bastante significativa. Sobretudo, permite que se afira, de certo modo, a presença da palavra impressa no meio negro da cidade de São Paulo através de seus periódicos.

Para além da raça

Todavia, não circunscrita à comunidade negra. Outrossim, a fundação e circulação de jornais, revistas e folhetins. Em suma, de uma cultura letrada solidificou-se na cidade em perene transformação .

Assim, durante o oitocentos a fundação da Academia de Direito do Largo de São Francisco em 1828, fora um marco fundante do universo letrado na cidade, articulando-se ao circuito de casas livreiras, sociedades literárias e bibliotecas.

Contudo, o avançar do século XX, com o processo de popularização dos códigos da escrita e leitura no cotidiano dos grupos sociais externos às elites, alargara esses circuitos, à medida que o jornal se estabelecia.

Também se contraporia a paradigmas nos quais o negro figurava enquanto assessório coadjuvante no processo de formação da Nação.

Portanto, tal estratégia não se escoimara de polemizar com outras narrativas, em ríspidos textos aventados com destaque no “layout” interno do periódico,

Caráter diletante e artesanal.

A esse respeito o conjunto de jornais redigidos por e para os negros, para além dos discursos de letrados das camadas sociais dominantes, cunhara projetos e percepções de uma intelectualidade outra, alijada dos círculos culturais hegemônicos e dos assédios do poder estatal. Porém, organicamente atrelada a contingentes sociais, eram preteridos e desqualificados na arena social.

Assim, seu caráter diletante e artesanal acarretara aos jornais negros uma periodicidade predominantemente inconstante. De fato, a tiragem era modesta e, na maioria das vezes, de efêmera existência.

Limitações Financeiras e Materiais

Isso se deve sobremaneira às limitações financeiras e materiais para tal empresa, acarretadas, sobretudo, pela instabilidade e preterição do contingente negro no mercado de trabalho frente ao enorme influxo de mão-de-obra imigrante, aos seus baixos vencimentos.

Além disso, às dificuldades técnicas, uma vez que os responsáveis pela construção do jornal eram concomitantemente, muitas vezes, seus escritores, editores, operadores de impressão e principais financiadores, haja vista que as receitas obtidas com sua vendagem, principalmente em bailes, e a crescente veiculação publicitária em suas folhas, eram insuficientes para arcar totalmente com seus custos.

Todavia, a historiografia aponta o jornal A Voz da Raça como dos mais importantes e significativos no meio negro. Isso se deve à sua longevidade, quanto estrutura, organização e prestígio político-social.

Fundado em 1933, circulara até 1937, totalizando 70 edições.

Apoios e Verbas

Porta voz da Frente Negra Brasileira (1931-1937), principal agremiação do meio negro na primeira metade do século XX no país, o jornal desfrutara de um grau de organização e solidez ausente entre seus congêneres contemporâneos.

Teve recebimento de verba da FNB, assim como contrato com as ‘Graphicas Mariano’ para sua impressão. Em resumo, prestígio além das plagas paulistas, dentro e fora da comunidade negra.

Palco privilegiado de fluxo, trocas, experiências e afluências de projetos e idéias, o jornal fora um espaço privilegiado de sociabilidade, gestação e desenvolvimento das lides espirituais objetivadas no texto impresso, a circular e transpor limites sociais e geográficos.

Camadas Sociais

Desta forma, mais do que simples manifestação discursiva de uma minoria racial, tal empresa pretendia dialogar com manifestações políticas e culturais de camadas sociais outras, agentes definidores dos esteios da nacionalidade e dos valores a serem objetivados, nos quais as heranças de origem afro eram preteridas e extirpadas no concerto da retórica nacional cunhada pelas elites dirigentes.

Nesse sentido, A Voz da Raça ao longo de sua existência se esforçara em divulgar e arregimentar a coletividade negra em prol de um projeto de inclusão que perpassara questões como a valorização étnica, e de um nacionalismo pautado na valoração de uma história e memória sob a ótica do protagonismo negro

O Fim

Após 45 anos da abolição, a população negra ainda se encontrava escravizada pelo preconceito e racismo e não estava inserida de forma digna na sociedade. Desta forma, a criação de veículos de informações voltadas a esse grupo étnico resultou no fortalecimento de vários movimentos sociais e políticos de combate ao preconceito racial.

Assim, a imprensa negra passou a ter relevância na construção do pensamento político, apesar do índice de analfabetismo ainda estar concentrado entre a população afro-brasileira, no inicio do século XX.

Entretanto, com o golpe instaurado em 1937, na gestão de Getúlio Vargas, todos os partidos políticos, incluindo a FNB, foram extintos.

Os veículos de comunicação, A Voz da Raça e outros, sofreram censura e logo foram extintos também.

Ao todo, A Voz da Raça teve 70 edições publicadas.

No no início do lançamento eram distribuídos semanalmente, e ao passo que no ano de sua extinção, passou a ser distribuído mensalmente.

Um afro abraço.

Claudia Vitalino.

Pesquisadora-Historiadora – ativista do movimento negro

Fonte: Cf.: Ferrara, Miriam N. A imprensa negra paulistana: 1915 – 1963. São Paulo: FFLCH/USP, 1986, pp. 235-277;

Domingues, Petronio. A Nova Abolição. São Paulo: Selo Negro Edições, 2008, pp. 19-58. 3

CRUZ, H. F. São Paulo em papel e tinta. Periodismo e vida urbana – 1890 – 1915. São Paulo: Educ/Fapesp, 2000, p.33. 4

Cruz, Heloisa de F. São Paulo em revista: Catalogo de publicações da imprensa cultural e de variedade paulistana (1870-1930). São Paulo: Arquivo do Estado, 1997.1997, p.23 5 Cf.:

Ferreira, Antonio C. A epopéia bandeirante: letrados, instituições, invenção histórica (1870 – 1940). São Paulo: Unesp, 2002. 6 Cf.:

Schwarcz, Lilia M. O espetáculo das raças; cientistas, instituições e questão racial no Brasil,1870- 1930.São Paulo: Cia. das Letras,1993.



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Claudia vitalino

UNEGRO-União de Negras e Negros Pela Igualdade -Pesquisadora-historiadora CEVENB RJ- Comissão estadual da Verdade da Escravidão Negra do Estado do Rio de Janeiro Comissão Estadual Pequena Africa. Email: claudiamzvittalino@hotmail.com / vitalinoclaudia59@gmail.com

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