Entre a velocidade e o interdito.

Entre a velocidade e o interdito.

Sempre que vou ao salão, retocar a raiz do cabelo, ouço por duas horas mulheres falando sem parar. Principalmente as profissionais de beleza; duas delas cariocas, uma mineira e a última baiana. Eu: nortista, de Belém do Pará, só escuto. Em uma dessas passagens pelo salão ouvi algo “a gente conhece se a pessoa é trabalhadora, quando fala rápido”. Essa frase lembrou-me da minha terra, onde nada é rápido,porque se depende do tempo, do clima, da maré.
Lá chove todos os dias, então não existe atraso, mas se entende a demora por causa da chuva. Lá é difícil determinar a hora que o barco sai, porque depende da maré. Maré cheia: barco sai, caso contrário, precisa esperar. Lá não se consegue tomar um bom açaí no inverno, porque o tempo dele (a safra) é no verão.

Falando nisso só temos duas estações: verão e inverno, porque cada uma demora seis meses, chove tanto no verão, quanto no inverno.

Lá a maior festa é o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Que dura exatos 15 longos dias, entre festejos religiosos e profanos. Então chego a brilhante conclusão que nunca serei trabalhadora , nessa perspectiva daqui. Porque sou de lá, com todas suas nuances vagarosas.
O que é mais incrível, até espantoso, é saber que mesmo quem não é daqui, acaba por usar essa máscara da rapidez. Aquela que crê que sendo rápido, tudo se resolve, ou seja, a velocidade define o que é melhor, então aqui é melhor que lá.

Não creio em dois brasis, que se entrelaçam, mas não se aceitam, estão de costas um para o outro, não tem como se dar as mãos.

Acredito serem parte um do outro, o que o torna um país bipolar. Que ora defende a Amazônia, ora incentiva seu ataque. Nesse âmbito da cultura, fico aqui e lá, como Gonçalves Dias, moro aqui, mas tenho saudades de lá. Porque lá posso falar devagar, lá aprendi a respeitar e acatar o interdito, se não posso tomar banho de igarapé às 18h, espero o horário prudente. Se a maré estiver baixa, espero o barco chegar às três. Lá posso tomar meu açaí sem misturar sementes, lá posso tomar tacacá num sol abrasador.

Quanta diferença daqui, que a velocidade lhe define, sem nem lhe conhecer.

A velocidade lhe transmite uma falsa ideia de que você é importante, daí não pode “perder tempo” (balela).
O ócio criativo é defendido por essa mesma cultura que não entende a Amazônia, mas vez ou outra se volta para ela.Se olharem com calma os vídeos ou imagens dos ribeirinhos, dá para ver o balanço da rede dos moradores. Isso não é preguiça, é uma cultura diferente daqui. Voltada para a natureza, a qual precisa de interditos, de pausas para respirar, assim volta a se produzir, melhor dizendo, reproduzir-se.
Dessa forma se puderem olhar o Norte e respeitar suas peculiaridades, lá tem muito a contribuir com aqui. Como um casal que se reconhece diferente, mas quer permanecer unido.




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Grace Brett

Sou a Grace Brett, apaixonada pela Amazônia. É minha terra, minha gente, lá estudei. Minha formação é Letras, especialista em Língua Portuguesa e Crítica Literária, também em Estudos Culturais da Amazônia. Trabalhei 22 anos como professora, gosto de pessoas, amo escrever e ler. Atualmente moro no RJ, onde estudo Astrologia e Tarot, já atendo, sempre ensinando, sempre aprendendo. página Magia dos Astros no Facebook e Instagram Whatsapp 21 983665227 email gracesampa@hotmail.com

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