Mulher, um ser que deixa frutos
Mulher, um ser que deixa frutos
Sempre gostei de ser mulher. Sempre me vi mulher. Sempre estive consciente de todos os desafios que era preciso enfrentar, mas esses não me desanimavam, estimulavam.
Hoje vou falar de mulheres comuns, iguais à mim mesma, à cada uma de nós.
Guerreiras do cotidiano e da sobrevivência numa sociedade eminentemente patriarcal.
Pensei nas minhas filhas, na minha mãe que hoje faz 90 anos, nos desafios que todas enfrentamos, mas fui além.
Meus pensamentos caminhando ora para frente, ora para trás, me trouxeram a consciência de coisas que estavam adormecidas: as heranças que recebemos das nossas ancestrais. Mulheres como nós.
Minha filha mais velha, advogada trabalhista que sempre esteve empregada, com boa posição e que sozinha cria seu filho, mesmo com um excelente curriculum, de uma hora para outra se viu desempregada após essa deforma trabalhista que vem arrasando o país, não se acomodou.
Um mês após, já havia tirado o salto alto, colocado um avental e enfrentado a cozinha para fazer outra coisa que faz bem e gosta de fazer: cozinhar.
Começou fazendo ceias para o Natal, e encantando com seu tempero.
Afinal, cozinhar implica nisso, colocar um bom tempero.
Não apenas alho, cebola, especiarias, mas temperos de outra espécie e que brotam da própria alma. Dentre eles, o prazer de nutrir, suas próprias emoções e seu amor.
Me recordo de um filme que muito me tocou e que se chama Como água para Chocolate. Ele ilustra bem no que consiste esse caldeirão que nós mulheres sabemos podemos manusear tão bem.
Com pouco mais de um mês de instagram https://www.instagram.com/temperos_da_ana/ , ontem já haviam 300 seguidores. Além de um universo de clientes fiéis.
Com o mesmo orgulho que vestia suas roupas de enfrentar os fóruns da vida, empunha seu avental, seu caldeirão e sua colher de pau.
Somos bruxas desde o berço. Algumas descobrem isso cedo, outras mais tarde, outras jamais, mas somos
Minha filha mais nova também com galhardia e coragem vem enfrentando com determinação e alegria temporais de ordem diversa. Duas mulheres fortes. Tenho orgulho de ambas. Sempre se superando, sempre crescendo como mulheres e cidadãs.
Me recordei de mim mesma lá atrás, na luta para criá-las bem, com dignidade. Também enfrentei meu caldeirão de bruxa e administrei o restaurante de um apart-hotel aonde tenho uma unidade. Era da cozinha para o salão e do salão para os meus livros.
E assim, elas foram cada vez mais se aproximando do caldeirão e hoje cozinham melhor do que eu.
Mas dei mais alguns passos para trás e pensei em minha mãe. A cozinha nunca foi seu forte, não sabe cozinhar, mas se superou.
Tendo vivido sempre uma vida de conforto e sem preocupações financeiras, ficou viúva com 38 anos e duas filhas adolescentes.
Apesar de suas dificuldades motoras e suas dores lancinantes pelos sérios problemas de ossos que tem desde menina, não queria ver o padrão de vida das filhas cair. Foi à luta. Fez vestibular, passou em primeiro lugar para Pedagogia, seguiu fazendo outra faculdade: Direito. Enfrentou viagens de ônibus para economizar, mas fez sua pós graduação na USP. Deu aula em universidade. Cresceu.
Nos ofereceu uma excelente instrução nas melhores universidades, além dos cursos de idiomas que desejássemos fazer. Enfrentou suas dores do corpo, mas não se entregou às dores da alma que não eram poucas. Amava demais nosso pai.
Mais uma vez, fui retrocedendo e cheguei na minha avó. Sua força e coragem em enfrentar a vida e que transmitia para nós.
Também ficou viúva muito cedo, mas ajudou a criar as netas, administrou a casa e a vida do pai até o final, com desvelo e dedicação.
Vovó não reclamava da vida, ela impulsionava a todos para a vida. Fôssemos suas descendentes ou não, era extremamente generosa. Crítica como boa virginiana que era, com isso nos aprimorava.
Ainda hoje sinto saudades de suas críticas, seus carinhos e aconchegos.
Não conheci minha bisavó. Morreu pouco antes do meu nascimento, mas sempre foi uma figura viva através de suas netas. Primas-irmãs de minha mãe, e de minha mãe.
Vivia numa cadeira de rodas acometida por doença irreversível e suas mãos nem abriam completamente.
Mesmo com suas deficiências, deixou seu legado para as netas, e de sobra, para as descendentes.
Uma das primas de minha mãe, já falecida, costumava dizer: vovó nos ensinou tudo, só não nos alertou sobre como era difícil envelhecer rs…
Mas ela ensinou tudo, e sabiamente, deixou que elas mesmas se preparassem para suas velhices. Se construíssem antes da velhice chegar.
Não existe dia da Mulher, ele é todo dia
Nas favelas, nas ruas, na cozinha, na Presidência do País, ao desabrigo nas calçadas, nos altos cargos das empresas, na faxina diária dessas mesmas empresas, lá estão elas. Guerreiras, lutando pela dignidade de criar seus filhos e não desampará-los. Empunhando uma vassoura como arma, uma arma como vassoura para limpar o que de podre estiver destruindo a vida, lá estão elas. Na frente de todas as batalhas cotidianas.
Discriminadas, maltratadas, vítimas de feminicídio, desrespeitadas, sendo chamadas de putas, vadias, muitas vezes pisoteadas em sua auto-estima por seus companheiros. Lá estão elas, prontas para enfrentar o mundo.
Não teria fim em citar exemplo dessas bruxas guerreiras do cotidiano. Homenageio por serem o que são, as minhas amigas de décadas e também as grandes e recentes aquisições que fiz na vida. Não são poucas as cheias de qualidades. Verdadeiras alquimistas dos tempos modernos.
O importante é nos recordarmos sempre que a sororidade tem que ser nosso grito de guerra, porque de fato, só uma mulher pode entender o que é a vida de outra mulher.
Beijos para todas e que sigamos de mãos dadas.
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