Epidemia, realidade e fantasia
Epidemia, realidade e fantasia
A realidade imita a Arte ou a Arte imita a realidade? É difícil encontrar uma resposta satisfatória.
Quando Monteiro Lobato publicou O Presidente Negro, em 1926, era uma época em que um Presidente negro eleito, nos EUA, seria impossível.
O escritor usou seu olhar visionário para criar uma suposta eleição americana, na qual um negro vencia a eleição
Anos depois esse fato tornou-se realidade quando Barack Obama venceu a eleição nos EUA, em 2008. A realidade imitou a Arte.
No romance Ensaio sobre a cegueira, publicado em 1995,de José Saramago, escritor português do século XX,
ocorre uma epidemia de cegueira em Portugal. O vírus é extremamente contagiante, daí que o personagem principal, um médico, é um dos primeiros contaminados ao atender uma paciente, que subitamente ficou cega.
Esse médico logo fica cego, mas sua mulher não, ela não é contaminada pelo vírus, mas finge ser para não se afastar do marido. Visto que a epidemia se alastra de tal maneira que o governo resolve impor uma quarentena a todos os contaminados. Então num local bem afastado da cidade, onde segregados do convívio da sociedade, foram levados para ficaram à própria sorte.
Esse romance narra em detalhes o desenrolar do resultado de uma epidemia, o que tal doença nos traz e nos leva. Desde o debate entre quais atitudes o Governo tomou em relação aos doentes, até quando largados num sítio afastado da cidade, eles se confrontam por comida.
É a lei do mais forte que impera, na sociedade dos cegos.
O leitor torce que a solidariedade impere, mas ao contrário, são os privilégios dos mais fortes que vencem.
Começa com o discurso de proteção, ou seja, alguém quer proteger o outro ou os outros. Mas ao contrário disso, o que as atitudes revelam é a formação de um grupo de privilegiados. Principalmente nas horas tensas, como por exemplo, a hora em que um servidor público entrega as compras para os doentes. Bem longe do local em que estão para assim evitar a contaminação.
Ao buscar os alimentos há uma corrida enlouquecida. Na qual, os cegos e famintos correm com toda força para conseguir a maior quantidade de comida para si mesmo.
É assim que funcionou durante todo o período da doença. A epidemia não provoca solidariedade, mas união para continuidade de privilégios. O mesmo infectado que sofre e pede ajuda, também se preocupa em estocar comida para si, em detrimento do outro.
É um belo romance de Saramago, mas é grandioso porque a fantasia não supera a realidade
Elas se misturam. O risco de epidemia sempre existe, haja vista a pandemia , que passamos. A qual jamais o escritor português imaginou que iríamos passar, nem eu, nem qualquer pessoa.
Mas aqui estamos como no romance do escritor, a espera de solidariedade, pois ou se é vítima ou possível vítima do vírus. Infelizmente a vida imitou a Arte, não há solidariedade, mas busca de privilégios. Devido a esperança ser a última que morre, as pessoas aguardam que haja consciência, empatia e harmonia.
Lembro-me de que ao assistir ao filme de Tarantino Era uma vez Hollywood, de 2019, sobre o real assassinato da atriz grávida Sharon Tate, ocorrido em 1969, na cidade de Los Angeles, esperei o fim fatídico, o homicídio. Acabou o filme, não houve crime, o diretor deu uma chance de vida à personagem.
Era uma mensagem bem forte sobre a realidade
Que ela é mais dura que a Arte, bem mais trágica e sem segunda chance.
Não é a toa que José Saramago foi um dos maiores autores da Língua Portuguesa. Se você ainda não conhece a obra desse grande mestre, não sabe o que está perdendo.
Mas nem que seja O sítio do Pica-pau Amarelo, você já conheceu um pouco da obra de Monteiro Lobato. Esse escritor consegue escrever para o público infantil e o adulto, sempre enviando mensagens de alerta.
Já o diretor de cinema Quentin Tarantino aposta em cenas violentas, as quais são a razão de receber muitas críticas. Mas como todo artista, o diretor norte-americano transgride as próprias regras ao evitar , no filme, o escabroso assassinato que aconteceu na vida real, como se fosse um Deus a dar mais uma chance de vida à atriz. A realidade é mais cruel do que a Arte, parece ser a mensagem para todos nós.
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