Quanto custa o tempo

Quanto custa o tempo?

O tempo é o senhor do mundo, já dizia Drummond de Andrade, por isso vamos atentar ao tempo de cada cultura.
Na Amazônia há somente duas estações no ano: verão e inverno.
Na primeira, é um sol de queimar sua pele, já nas primeiras horas da manhã, um calor torrencial. Que deixa todo mundo suando em bicas, parece que a gente vai dissolver, quando chega a hora do almoço. Desde criança se aprende a não desafiar a força da natureza. Portanto as mães vestem as crianças roupas leves e usam-se sombrinhas para amenizar o contato com o sol.

No inverno, a segunda estação,ocorre muita chuva, chove tanto, mas tanto , que até as crianças aprendem a diferenciar as diversas chuvas.
Se é chuvisco ou chuvinha, não precisa levar o guarda-chuva. Mas se for tempestade, daquelas que o céu fica escuro, procura-se adiar o que se deveria fazer ou armado de guarda-chuva encarar o toró. Na Amazônia se aprende que a natureza é quem manda, o homem é apenas um elemento dessa engrenagem.

Quanto custa a satisfação?

Outro ponto interessante é a gastronomia. Bastante exótica, se for julgada por bocas sulistas. Pois mostra o que se tem por ali de alimentos, seja legumes, frutas ou as proteínas. A maniçoba é um prato típico do Norte, provoca tanto a visão, quanto o paladar, nada de escondidinho ou comer de pauzinho, esquece essa modinha.

A maniçoba é preparada com folhas da maniva, trituradas e cozidas por dois dias.
No terceiro dia continua o preparo acrescentando, aos poucos, toucinho, costela, orelha, pé de porco, também bacon. Também charque (carne seca) bucho de boi, e o que a criatividade da cozinheira inventar. Só estará pronto para o consumo cerca de seis a sete dias de cozimento. Antes disso é perigoso para o consumo, pois a maniva é venenosa. Então deve ser cozida nos primeiros dias na panela, sem tampa, assim o veneno sai no vapor.

Algumas pessoas reclamam da dificuldade em preparar esse prato, porque dizem que demora a ficar pronto, afinal são sete dias!! Claro que não é uma comida do cotidiano, é para ocasiões especiais, uma celebração como: Círio, aniversário.
O interessante é a diferença entre o nortista e os outros brasileiros em relação à essa culinária.
Enquanto os amazonidas entendem e aceitam que se desejarem servir essa iguaria num aniversário, por exemplo, devem ter todo um trabalho e dedicação, porque tudo tem seu tempo. Os outros brasileiros repudiam a ideia de dedicação e trabalho na cozinha, então preferem pratos rápidos. Essa escolha afasta o trabalho, da mesma forma a beleza e a importância da alimentação.

O que não se pode esquecer é que o alimento não pode ser servido de qualquer maneira.
O fruto precisa estar maduro para ser colhido. Alguns como o cupuaçu, fruta da Amazônia, quando maduros despencam-se das árvores. Como nos avisando que chegou sua hora, assim é a natureza, assim é o homem.

Outro ponto interessante e encantador é a preparação de alguns alimentos para proteção espiritual.
O coco amarelo ou coco ouro é um exemplo, para proteção espiritual deve-se deixar o coco no sereno, pela manhã toma banho com a água desse fruto. É um ensinamento claro sobre como a natureza lhe oferece o que você precisa, mas há de se obedecer ao tempo, ou seja, o banho é só depois de o coco passar a noite inteira no sereno.
Apesar dessa maravilhosa conexão com a natureza, nem sempre se respeita essa cultura. Mesmo o caboclo amazonida, quando se desloca de sua origem e passa a residir na capital sofre um atentado cultural. Ou seja, esquece de seus costumes e passa a enaltecer os costumes urbanos e copiar os trejeitos e modismos dessa sociedade.

Quanto custa o respeito às tradições?

Mas essa atitude não é recente, no século XIX, um escritor paraense, Inglês de Sousa, divulgava o Naturalismo, um movimento artístico e literário conhecido por buscar a observação fiel da realidade, assim defendia que o homem era determinado pelo ambiente e pela hereditariedade.
Entre as obras naturalistas desse paraense, um conto chamado Flor de Maria,
Que mostra a paixão de uma cabocla por um rapaz da cidade, ou seja, da capital: Belém. Esse amor toma proporções exageradas, quando se aproxima o dia da partida desse rapaz para casa. Maria, desespera-se, procura uma feiticeira, aprende poções para “segurar” esse jovem, mas colhe as ervas erradas. Sem saber faz um chá envenenado, dá para seu amor, causando a morte do seu amado, indo à loucura por isso.

Esse olhar naturalista, que impõe uma visão correta de mundo, tendo por base a cultura dominadora, condena o que não é igual.
Ora a Amazônia é enorme, poucas costumes nos ligam. Belém e arredores tomam açaí. Marabá e o sul do Pará não. Se você for à Santarém, vai encontrar uma cultura mais próxima de Manaus, se conhecer a Ilha do Marajó, que não é ilha, é um arquipélago, vai se deparar com cultura de Belém.

Respeitar o tempo, respeitar as diferenças, entender que fazemos parte da natureza, parece ser nossa grande aprendizagem nessa época. O homem é uma pequena engrenagem, a natureza é mãe, mas pode ser madrasta.




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Grace Brett

Sou a Grace Brett, apaixonada pela Amazônia. É minha terra, minha gente, lá estudei. Minha formação é Letras, especialista em Língua Portuguesa e Crítica Literária, também em Estudos Culturais da Amazônia. Trabalhei 22 anos como professora, gosto de pessoas, amo escrever e ler. Atualmente moro no RJ, onde estudo Astrologia e Tarot, já atendo, sempre ensinando, sempre aprendendo. página Magia dos Astros no Facebook e Instagram Whatsapp 21 983665227 email gracesampa@hotmail.com

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