O Reino de Hades

O Reino de Hades
Após a vitória na Titanomaquia, Zeus fez a divisão de poder do mundo entre ele e seus irmãos Poseidon e Hades. Zeus fixou sua morada no Monte Olimpo, Poseidon reina sobre os mares e Hades obteve o domínio sobre o subterrâneo, o hipoctônico.

Giove, Nettuno e Plutone, Caravaggio, Casino di Villa Ludovisi, Roma, 1597

Na luta contra os Titãs, os Ciclopes o presentearam com um capacete da invisibilidade, daí vem a origem de seu nome com a junção de “a” (não) com “idein” (ver). Hades também usava um forcado, uma lança com duas pontas.

Só existia um templo para cultuá-lo, situado em Élis, que era aberto uma vez ao ano por um único sacerdote. Seu nome era raramente proferido, sendo invocado por eufemismos como Plutos, o rico, em razão das riquezas advindas do subsolo.

Rarissimamente saia dos domínios de seu reino, permanecendo ali para cumprir os desígnios do destino da alma – Psychê – dos mortos, sobre as quais passa a ter o poder total, implacavelmente.

Os rituais que precediam o enterro dos mortais.

Havia a necessidade absoluta de sepultar os mortos para entrar no Hades, sob pena de deixar a alma vagando na superfície.

Existiam rituais preliminares antes do sepultamento: o cadáver era lavado com essência e vestido de branco. Depois era envolvido com faixas e colocado numa mortalha com o rosto descoberto, para a alma poder ver o caminho. Colocava-se uma moeda sob a língua do falecido. O corpo era exposto sobre um leito com os pés voltados para a porta.

Só poderiam entrar na casa as mulheres que estivessem manchadas, no sentido que a morte contamina. Assim sendo, seria permitido o ingresso das esposas, mães, filhas e primas.

Diante da porta era colocado um vaso com água lustral, para as pessoas se purificarem ao sair da casa.

O enterro e os rituais de purificação – O Reino de Hades

A inumação se realizava na manhã seguinte, antes de nascer o Sol. Quando o corpo era cremado, as cinzas e os ossos eram recolhidos e colocados em uma urna que era enterrada.

Em seguida se faziam libações ao morto e voltavam para casa para os rituais de purificação para eliminar os miasmas. Tomava-se um banho geralmente com água do mar e depois era oferecido um banquete fúnebre aos parentes, que se repetia no terceiro, nono e trigésimo dia após a morte.

Hermes, filho de Zeus e Maia, o deus Psicopompo, era o condutor das almas até o rio Aqueronte, a fronteira do reino de Hades, onde as entregava ao barqueiro Caronte.

La barca de Caronte, Jose Benlliure Gil, 1919

A entrada no Reino de Hades

Para acessar o Hades havia uma entrada no Cabo Tenaro, ao sul do Peloponeso. Havia cinco rios no Hades: Aqueronte, o rio das dores; Cocito, o gélido rio dos gemidos e das lamentações; Estige, o rio dos horrores e das águas envenenadas; Piriflegetonte, o rio das chamas sulfurosas e Lethe, o rio do esquecimento.

O barqueiro Caronte transportava as almas através do Rio Aqueronte, um rio de águas estagnadas, pesadas e lodosas. Antes deveria receber uma moeda como pagamento pelo transporte.

Ao chegarem do outro lado do rio encontravam o cão guardião Cérbero. Este cão de três cabeças tinha a função de vigiar a entrada do Hades, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem e despedaçando os mortais que por lá se aventurassem.

Cérbero, Nalin T J, 2013

O julgamento das almas

Ao ingressar no Hades, a alma se transformava em um “eidolon”, um corpo insubstancial, uma fosforescência, um espectro, um fantasma.

Havia três juízes que determinavam para onde as almas deveriam seguir: Radamanto julgava as almas da Ásia e África, Éaco as almas europeias e Minos ficava com os casos mais difíceis.

O julgamento da alma verificava se durante sua passagem na Terra ela havia se dedicado à Nobreza, à Beleza e a Bondade. Para tanto, elas não deveriam pesar mais que uma pluma.

Caso isto acontecesse, seu destino era os Campos Elíseos, onde passavam um tempo aproveitando-se de banquetes e festividades, para depois retornar a Terra para cumprir a evolução e o aperfeiçoamento da raça humana, não sem antes beber a água do rio Lethe, que provocava o esquecimento.

Se estivessem manchadas por crimes e perjúrios, seu destino era outro. As que tivessem tido uma vida medíocre, sem virtudes, com pequenos crimes, iam para o Érebo, onde permaneciam indefinidamente até a purgação de suas faltas.

Quanto aos criminosos graves, como os assassinos, os déspotas, os traidores, os adúlteros, os suicidas, seu destino era o Tártaro, as profundezas abissais subterrâneas aonde a luz nunca chegava. Cumpre observar que os Titãs vencidos pelos deuses foram encaminhados ao Tártaro.

Os grandes criminosos

Temos alguns exemplos conhecidos de grandes criminosos que foram castigados no Hades, como Ixion, Tântalo e Sísifo.

Ixion se apaixonou por Dia, filha de Eioneu, e prometeu-lhe seus cavalos em troca da mão de sua filha. Após o casamento, Íxion não cumpriu sua promessa e o sogro tomou seus cavalos a força. Para vingar-se, ele convidou o sogro para vir em sua casa e o matou, ateando fogo em sua cama.

Ixion ficou louco pelo crime cometido e passou a vagar pelos campos. Zeus se apiedou dele e o convidou para um banquete no Olimpo. Embriagado pelo néctar, ele passou a cortejar Hera, a esposa de Zeus. Este, de bom humor, fez um simulacro de sua esposa usando uma nuvem e Ixion se relacionou com ele. Daí nasceram os centauros, seres meio homem e meio cavalo.

De volta à Terra, Íxion se vangloriou de ter possuído a deusa Hera e então Zeus o fulminou com um raio. Ele foi mandado ao Tártaro, as profundezas do mundo subterrâneo e amarrado com serpentes em uma roda em chamas que girava eternamente, como punição de seus crimes.

Ixion chained in Tartarus, Alexandre Denis Abel de Pujol, 1824

Tântalo era rei da Frígia, filho de Zeus e da princesa Plota, que se casou com Dione, tendo dois filhos, Pélope e Níobe. Por ser filho de Zeus, foi admitido na mesa dos deuses, ouviu seus segredos, e divulgou entre os mortais, sendo punido por isso.

Como castigo foi lançado ao Tártaro, onde, em um vale abundante em vegetação e água, foi sentenciado a não poder saciar sua fome e sede, visto que, ao aproximar-se da água esta escoava e ao erguer-se para colher os frutos das árvores, os ramos moviam-se para longe de seu alcance sob a força do vento.

Tantalus, Gioacchino Assereto,1640

Sísifo era um rei de Corinto, e procurou enganar e se aproveitar dos próprios deuses: primeiro, testemunhara Zeus raptando Egina, a filha de Asopo e, em troca da revelar ao pai o nome do raptor, obteve dele favores. Para se vingar, Zeus enviou-lhe Thânatos, a morte.

Porém o esperto Sísifo conseguiu enganar o enviado de Zeus. Elogiou sua beleza e pediu-lhe para deixá-lo enfeitar seu pescoço com um colar. O colar, na verdade, não passava de uma coleira, com a qual Sísifo manteve a Morte aprisionada e conseguiu driblar seu destino.

Durante esse tempo ninguém mais morria, o que levou Hades pedir providências. Zeus então liberta a Thânatos, e ordenou-lhe que levasse Sísifo imediatamente para as mansões da morte. Quando Sísifo se despediu de sua mulher, teve o cuidado de pedir secretamente para que ela não enterrasse seu corpo.

Como não poderia permanecer no mundo dos mortos assim desprovido dos rituais, solicitou ao deus do submundo para voltar à vida para castigar a mulher, o que lhe foi permitido, mas era mais um logro. Havia enganado aos deuses pela segunda vez.

Sísifo morreu de velhice. Foi levado ao Tártaro, onde tinha por tarefa empurrar uma rocha até o topo de um monte; mas, quando estava para chegar ao topo a pedra voltava a rolar até a base da montanha, de modo que tinha de começar tudo novamente, todos os dias. A expressão “trabalho de Sísifo” serve para designar tarefas intermináveis.

Sísifo, Tiziano Vecellio, 1549

Os Campos Elísios na Eneida de Virgílio

Todos sofremos em nossos manes os merecidos castigos.

Em seguida somos enviados para o vasto Elísio

e são poucos os que ocupam estes prados alegres,

enquanto o escoar dos anos destrói a impureza material,

deixando puro o etéreo espírito, no estado primeiro

de fulgor ígneo. Um deus então, decorridos mil anos,

leva às águas do Lethe as almas purificadas,

para que, esquecidas do passado, tornem a ver a face

da terra e queiram voltar a novos corpos.

(Eneida, 6, 743-751)

The waters of Lethe by the Plains of Elysium, John Roddam Spencer Stanhope, 1880

O rapto de Perséfone

Deméter é filha de Cronos e Réia, irmã de Hades, considerada a deusa da fertilidade da Terra, da nutrição, ligada ao arquétipo da Deusa Mãe. Teve uma filha com seu irmão Zeus, chamada Perséfone ou Core.

Esta passeava pelos campos, quando foi atraída pelo perfume de um belo narciso. Quando se debruçou para apanhá-lo, o chão se abriu e surgiu seu tio Hades em uma carruagem puxada por fogosos cavalos.  Ele arrebatou a jovem e a levou ao mundo subterrâneo.

Hades toma Perséfone como esposa, a rainha do mundo subterrâneo. Porém ela sentia muita saudade da mãe e da vida na superfície da Terra e no Olimpo.

Em vão Deméter procura por sua filha, até que o deus Hélios lhe conta o que ocorrera. Entristecida, ela se recolhe e a Terra deixa de produzir seus frutos. Os homens começam a passar fome e deixam de prestar homenagens aos deuses.

El rapto de Proserpina, Ulpiano Checa, 1888

Zeus intervém e Hades concorda em devolver a jovem. Porém, antes de sua partida, ele lhe dá três sementes de romã para comer, de modo que ela fica intimamente ligada ao seu reino para sempre.

Zeus é chamado para decidir sobre o caso e determina que ela passaria uma parte do ano na Terra com a mãe e depois retornaria ao Hades. Perséfone é a imagem dos grãos de trigo, mergulhados no interior da terra na estação do inverno. Com o retorno da primavera, a germinação das plantas corresponde à sua volta para junto de sua mãe.

O bosque de Perséfone

Havia um bosque entre a Terra e a entrada do Hades, com árvores como os salgueiros, os ciprestes e os olmos. Nele viviam pavorosos espectros que atormentavam os mortais. Pela proximidade com a superfície da Terra eles subiam com facilidade. Ali tinha também uma flor amarelada com perfume semelhante ao jasmim chamada asfódelo, cujo perfume sugere a perda dos sentidos.

Neste bosque viviam diversas entidades como Ftonos, a inveja; as Harpias, monstros arrebatadores; os Centauros, que representam a animalidade e a vida instintiva; as Górgonas, entre as quais a Medusa; os filhos de Ares, Phobos e Deimos; Gueras, a velhice; as Moiras, tecelãs que fiavam e cortavam o fio da Vida; as Querês, que surgiam no final das batalhas para liquidar com os moribundos; Éris, a discórdia; as Erínias ou Fúrias, nascidas do sangue de Urano, entre outros.

A Divina Comédia, O Inferno, Canto 13, Gustave Doré (1832-1883)

Orfeu e Eurídice

Orfeu era filho de Eagro, um rei trácio. A musa Calíope da poesia épica foi sua instrutora nas artes musicais. Sua música tinha o poder de acalmar as feras e encantar homens e deuses. Ele se casou com uma ninfa chamada Eurídice.

Eurídice foi atacada por um sátiro. Em seus esforços para escapar do sátiro, ela caiu em um ninho de víboras e sofreu uma mordida fatal no calcanhar. Seu corpo foi descoberto por Orfeu que, subjugado pela dor, tocou canções tão tristes e lamentosas que todas as ninfas e deuses choraram.

Inconformado, Orfeu decide ir até o submundo para tentar resgatar Eurídice. Sua música suavizou os corações de Caronte, que fez a travessia do rio Estige e também o de Cérbero, que o deixou entrar no Reino de Hades.

Por fim ele entoa suas canções diante de Hades e Perséfone, que concordaram em permitir que Eurídice voltasse com ele para a terra com uma condição: ele deveria andar na frente dela e não olhar para trás até que ambos tivessem alcançado o mundo superior.

Ele partiu com Eurídice o seguindo e, em sua ansiedade, assim que alcançou o mundo superior, ele se virou para olhar para ela, esquecendo que ambos precisavam estar no mundo superior, e ela desapareceu pela segunda vez, mas agora para sempre.

Orpheus and Eurydice with Pluto and Proserpina, Jean Raoux, 1718–20

Conclusão

No reino de Hades as pessoas encaram um balanço de sua existência terrena. Assim como na mitologia egípcia, quando o coração da alma não poderia pesar mais que uma pluma para ser admitida no reino dos mortos, na mitologia grega há um julgamento e uma sentença é emitida, destinando a alma a um dos compartimentos do submundo.

Ali o importante é a verdade, não há como fugir dela. Se no mundo telúrico as pessoas dizem inverdades, usam argumentos para justificar suas ações, fazem acordos escusos, cometem traições, no mundo dos mortos toda a verdade vem à tona, o eidolon está manchado com os crimes cometidos em sua vida e a sentença é fatal!

Na Astrologia, os trânsitos do planeta Plutão provocam crises destinadas a uma profunda correção de rota, a eliminar processos que estão dificultando a evolução do ser humano, a sair da zona de conforto e enfrentar os desafios.

A palavra-chave dos trânsitos é transformação, que etimologicamente significa “fazer mudar de forma, de aspecto”. Caso os sinais de mudança não sejam percebidos com uma mudança, o trânsito provoca uma dano para a pessoa, seja através de uma doença, uma rompimento de relacionamento ou emprego ou perda de seus bens.

Plutos, o rico, nos mostra as maiores riquezas que poderíamos encontrar, mas para obtê-las será preciso escavá-las do inconsciente, fazer com que subam à luz do dia. Porém, isto só será possível se descermos às profundezas do nosso eu e depois de o vasculharmos, enfrentarmos os monstros que ali escondem para depois retornar.

Hades, Agostino Carracci, 1592

Douglas Marnei




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