Feminino Integral – Parte I

Feminino Integral – Parte I

“Até você se tornar consciente, o inconsciente irá dirigir sua vida e você irá chamá-lo de destino” C.G. Jung

As mulheres não decidiram pela Guerra, mas suportaram o ônus e a dor das perdas. Comprometidas com seus filhos mortos ou sequelados “foram à luta” dentro e fora de suas casas e se engajaram socialmente.

Nossas antecessoras desbastaram uma trilha de mata densa e espinhosa para que pudéssemos passar. E através da hereditariedade tais registros estão inconscientes em nossos corpos e mentes.

Historicamente, na prática das instituições, inclusive as religiosas, desde as mitologias, a mulher sempre foi colocada em segundo plano. Além de estereotipada a respeito de como deveria ser e agir uma mulher, “para ser boa”. E no passado mulheres nem sequer tinham direito à educação formal. Em épocas mais longínquas, se dizia que as mulheres nem alma tinham…

Porém, até hoje falta para todos educação para lidar com fenômenos psíquicos e emocionais gerando profundos desequilíbrios que tais determinismos geram.
Uma de minhas clientes com cerca de 40 anos que não tinha filhos e também não havia se casado, namorava e era realizada profissionalmente. Esta havia sido arguida por uma amiga de mesmo nível educacional e sociocultural se ela não gostaria de “se realizar como mulher”. Estendendo a conversa, minha cliente compreendeu que o sentido de se realizar como mulher da amiga era se casar e gerar filhos…

Até que ponto os pensamentos que pensamos, os valores que adotamos foram pensados, sentidos, “nos caem como uma luva”, ou foram adotados e são reproduzidos irrefletidamente e também nos desequilibram e nos adoecem, nos tornando artificiais reprodutores e menos felizes conosco e em nossos relacionamentos?

Há 21 anos trabalho com mulheres, escutando seus dramas e correndo atrás de conhecimentos que pudessem dar conta dessa demanda. Meu trabalho como psicoterapeuta é ser instrumento na promoção da transformação através da consciência de quem se é. Para que as mulheres conquistem ser elas mesmas e as mais livres quanto puderem ser para se enriquecerem com suas experiências. E este processo é a conquista, pouco a pouco, da “realização pessoal” em vários níveis.

Naturalmente, a mulher ao partir para o mercado de trabalho e também ao se opor as determinações do patriarcado precisou adquirir novas habilidades como maior racionalidade, iniciativa e organização. Porém, também incorporou valores masculinos como a luta pelo poder e a competição ao passo que com isso, se desconectou dos valores femininos como a amorosidade e a sororidade que as mantinham em equilíbrio e antes eram sua principal ferramenta de resistência, mesmo que silenciosa.

Também na luta pelo trabalho, estudo e sobrevivência e seguindo as tendências da modernidade, passaram a uma vida onde se tornaram cada vez mais isoladas umas das outras. Sem espaço para sua vida simbólica, para rituais de interiorização e comunhão, para honrar seus valores femininos. E foram os abandonando à caça de valores ditados por interesses patriarcais e econômicos de controle de seus corpos e vontades, onde não nem sempre têm escolha.

A indústria comanda a propaganda que utiliza variadas técnicas de persuasão e programação mental atingindo nossos inconscientes à serviço da desvalorização da mulher. Ou seja, esta espécie de “corrida em círculos” da mulher atrás de como ela deveria ser para obter suas recompensas gerou apenas o vazio existencial em maior ou menor grau. Inclusive, suas dores sobre injustiças e relacionamentos abusivos com homens também desequilibrados resultaram em seu adoecimento psíquico e físico, principalmente e justamente em órgãos do aparelho feminino.

Ou seja, devido à escassez de ambientes terapêuticos onde possa transmutar suas dores, toda sensibilidade feminina não pode ser aproveitada construtivamente. Infelizmente a medicina além de medicalizar tende a investigar as doenças femininas apenas através de exames ginecológicos. E praticamente não há investigação acerca da psicossomática envolvida ou do contexto de vida das pacientes. Além de raramente encaminhar para tratamento psicológico.

Nossa cultura de consumo e de alta complexidade apenas incentiva o olhar para fora. Afinal, pessoas com grande autonomia e capacidade de reflexão não irão consumir tanto quanto necessário para manter e aumentar os lucros de muito poucos. E isso também não irá agradar a milionária indústria farmacêutica e suas sub indústrias, como a indústria da depressão e dos exames médicos, por exemplo…

Não estou aqui escrevendo nenhum discurso político partidário e nem sou contra a propriedade privada. Essa luta é apartidária. Não é desse tipo de política que estou falando. Estou falando de saúde mental e integral e também de um feminismo integral e consciente. Porque tudo o que existe começa na mente!

Por isso a Psicologia entrou de vez para proporcionar o olhar franco do indivíduo para si ou para dentro, para que a conscientização e responsabilidade por seu estado de “ser” do momento e também por seus sintomas físicos psicossomáticos. E este seja o estopim das transformações, atitudes e aquisições para chegar o mais próximo possível de quem realmente se é, uma vez identificados os valores, conceitos e pensamentos alheios (inclusive machistas) incrustrados na personalidade de cada um de nós.

Pois essa capacidade de olhar para dentro facilitada pela Psicologia, pela meditação e outras técnicas e terapias integrativas que proporcionam o autoconhecimento são da ordem do feminino. Porque aqui falamos do feminino não enquanto gênero, mas como função psíquica.

Para o psiquiatra suíço C.G.Jung o feminino não é gênero e sim uma propriedade psíquica. Além de incluir a Psicologia da Religião Oriental e Ocidental em sua obra o mesmo também apresentou o conceito de inconsciente coletivo, Self, arquétipos e muitos outros para explicar a dinâmica de nossa psique, bastante complexa por sinal.

Portanto, masculino e feminino são funções psíquicas presentes no inconsciente de homens e mulheres. Todo homem tem sua alma feminina (sua “anima”) e toda mulher sua alma masculina (“ânimus”). Ambas precisam ser trazidas para a consciência em prol de nosso desenvolvimento psíquico. Ou seja, em cada ser habitam aspectos de ambas as polaridades independente até mesmo da identidade sexual, onde um pode ser predominante sobre o outro.

É importante destacar que os relacionamentos sexo afetivos, mesmo que transitórios, são a maior escola para essa aprendizagem e integração do que falta em cada personalidade. E apesar dessa oportunidade de aprendizagem ainda ser mais aproveitada para disputas e confrontos do que para as aprendizagens da alma.

Podemos dizer que os valores femininos são naturalmente mais acessíveis as mulheres e está impresso em seu corpo e mente segundo os saberes ancestrais. E, portanto, são próprios do feminino: amor incondicional, flexibilidade, receptividade, intuição, proteção, promoção da paz, intuição e criatividade. Enquanto as características no masculino são: a lógica , a ordem, a racionalidade, a atividade, a iniciativa, o amor condicional, a rigidez, o enfrentamento e a agressividade.

Se pensarmos em que tipo de valores precisamos mais em nossa sociedade com certeza são os femininos, os da “anima” sem nunca desprezar a positividade dos valores masculinos, como a iniciativa, a ordem e a necessária racionalidade para a sociedade. Sendo assim, a proposta é a integração construtiva entre ambos.

Portanto, uma vez que as mulheres se harmonizem com seu “poder feminino” poderão difundi-lo mais facilmente entre seus parceiros inspirando sua alma feminina. Para que a mesma seja acessada, trabalhada e colocada no mundo. Tal difusão não envolve grandes empreendimentos e é absolutamente natural como tudo na natureza (que também é feminina) porque em todos os sistemas sociais quando uma pessoa se modifica afeta aos demais de cada sistema. E já se inicia uma mudança sistêmica entre casais, famílias, grupos e até instituições.

Hoje temos muitas ferramentas de autoconhecimento como as terapias integrativas, onde 90% ou mais são terapeutas mulheres. Tais como a Yoga e a Constelação familiar, por exemplo, ratificada pelo sistema jurídico brasileiro, que ensina a honrar a dor de nossas ancestrais, bem como assimilar sua força. Uma informação que consta em nossas mentes e corpos através dos registros nas fileiras de nosso DNA. Todas essas técnicas não substituem a análise e auto análise com um profissional e nem a prática da auto observação através da quietude e da meditação como hábito cotidiano.

Sendo assim o autoconhecimento, o mergulho no inconsciente para de lá trazer à consciência o que será curativo que é o próprio retorno ao feminino é tão revolucionário quanto o feminismo. Mas é tão inevitável quanto o desequilíbrio e a doença psíquica e física enquanto insistirmos em “vivermos para fora” de nós mesmas.

Este texto é o início de uma série, das bases históricas de gênero, passando pela mitologia, a psicologia das relações sexuais e amorosas, psicossomática até novos horizontes para as mulheres. Portanto, tomemos a força e a coragem de nossas antecessoras para esta mudança energética que começa na mente. Honremos todos os esforços daquelas que se doaram de corpo e alma, muitas vezes, sendo desonradas e até mortas injustamente. Ao mesmo tempo, se dará uma viagem de retorno e de avanço gradual e definitivo. Porque quando nos tornamos mais conscientes é impossível voltar atrás!




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Fernanda Faour

Psicóloga Clínica Especializada em Psicologia Junguiana-IBMR/ Instituto Junguiano, Especializada em Psicologia Jurídica/UERJ, Consteladora Familiar Sistêmica e terapeuta floral. Especializada na função psíquica do Feminino (C.G.Jung), questões de gênero, transtornos alimentares e dependências da modernidade. Incentivadora de terapias integrativas. Experiência na coordenação de grupos de mulheres. Palestrante, psicoterapeuta há 22 anos. Mãe da Sofia e apaixonada por autoconhecimento.. Tel. -Whatsapp/ telegram (21) 98294-0259 . E-mail : f.faour@gmail.com Instagram: https://www.instagram.com/psi.fernandafaour/

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