Mulher a que se destina? Confissões de (ou a) uma homeopata?

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“Minha pergunta, se havia, não era: “que sou”, mas “entre quais eu sou”. Quem eu sou? Eu sou uma pergunta.
Sou tudo o que não explicação.
Sou alguém em constante construção.”
Clarice Lispector

Cedo ou tarde o que deixamos para trás nos alcança.

Chega um momento em que para sermos verdadeiros com nós mesmos, precisamos ter o desprendimento para abençoar as tentativas sem êxito, agradecer pelo o que cada uma nos ensinou, e seguir.

Valeu a intenção da semente.

Se na filosofia que pretende alcançar sentido e ajudar de dentro para fora, aplicada em meu cotidiano de mãe, filha, professora, irmã, poetisa, amiga, médica e esposa companheira, eu própria me busque e encontre da vida significado na lida, há dias que me sinto senão perdida, desolada com um saco de caroços desidratados nas mãos.

Catar grãos remonta a minhas ancestrais.

Escolher os bons, desprezar as pedras e os bichados, o faziam minhas tetravós,

Mulher a que se destina?

Hoje além de escolher os grãos da alimentação, cato caroços recolhidos das lágrimas cristalizadas pelas dores dos que me buscam para dar ao contrito empedrado no peito, mais do que evasão, burilação.

E como vazam os recalques, as dúvidas, as incertezas, as frustrações.

Como homeopata, ao longo dos anos ampliei meus atendimentos, se primariamente como pediatra, agora a todos os seres da criação.

E destes, hoje 75% correspondem a mulheres e crianças.

E como a existência é metafórica, este percentual é equivalente ao número de mulheres e crianças que hoje estão sobrevivendo em campos de refugiados, nestes tempos de escuridões

Ora, de todas as forças que impulsionaram os grupos humanos ao longo de seu processo evolutivo, das cavernas as modernas eras, a mais fundamental é a maternidade.

Essencial força do feminino, prevalente, exponencial potência, valente, sem ela não haveria humanidade, sem ela não haveria existência.

Mulher a que se destina?

Sem ela haver não viria à Luz
Gestar e parir, ações biológicas restritas às mulheres. Mulher, útero da humanidade.

Maternagem, impulso e expressão de cuidar no conservar e promover vida.

No feminino, ontem e hoje garantidos, amanhãs.

Se muitas mulheres refugiadas não têm escolha outra do que atravessar as fronteiras da intransigência, morrendo mesmo se permanecendo na vida para garantir a si e a prole, sobrevivência, as que chegam ao refúgio do meu consultório, muitas em fuga do que lhes foi destinado, também lutam por continuidade.

Refugiadas esperam quem lhes estenda mais que a mão, o pão da comunhão – corpo e alma em conexão.

Não há maior sustento para o espírito que encontrar de si, em si, compreensão.
Pensar, sentir e (re)agir a vida em harmoniosa dinâmica de entrega a sua missão.

Mulher a que se destina?

Devemos por obrigação de gênero gestar e parir?

Será que toda mulher deseja para si dar-se ventre ao por vir? Dar a luz é a única forma de dar-se à luz?

Para cria, para o macho ou pró criação?

Quais são os altos fins da existência, Mulher? Qual seu real e verdadeiro caminho de cura?

Mulher a que se destina?

Das priscas eras as modernas, a(s)cender-se.

A vida tem um fim.

Não um fim em si mesma, mas uma finalidade, um objetivo para o qual o instinto de vida e sobrevivência dirige o ser e é na busca por um significado transcendental e sutil que se apreende da vida o seu significante no curso do processo de evolução.

Não faz muito tempo, recomendava-se que nós, mulheres, só saíssemos de casa acompanhadas, por alguém que nos protegesse, fique claro – pai, irmão, marido.

Também nos foi recomendado que não falássemos em público e deixássemos as decisões importantes para os homens.

Os livros de história registram épocas em que tínhamos de nos curvar e olhar para baixo na presença de pessoas poderosas.

Diziam também que assumíssemos, com o corpo e a postura, a condição de submissas.

Mulher a que se destina?

Isso tudo pode parecer inconcebível nos dias de hoje, mas, por milênios, foi comum uma cultura de dominação meticulosamente construída e reproduzida pela sociedade.

Seria generalizar afirmar que eram todas infelizes, quando cada ser vivente é ímpar, singular.

Entretanto, foram relegadas ao mundo privado, universo em que viviam elas e as crianças, em atividades que não as projetavam, antes sim, as silenciavam, que rebelaram-se.

Séculos de reclusão, não só nos conventos, quando a paixão era mais do que consumação, erupção de desejos prementes de realização, mas nas covas de quartos, salas e cozinhas.

Aos homens, o espaço público, o prazer explícito.

Às mulheres, a concessão.

Mulher a que se destina?

E se o gozo era interdito, sua libido buscava mais do que sensação, sentido.

Ah! Que força tem o reprimido.

E se mulheres eram mais frágeis e vulneráveis ás intempéries, eram resistentes, criativas, tenazes, cúpidas e vorazes, das feras as mais ferozes, na defesa das crias de sua procriação.
Não se ascende à nova posição sem esforço e luta na execução – exortemos a memória de todas as pioneiras, guerreiras e aventureiras que ao se inscreverem na História nos permitiram escrever novas biopatográficas funções na íntima e coletiva trajetória ao ser.

Eu assumo meus papéis, e ao a(s)cender a minha própria luz, assino meu nome nesta História e ilumino alguns passos em trajetória.

E você?

Mulher a que se destina?

Denise Espiúca Monteiro. mãe de Carlos Felipe, João Carlos e Ana Catarina. Mulher, esposa, filha, escritora e médica homeopata de muitos. Autora de Primeiros Laços – Maternidade, Maternagem e Homeopatia, “O que você vai ser quando Crescer? Abordagem Homeopática da Infância e de três livros de crônicas poéticas: “Consultório de Brinquedo”, “Consultório de Espelho”, “Consultório de Máscaras”, todos pela H.P. Comunicação Editora.




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Denise Espiuca

Denise Espiúca Monteiro Médica Homeopata, Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social/UERJ. Diretora do Ambulatório Escola do IHB, A Casa da Homeopatia Brasileira. Escritora, ocupa a cadeira 25 da ABRAMES, Academia Brasileira de Médicos Escritores. Email: despiuca@dh.com.br

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