Conceitos filosóficos que trespassam o ato fotográfico
Conceitos filosóficos que trespassam o ato fotográfico
É legitimo que questões técnicas e pragmáticas, que abordem composição, iluminação, pós-tratamento e até aspectos jurídicos predominem nas discussões em grupos e fóruns de fotografia.
Todavia é importante também entender os conceitos filosóficos que trespassam o ato fotográfico.
E por que? Porque afetam diretamente o trabalho comercial do fotógrafo.
Exemplifico essa aplicação prática da filosofia da fotografia explorando alguns conceitos de Pierre Bourdieu em seu memorável livro “Un art moyen”.
Diz o autor: “o ato de fotografar consiste na promoção do objeto fotografado; o repertório de situações e cenários fotografáveis constitui o inventário de valores de uma sociedade e provê forma a seu sistema ético e estético”.
Desta colocação desdobra-se que a chamada fotografia de eventos (de festas, cerimoniais, casamentos e afins) registra cultos domésticos e que seu objetivo principal é sancionar e validar a união familiar; nessas ocasiões as pessoas desejam ser fotografadas tão somente para eternizar a imagem que o grupo tem de si mesmo. Fica claro que tais fotografias não registram pessoas, mas funções sociais. Assim, a fotografia de eventos é iminentemente iconográfica e seus resultados devem residir não no “o que”, mas no “por que”.
É por isso que torna-se fundamental a foto do pai da noiva com algumas lágrimas correndo o rosto, independentemente do ISO alto utilizado; o pai está a cumprir seu papel social e tecnicismos como “ruído de imagem” não circulam entre as prioridades iconográficas dos clientes.
É por isso que fotos de crianças soprando velinhas em um aniversário podem até sair com a nitidez comprometida, porém não podem deixar de existir nem de enquadrar adequadamente os pais, a simbolizar os pilares fundamentais dos filhos.
É por isso que fotos de gestantes devem ressaltar os vínculos entre mãe e filho (e quando possível também com o pai) independentemente de escancararem sorrisos e mesmo que sejam levemente estouradas nos tons mais claros.
É por isso também que fotos criativas e bem produzidas de contraluz agradam muito mais aos próprios fotógrafos que aos casais clientes; ainda que reflitam técnica fotográfica apurada não escancaram as feições daqueles com papel social a cumprir dentro da composição.
Estudar e compreender o papel sociológico da fotografia são atividades primordiais para o cotidiano do fotógrafo comercial. Direciona sua criatividade e ilumina os caminhos a serem explorados em suas composições e cenários, à medida que clareia as prioridades efetivas de seus clientes – mesmo não declaradas – enquanto organismos sociais.
É isso.
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