A postura física e mental do acupunturista

A postura física e mental do acupunturista

A boa postura física e mental é fundamental para a qualidade de vida do terapeuta e, também, para a aplicação correta das técnicas e benefícios da acupuntura japonesa.

Textos clássicos milenares já destacam a importância da postura e conduta físicas e mentais para o acupunturista realizar um agulhamento tanto indolor quanto eficaz.

No cotidiano do terapeuta surgem novos métodos e macetes para que o acupunturista consiga atingir o ponto que necessita de tratamento e produzir um efeito energético no paciente.

O primeiro passo é se atentar para a postura física.

Ao longo dos últimos 15 anos, pratico artes marciais tradicionais japonesas. Ambas ligadas ao Jujutsu e sistemas de yoga, assim como Kundalini Yoga, Okidô Yoga e Chikung.

Elas sobretudo trabalham diretamente a minha postura física, mental e, ainda, a respiração.

Além disso, tanto as artes marciais quanto os métodos de yoga japonês têm em comum a concentração da força vital no tanden, que é uma parte do hara ou do abdome.

Os japoneses consideram o tanden como o centro da vida.

Ele é a parte do corpo situada na região do baixo ventre, aproximadamente a três dedos abaixo do umbigo.

No Japão, o tanden é visto exatamente como o centro, que divide o corpo entre o fluxo das energias celestes e terrestres.

Sendo assim, o aspecto yang está localizado na parte superior do corpo humano, entre tandem e crânio. Contudo, o aspecto yin localiza-se na parte inferior, entre tandem e pés.

Por considerarem essa área o centro vital do corpo, os japoneses concentram a respiração nesta região. Objetivando por conseguinte, aumentar a energia e a vitalidade.

Analogamente, os chineses também trabalham o tanden. Contudo, o conhecem como Dantien, que é muito exigido em técnicas como o Chikung e Tai Chi Chuan.

Ao levar a consciência e a respiração para o tanden se desenvolve a atenção e o foco. Decerto, facilitando o fluir da energia vital, não só nas técnicas das artes marciais e yoga, mas, principalmente, na prática da acupuntura.

Isso acontece porque a prática da acupuntura é muito mais energética do que física.

Ao se posicionar de frente para o paciente, com o centro de gravidade do corpo (hara ou tanden) em direção à área a ser tratada, o terapeuta favorece a fluidez de sua energia vital que é transmitida ao paciente.

Quando se permanece nesta postura, colocando-se numa posição física com o centro de gravidade levemente abaixado, com os ombros relaxados e a mente e o coração tranquilos; o terapeuta se torna um canal por onde as energias do céu e da terra se fundem no tanden e são emanadas, criando um reequilíbrio das energias yin e yang nos canais do paciente.

Normalmente, sugiro aos meus alunos que mantenham o seu tanden apontado para o ponto a ser agulhado.

O posicionamento na hora de realizar o agulhamento – seja ele de tonificação ou de dispersão – são fundamentais para que se utilize o sentido do canal (meridiano) para a tonificação e o sentido contrário ao canal para a dispersão.

A posição física deve ser com os pés afastados na largura dos ombros, centro (tanden) levemente baixo, como numa postura de montaria, coluna ereta, ombros relaxados, braços formando um pequeno círculo e uma das mãos, com a base de agulhamento (oshidê), tocando o ponto e, a outra mão (sashidê), realizando o agulhamento.

O segundo pressuposto é a postura mental, o estado de espírito do terapeuta.

É fundamental que durante o tratamento ele se mantenha num estado de meditação, porquanto os pensamentos e emoções mundanas não o afetem.

Enfatizo que os terapeutas devam se tornar um canal, para que o sentimento puro de compaixão se manifeste durante o tratamento.

Neste sentido, compaixão deve ser vista como todo ato ou ação que vise sanar e minimizar o sofrimento e a dor de qualquer ser vivente.

Por outro lado, a maneira equivocada de se iniciar o tratamento é o profissional pensar em quanto irá receber pelo trabalho ou em outras vantagens pessoais.

No início e durante o tratamento, deve-se deixar esses pensamentos mundanos. Portanto, até mesmo questões pessoais devem ser postas de lado.

O foco deve ser o paciente e o seu bem-estar.

Em minha prática profissional, já ouvi muitas perguntas sobre como consigo me manter equilibrado, tranquilo, feliz, ativo e saudável atendendo tantas pessoas em um dia.

A pergunta recorrente sempre é:

Ao final de uma jornada diária de trabalho você deve ficar sempre exaurido, exausto?’

Não, a execução do ofício restabelece tanto o paciente quanto o terapeuta. Ambos decerto, estão conectados ao fluxo de energia curativa.

Quando em que entro para a sala de atendimento deixo todas as questões, problemas ou situações do outro lado da porta.

No momento em que estou tratando outra pessoa entro tanto num estado de quietude quanto tranquilidade.

A intenção de sanar a dor e o sofrimento daquela pessoa traz um sentido de vida para a minha existência.

Assim sendo, a cada dia tal estado é renovado nas melhoras produzidas pelo tratamento.

Na literatura oriental japonesa, o estado mental do terapeuta foi descrito pelo texto clássico Shindô Hiketsu Shu.

Atribuído a Mubun Kou, o texto, que é considerado um tratado sobre técnicas e postura mental e espiritual do acupunturista, aponta que o estado de espírito adequado é denominado de “Kokoromochi nao Daiji” ou “Verdadeiro Eu”.

Este clássico que trata do método de Dashin e foi escrito no período Edo, descreve o estado mental do terapeuta como um estado de “eu verdadeiro”.

O “eu verdadeiro” é aquele sem julgamentos e apego, é um estado de neutralidade, quando ocorre a sincronização e conexão com o paciente e, assim, o terapeuta consegue acessar o que a pessoa, de fato, mais precisa naquele momento.

Isso é o que eu considero como o estado de “eu verdadeiro”

O foco portanto, não é mais a sua vontade (o seu eu, no sentido de ego), mas a necessidade do momento.

Esse sentimento me remete a uma das passagens da Compilação dos Segredos da Acupuntura, de Sai Mubun, que diz que ‘quando atiramos com arco e flecha, sem ser consciente, mas atirando com o coração, ou seja, no estado de pureza, a vida flui naturalmente, e alcançará o alvo sem desvios.

Sem forçar a concentração, e sem a vontade de atingir o objetivo.

Apenas basta soltar a flecha para o alvo com o coração sincero e puro, que assim o alvo se alcançará’. (Sai Mubun- Shindo hiketsu shu, Compilação dos Segredos da Acupuntura)

Particularmente, acredito que muitos devem achar difícil entrar neste estado de consciência durante um atendimento.

No entanto, como dizia o filósofo grego Aristóteles, em seu livro dedicado ao seu filho, intitulado a Ética a Nicômaco: ‘nós nos educamos pelo hábito’.

Por isso, durante muito tempo tenho praticado as técnicas de meditação da Índia, da China, do Tibet e do Japão.

Uma atividade que me faz muito bem é recitar todas as manhãs o mantra do sutra do coração: ‘Maka Hannya Haramita Shingyo’.

Esse mantra fala exatamente da vacuidade deste estado, no qual as coisas não são boas nem ruins.

Remete, também, ao estado da perfeita sabedoria, na qual não se utiliza o ego e nem somente a percepção dos sentidos, mas a essência incomensurável que envolve o ser humano.

Quando se entra neste estado de não almejar nada, tudo acontece.

Além disso, o acupunturista também deve praticar técnicas de respiração.

Sentar antes de iniciar seus tratamentos, colocar-se em estado meditativo e tomar consciência do seu fluxo respiratório, contando a sua respiração.

Inalar, exalar e fazer uma contagem 01 a 10, zerar a contagem e iniciar novamente até perceber que a sua mente começa a entrar em um estado de quietude.

Quando se tira um tempo para respirar, sua percepção e conexão com o paciente se tornam mais presentes e mais puras.

Desta forma, tornamo-nos instrumentos de cura e como soldo, somos igualmente curados.




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valerio lima

Sensei Valério Lima é especialista em terapias japonesas e medicina oriental para tratamentos de dores e equilíbrio emocional e físico, desde 2000. Também é diretor e professor do 1º curso de pós-graduação em Acupuntura Japonesa do Brasil e criador do método de shiatsu da Kangendô. Além disso, como professor, ministra cursos em todo o Brasil e em países da América Latina e América do Sul. Valério é especialista nas técnicas da acupuntura japonesa e moxaterapia Okyu do estilo Fukaya e Sawada, formado pelo Sensei Antônio Augusto Cunha. Membro certificado pela Associação Hari do Brasil, formado no sistema Hari de Acupuntura Japonesa, pelo Mestre Koei Kuwahara. Ele possui formação nas técnicas: de agulhamento da acupuntura japonesa com o Sensei Atsuki Maeda (EUA); de Kan-Shin-Ho de agulhamento indolor do estilo de Wachi Sugiyama, formado pelo Sensei Yoshihiro Odo e formação em Keiraku Chiryo (terapia de meridiano) com o Sensei Stephen Birch. Valério participou do Congresso Internacional de Acupuntura e Moxabustão da WFAS, em Tsukuba, no Japão, em 2016. Possui pós-graduação em acupuntura tradicional chinesa pela Associação Brasileira de Acupuntura (ABA). Valério é Mestre em Reiki com formações nos métodos tradicionais japoneses com o Daí Shihan Frank A. Petter. É também credenciado como Shihan Kaku, professor assistente, pelo Jikiden Reiki Kenkyukai (Instituto Jikiken de reiki, com sede em Kyoto, no Japão). Pelos serviços prestados em prol da medicina oriental no Brasil, Sensei Valério recebeu o título de Dr. Honoris Causa em Medicina Oriental, pela Faculdade Einstein (FACEI). Tem especialização em técnicas como Moxaterapia, Keiraku Chiryo (terapia de Meridiano), Suidamá (ventosaterapia japonesa), shiatsu e sotai. O fundador da Kangendô também é praticamente de New Seitai, formado pelo Sensei Hideshi Goto Praticante de Soati, com formação pela escola Yasuragi de shiatsu e sotai do Sensei Arturo Valenzuela. Valério é Sensei certificado com o grau de Nidan no Hakkoryu Jutsu e Koho Shiatsu Igaku, do Japão e Nidan em Hakko Denshin Ryu pelo Kokodo Renmei.

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