Claudia Araujo entrevista José Raimundo Gomes

Claudia Araujo entrevista José Raimundo Gomes

José Raimundo Gomes é psicólogo clínico, criou e lecionou a disciplina INTRODUÇÃO À PSICOLOGIA ANALÍTICA na Universidade Gama Filho, foi pesquisador do Instituto de Estudos da Religião – ISER aonde fiz meu curso de formação em Psicologia Analítica sob sua orientação.
É Membro Fundador do Centro Brasileiro de Psicologia Junguiana – CBPJ
Membro do C. G. Jung Foundation for Analytical Psychology of New York, coordena a coleção MITO E PSICOLOGIA para a Editora Rosa dos Tempos-Record, além de ter sido por vários anos meu terapeuta. Hoje é um amigo, a quem tenho o prazer de entrevistar
Claudia Araujo
1998

CA = Zé Raimundo, quando e de que maneira entrou em contato com a obra de C.G.Jung?

JR= Eu estava no quarto período da faculdade de psicologia e mergulhado numa crise existencial imensa. Absolutamente nada do que lia e ouvia consolava a minha alma. Perambulando pelo centro da cidade, entrei na livraria Vozes e encontrei um pequeno livro chamado Fundamentos de Psicologia Analítica.

Folheei alí mesmo o texto e percebi que estava diante de alguém que falava com o coração.

E isso era tudo que eu necessitava naquele momento. De alguém que falasse com sua própria alma.

Eu costumo dizer que naquela época, por volta de 1980, houve mais do que a simples descoberta de uma nova teoria psicológica, houve um encontro, o que é uma experiência existencial bem diferente daquela que se faz via intelecto.

CA= O que os estudos de Jung representaram para sua vida e sua carreira?

JR = Ainda naquela época eu precisava conhecer alguém que funcionasse como uma espécie de “guru espiritual” para mim.

No nível transpessoal Jung estava se saindo muito bem.

Sonhava com ele constantemente e recebia algumas instruções espirituais através desses sonhos.

Isso melhorou tremendamente o meu estado interior.

No fundo, me sentia como um amigo secreto de Jung e isso me deixava muito vaidoso.

Ainda guardo com carinho as “comunicações” dele através de sonhos.

Por outro lado, eu necessitava de alguém neste mundo.

Foi através da revista Psicologia Atual que conheci uma outra extraordinária pessoa. Li um artigo dele sobre o filme O Iluminado de Stanley Kubrick. Fiquei fascinado.

Vi alma naquele homem e uma sensibilidade incomum. Seu nome é Carlos Byington.

Durante muitos anos foi meu analista até mudar-se definitivamente para São Paulo.

Sinto-me muito orgulhoso de sua presença no vídeo que produzimos, JUNG E O OCULTISMO.

É uma grande alma.

A conjunção básica entre drama interior e busca intelectual é o centro de minha vida.

Não consigo funcionar se antes, algo dentro de mim não se ponha a andar. Procuro seguir esses passos invisíveis que minha alma trilha. Por isso, posso dizer com Jung: – Minha vida e minha carreira são as mesmas coisas. Não há diferença entre elas.

Só conseguir ler e estudar até onde minha alma me empurrou. Foi a única forma que encontrei de tornar a minha vida ocasião de felicidade.

CA= Jung ressaltava o processo de individuação como meta de uma vida. Você se considera uma pessoa individuada? por que?

JR = E ele tem razão.

A vida só vale pela realização antropo-existencial de que se é capaz. Todo o resto é legítimo mas nem sempre vale a pena.

Como disse acima, procuro seguir o meu coração. Obviamente nem sempre a voz ouvida tem sua origem nessa região humana que é só poética e então cometemos erros.

Mas não se pode evitá-los, faz parte da vida.

Estou longe de me considerar uma pessoa individuada.

E mais ainda: gosto da imperfeição, admiro sua estética.

Deus foi de tal forma perfeito, que em seu plano divino está previsto a imperfeição. E isso é maravilhoso porque é a imperfeição – a dimensão de sombra, em Jung – que nos dá aquela maravilhosa sensação de que somos humanos e que devemos nos perdoar mutuamente, e a nós mesmos.

Toda a arrogância humana está calcada nesta impossibilidade de se aceitar o erro.

Sempre é o outro o portador da quebra, da dobra, em linguagem teológica, do pecado. Olhe ao redor do mundo. O que se vê?

É amor o que se nota na fisionomia de Bush? É compaixão o que rouba o sorriso de Bin Landen? É pensando na união universal que os cientistas utilizam o dom de suas ciências para construir mais e mais armas de destruição e morte?

Não. Infelizmente, não.

Há ódio no mundo em proporções incontroláveis. E isso pode nos envenenar.

Só há uma saída. Voltar-se para a interioridade e redescobrir o significado da vida e de nossa existência. Mas não se pode parar aí.

Essa descoberta interior necessita ser encarnada na prática política, seja ele qual for: na universidade, no consultório, no partido, na família, etc.

Quando se é feliz de verdade, não se quer ser assim sozinho

CA = Você entende que o estudo da psicologia analítica é abordado de forma eficiente no meio acadêmico?

JR = É urgente afirmar: eu não acredito em estudo. No máximo, através dele, você pode se tornar um bibliófilo.

Eu acredito naquela força de vida que encontra sua máxima expressão através do estudo. Estudo e alma, alma e estudo, é o binômio perfeito.

Fora dele, as palavras perdem vigor e alegria. Não encantam e desfaz-se sua íntima vocação mágica. Gosto de palavras que brotam de algum lugar que não a citação erudita.

Sou psicólogo. Sempre fui. Não foi a universidade que me fez assim. Eu nasci psicólogo. Estava inscrito no meu código genético existencial.

Note: a correta tradução de psicologia é “palavras da alma”

Isso é tremendamente belo porque afirma que todas as almas, e não apenas as de Jung e Freud, falam. E mais: a alma é monoglota, só fala uma língua, a língua do amor.

Vivi em Corinto, na Grécia. Terra de São Paulo.

Pude compreender, pisando aquele chão sagrado, o significado de seu sermão aos habitantes daquela inesquecível cidade. “Ainda que eu fale a língua dos homens e dos anjos, mas se não tiver amor nada sou…”

É um psicólogo de mão cheia! Isso coincide com a opinião de Freud, Jung e Reich, quando lhe perguntaram o que era mais importante na vida: o amor e o trabalho.

Lembro de minha experiência como professor. Meus alunos não se sentiam pessoas capazes de fazer tão boa psicologia como a dos pioneiros do século XIX.

Mas, por um processo de trabalho pessoal, eu pude fazê-los notar que basta abrir-se para o mundo interior e o milagre começa a acontecer, a fonte viva do conhecimento brota com toda intensidade.

Um pouco de disciplina interna com uma pitada de narcisismo, temos a receita certa para você se transformar na pessoa mais importante do mundo e do seu mundo.

E quando você se sente assim, é natural, que veja outros da mesma forma.

Isso é muito diferente de egoismo e de hipocrisia.

O ato de amar não é um esforço mas algo que se aproxima de você gratuitamente. Quanto mais íntimo da alma, mais o amor jorra de dentro de você.

CA = Sempre tive a impressão de que o mundo esotérico divulgou mais a psicologia analítica do que o meio acadêmico. Você concorda com isso? Qual sua opinião a esse respeito?

JR = Talvez. O mundo esotérico esta cheio de pessoas sensíveis e isso faz com que Jung seja uma fonte viva de inspiração.

A universidade é mais dominada por um tipo de paradigma que tem seus dias contados. Está à beira da morte.

O paradigma da espiritualidade e da transcendência que Jung propõe é muito mais atual e responde muito melhor às inquietações de nosso tempo e da vida na Terra.

A ecologia psíquica promovida por Jung e seu grupo inicial é uma espécie de cilindro de oxigênio num mundo onde a ganância, o ódio e a guerra querem ser a última palavra.

Embora não me situe entre os esotéricos acho maravilhoso que eles possam existir, mesmo que ache estranho alguns de seus conceitos.

Falam do invisível e não raro o que não se vê é muito mais forte e importante do que se encontra sob a luz do dia.

CA = Que autor que tenha enveredado pela psicologia analítica você acha que deu prosseguimento à obra de Jung? existe algum?

JR = Como disse, a obra de Jung é de Jung. Ninguém pode realizar a obra dele.

Escreveu para se libertar de suas neuroses e mesmo de uma psicose.

Teve um tremendo sucesso nesse empreendimento e por isso se tornou uma espécie de referencial, de bússola para aqueles que foram atingidos por dentro.

Agora se entendermos a obra de Jung no sentido amplo, então eu diria, a obra dele é a obra de todas as vidas, isto é, cada um deve fazer a sua própria vida com toda honestidade possível e levá-la adiante tão bem quanto possível.

Foi isso que esses homens impressionantes fizeram, Freud, incluso.

Se há algo que eles nos ensinam, para mim, esse algo é isso: viva a sua vida com atenção interior e faça de você mesmo o grande mistério a ser desvendado.

Se houvesse uma educação para o conhecimento da alma os antidepressivos desapareceriam do mundo!

CA= Qual foi sua sensação ao entrevistar Franz Jung, o filho de Carl Jung?

JR = Como disse no ínicio dessa entrevista, logo depois de ler os Fundamentos e iniciar a minha análise com Byington, ocorreu-me uma série de sonhos com Jung.

Eu imaginava, naquela época, que aqueles sonhos eram apenas simbólicos. E tinha boas razões para isso.

Era pobre, nem mesmo tinha dinheiro para pagar a minha análise, tinha chegado do nordeste e a Europa era um lugar tão distante que eu nem mesmo poderia imaginar que um dia pisaria o velho continente.

Mas ocorre que fui parar em Zurique, dez anos depois dessa história. Estava a trabalho pelo ISER – Instituto de Estudos da Religião.

Por motivos que não revelarei aqui, decidi telefonar para casa de Jung. É claro que não pedi para chamá-lo. O homem estava morto quando eu tinha apenas 3 anos.

Mas falei com seu filho, Franz Jung. E lá pelas tantas ele me perguntou se eu não gostaria de beber um chá na biblioteca privada de seu pai em Küsnacht.

E, “de repente”, meus sonhos se realizaram. Eu estava lá folheando os velhos livros de alquimia do mago, olhando suas coisas, seus papéis.

Num determinado momento Franz me levou até o gabinete do pai e me mostrou alguns manuscritos ainda inéditos.

Sentei em sua escrivaninha e tive a sensação de que Jung estava ali, naquela casa e sentia-se feliz por eu ter ido “devolver” as visitas que fizera à minha casa onírica no Rio de Janeiro.

Não sei dizer se isso é real ou não. Mas isso tem pouca importância. As coisas aconteceram assim e fazem sentido para a cultura de minha alma.

Tenho um grande sentimento de gratidão por Jung e tenho nele um grande amigo. Não acho que seja um deus.

Conheço bem as sua confusões e as tolices de sua vida e o que mais me encantou nele, como de resto em Freud também, foi exatamente seu lado humano e sua capacidade em transformar dor em conhecimento.

CA = No livro as Mulheres na Vida de Jung você foi o autor de um dos capítulos. Poderia resumir para os nossos leitores a sua percepção do feminino em Jung?

JR = Jung não entendia muito de mulheres mas era um grande amante.

Pelo menos é isso o que uma das mulheres de seu extenso harém diz dele em seu Diário pessoal. A russa Sabina Nicolaiev Spielhein.

Conversei com Aldo Carotenuto em Roma. Ele encontrou os documentos que comprovam a ligação amorosa entre Jung e sua ex-paciente. Acho que minha entrevista com ele está disponível no Meio do Céu.

Não sou astrólogo mas acho que os leoninos são um pouco mulherengos. Se encantam com a beleza feminina e isso porque o feminino, embora seja um princípio, cai muito melhor nas mulheres do que nos homens.

Elas são mais intuitivas e podem ver através das coisas com muito maior facilidade. Acho que isso fascinava Jung.

Ademais, ele era um homem normal como qualquer um. Pode ser que tenha perdido a lucidez algumas vezes, mas quem nunca fez o mesmo sob a força do amor?

CA = Que conselho daria aqueles que desejam enveredar pelo estudo de Jung?

JR =

Acho que Jung foi perfeito quando lhe fizeram a mesma pergunta: Estudem tudo, leiam em todos os campos do saber, mas quando estiverem diante de alguém que sofre, esqueçam todo o conhecimento acumulado e tornem-se absolutamente sensíveis aquele mundo que está alí. É perfeito.

A vida não é só feita de razão. Ela é muito mais poesia, sonho.

Perdemos tempo e as vezes até a vida, preocupados com coisas que não são nada, que não valem nada e o essencial é desperdiçado.

Quando descobrimos a vida secreta da alma, tudo é preenchido e nada falta.
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material originário do antigo site Meio do Céu - Claudia Araujo, hoje denominado Grupo Meio do Céu - Claudia Araujo e composto por diversos novos colunistas. Essa é uma maneira de preservar o material do antigo site, assim como homenagear aqueles que não mais escrevem no site e/ou não mais estão entre nós nesse plano da existência. Claudia Araujo

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