Concentração

Concentração

(originalmente postado em 12 de julho, 2015)

Após ganhar vários torneios de Kyūjutsu (Kyūdō, a arte de arquearia japonesa), o jovem e porém arrogante campeão resolveu desafiar um mestre Zen. DE fato, um mestre que era renomado pela sua capacidade como arqueiro.

O jovem demonstrou grande proficiência técnica quando acertou na mosca um distante alvo na primeira flecha lançada, e ainda foi capaz de dividi-la em dois com seu segundo tiro.

“Sim!”, ele exclamou, jubilante, para o velho arqueiro. “Veja se pode fazer igual!”, fanfarreou.

Imperturbável, o mestre não preparou seu arco, no entanto, em vez disso fez sinal para o jovem arqueiro segui-lo montanha acima.

Curioso sobre o que estava tramando aquele velho, o campeão seguiu-o cada vez mais alto até que eles alcançaram uma fratura profunda na encosta montanhosa.

Essa fratura era atravessada por tanto por uma frágil quanto pouco firme viga de madeira, com não mais do que meros dois ou três palmos de largura.

Calmamente caminhando sobre a insegura e certamente perigosa pinguela, o velho mestre tomou como alvo uma larga árvore longínqua. Esticou seu arco, e acertou um claro e direto tiro.

“Agora é sua vez,” ele disse enquanto suavemente voltava para solo seguro.

Olhando com terror para o profundo abismo negro aparentemente sem fim, o jovem não pôde forçar a si mesmo caminhar pela viga, muito menos acertar um alvo de lá.

“Você tem muita perícia com seu arco,” o mestre disse, percebendo a dificuldade de seu desafiante, “mas lhe falta o equilíbrio mental, o desprendimento que somente uma mente livre possui.”

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Comentário:

Compreende o ensinamento?

Ele não está na beleza estética e marcial da arte Kyūjutsu.

Não está na virilidade pueril do jovem arqueiro.

Não está sequer no alvo a ser atingido; o real ensinamento está naquela viga, fragilmente equilibrada nas encostas do profundo abismo da ignorância humana.

Em um lado, a segurança de nossa zona de conforto. Do outro lado, a liberdade da entrega completa ao ciclo da existência, para melhor ou pior.

No meio, o desafio de caminhar passo a passo entre a continuidade ou o fim.

E o mestre zen, o sábio que abandonou há muito a loucura do egoísmo, é a verdadeira flecha a apontar para a nossa mais crua realidade: temos medo de perder o controle.

Tememos perder as pequenas ilusões que nos fazem parecer poderosos, belos, bem-sucedidos, felizes.

Ah, se pudéssemos caminhar naquela prancha!

Se tivéssemos apenas a coragem de dar um passo completo sobre o abismo! Mas não adiantaria a imprudência.

Pois, sem uma mente vazia de expectativas, sem uma mente liberta do fardo de nossos vícios de hábito e ilusões, perderíamos o equilíbrio.

O mestre não faz um desafio insensato.

Ele não nos convida a pisar na ponte com a mente pesada devido aos nossos autoenganos e ignorâncias.

Ao contrário, ele apenas levanta o véu de nossa estupidez para nos revelar a assustadora verdade (terrível verdade!): nós já estamos caminhando em uma estreita via, e nem mesmo percebemos isso.

O abismo já está a nos envolver, mas tolamente fingimos que caminhamos na ilusória solidez de nossas certezas.

Deixe estar. O desafio permanece.

E quem já viu o abismo, decerto sabe que o tempo rapidamente se esvai e a oportunidade se perde…

Por favor, pratique. Acorde. Liberte-se, e caminhe em paz pela senda da consciência.

Monge Kōmyō




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Monge Komio

Mestre em Ciência das Artes, Artista Plástico, Escritor, Monge Zen Budista (Templo Daissen-ji / SC). https://www.facebook.com/zenniteroi/

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