Conto sufi – As cidades parte V
Conto sufi – As cidades parte V
“Preso de temor, vi que estava livre de todos os meus desejos.
Gritei e chorei. Em meu desespero, teria chamado Ele, e dito:
“Oh Senhor!”
Teria dito então:
– Eu e Ele, meu ser é Uno, de quem procurava ajuda, o querer e o Querido, o desejo e o Desejado, o amante e o Amado. Oh! tantos!
Eu não conheci o remédio.
Meus desconsolados lamentos atraíram a piedade do Anjo da inspiração a quem seu Senhor havia encarregado do ensinamento dos amantes.
Com a permissão de seu Senhor, li o livro da Divina Inspiração:
“Primeiro aniquila tuas ações”.
Ele o entregou como um presente, quando estendi minha mão, para pegá-lo vi que não havia tal mão.
Era uma composição de água, terra, éter e fogo.
Eu não tinha mão para pegá-lo, eu não tinha poder para atuar.
Existe só um que tem poder, o Todo-Poderoso.
Qualquer ação que ocorra através de mim, pertence ao Ator Absoluto, todo poder, todos os atos, eu os referia à Ele, deixava tudo, o que ocorria para mim e através de mim, neste mundo.
Eu sabia já que havia sido instruído pelo Anjo da inspiração, o que constitui a aniquilação das próprias ações.
À Alá, se deve todas as relevâncias.
A prova da necessidade de se despojar das próprias ações no sendeiro da verdade, está no versículo do Sagrado Corão
# Qul Kullun min ainda Llanit #
# De, toda (ação) é deste Alá #
(Surah)
Eu sou iletrado e não tenho recebido ensinamentos, no entanto,
Alá O Mais Alto,
em sua manifestação da Verdade Final, me tem presenteado com a habilidade e o poder para ensinar.
Já que o que aqui está relatado são acontecimentos que ocorreram comigo, experiências que trouxeram um estado de mente e de espírito, como tem sido dito
# Al – Halu la yu rafu bil – gal #
– os estados não podem se dizer em palavras, não se podem expressar de forma que os outros possam apreciar ou imaginá-los.
Desejei, com permissão de Alá, e com ajuda do Anjo da inspiração, me desprender de meus atributos – aquelas qualidades que fazem a própria personalidade.
Quando olhei, o que via, não era meu.
Quando eu falava, o que expressava não era meu, nem tampouco era meu o conteúdo.
Totalmente impotente, fui desmembrado de todos os meus atributos, visíveis e invisíveis que me distinguiam de todas as qualidades exteriores e interiores que haviam feito de mim o que era “eu” .
Com todo o meu ser, meus sentidos e meu espírito, eu supus ser uma pura essência.
Percebi então, que ainda isto era dualidade.
Que devo fazer?
Qual a relação que tenho com algo que não me pertence?
Novamente estava impotente.
Ainda minha essência não me foi tirada.
Mais ainda eu o desejava.
Senti o significado de # Wa talibu ay ni abdi #
– aquele que Me deseja se torna Meu verdadeiro servidor para com este eu dentro de mim
Esse eu dentro de mim está aflito, eu não sei o que fazer.
Me desfaleço, pois minha esperança foi posta nessa união.
# Wa Llahu bi kulli shay ‘ in muhit # — Alá é quem abrange todas as coisas.
# huwal—awwalu wal – akhiru waz – zahiru wal—batinu wa huwa bi kulli shay in alim # — Aquele que é Antes do antes e depois do depois de tudo o que é evidente e de tudo o que é oculto, e Ele é o Conhecedor de toas as coisas – se Fez manifesto no segredo de meu coração.
Contudo, desejei que o segredo # mutu qablq an tamutu #, o morrer antes da morte, se fez realidade em mim.
Oh! desgraça,
novamente está escondida a dualidade do “Eu ”
e aquele que desejo.
Isso no entanto não pode ser verdade.
Que doença é esta, que dá espetadas de dor quando me movo, quando desejo, quando peço ajuda, quando oro, ou quando rogo?
Que estranho estado é esse que eu caí, tão difícil de resolver?
Em desalento, entreguei tudo aquilo ao seu proprietário.
E aguardei no portal do consentimento em agonia de morte, sem sentido, sem pensamento nem percepção, como se estivesse morto, como se a morte me tomasse a cada respiração.
Permaneci nesse estado não sei por quanto tempo.
Seguindo o conselho de Ystafid Galbaka
– “pergunta ao teu coração”.
Eu disse ao meu coração que me instruísse.
Me disse: “enquanto existir, um resto de ti em ti, não pode escutar o chamado de teu Senhor”
* Irji * — “Venha a mim!!!”.
Se um gato caísse dentro de um buraco de sal e se afogasse, com o tempo seu corpo se converteria em sal, se restasse somente um único pêlo, poderia esse sal ser usado como alimento?
A quanto e por quanto tempo debatem e discutem os teólogos tais matérias?
Alguns dizem, que apesar de um único pêlo, o sal está limpo, que o cadáver do gato é agora o sal.
E alguns dizem, que o único pêlo é como se fosse o gato de corpo inteiro.
Portanto, o sal está sujo e é contra a lei comê-lo.
Eu senti a verdade nisso e desejei que esse vestígio em mim, morresse.
Tomei esse vestígio e o submergi na beatitude divina, o êxtase chega desde mim à mim, por cima daquilo que era meu, cobrindo-o todo, o sabor do qual é impossível descrever.
Sem ouvidos, sem palavras, sem letras, eu escutei o convite:
* Irji *–” Ven.”
Tentei pensar, “Qual é este estado? ”
Meu pensamento não podia pensá-lo.
Se me fiz saber que o pensamento não pode pensar sobre o sagrado segredo.
Ainda esse conhecimento foi afastado de mim tão rápido como havia chegado.
Oh buscador,
o que foi dito aqui não pretende mostrar que eu sei, portanto, se te fará conhecer somente depois que eu me tenha ido de entre vocês.
É para o benefício dos buscadores da verdade, para os amantes que desejam o Amado, de forma que os ajude a se conhecerem a si mesmos, de forma que possam encontrar em qual das cidades através das quais eu viajei, estão eles mesmos, e com qual dos cidadãos estão fazendo amizade.
Quando, e sim, em sinceridade eles conhecem o lugar onde se encontram, atuam, e em consequência, saberão a direção da porta da complacência de Alá, e estarão agradecidos.
Tomara que eles possam se lembrar desse faquir, o escritor dessas palavras, com uma pequena prece.
A paz de Alá, e suas bênçãos estejam sobre o escritor original dessas palavras *Al Fatihah* ”
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