Stigmata, um filme religioso ou psicológico? III

Stigmata, um filme religioso ou psicológico? III

Paulo C. de Souza

Cena 6

A cena abre com uma ambulância na chuva.

Ademais, o filme foi todo locado na chuva e só no final, na redenção de Frankie, então, o tempo abrirá.

Podemos ver a chuva como o tema do inconsciente, mas desta vez vindo do céu, enviado por uma força superior.

No hospital, Frankie dá um grito e volta a sua consciência, numa atitude desperta, contrária ao estado de possuída.

Volta para casa e encontra goteiras em vários locais.

A amiga Donna faz-lhe companhia e sente o cheiro de flores no ar.

O cheiro de flores é um fenômeno comum aos estigmatizados.

Dessa maneira, Frankie Paige, personagem central da trama, nos mostra o ‘Caminho da Individuação’.

O caminho, ou melhor a exacerbação do caminho, geralmente começa com um fato contundente, provavelmente vindo do inconsciente.

O personagem feminino certamente é uma pessoa comum, não religiosa, que evolui até ser comparada com São Francisco de Assis.

O diretor aproveitou o fato histórico do santo ser o primeiro a receber estigmas, para compará-lo com a jovem.

Assim,  a jovem Frankie começa o processo de Individuação levando uma vida tola e acaba nos jardins como São Francisco.

Nesse caminho passará pelos cinco símbolos dos estigmas, a saber:
o pulso/mão como persona, as costas como a sombra, a cabeça como intelecto, os pés como consciência do mundo e o fígado como Self (em épocas passadas era mais representativo neste aspecto do que o coração).

Cena 7

Em Roma surge o padre Gianni Delmonico, outro tradutor das escrituras e um dos três da fotografia do início do filme.

O padre Andrew fala das suas dúvidas na busca por milagres, como uma prévia para o diálogo mais desenvolvido que vai ocorrer com Frankie.

Padre Gianni está traduzindo um evangelho do século II. Ele Fala de 35 evangelhos encontrados; contudo, só temos quatro no Novo Testamento.

Coincidência ou não, o padre Gianni ao falar dos evangelhos diz: “eles são, Memórias, sonhos, reflexões…”, que é o título do livro de memórias de Jung.

Os evangelhos para tradução são divididos entre três grupos de religiosos: dominicanos, franciscanos e jesuítas.

Com o motivo básico de exercer um controle do saber, o que chega até os dias de hoje.

O texto “Evangelho de Tomé”, ao qual o filme se refere, faz parte de treze códices e foram encontrados em Nag Hammadi, próximo ao mosteiro de São Pacômio, no Egito.

Muhammad Ali e seus colegas procuravam fertilizantes orgânicos quando encontraram um vaso lacrado com códices de papiro.

Ele foi descoberto em dezembro de 1945, mais precisamente no sopé do rochedo de Jabal al-Tarif que margeia o Nilo.

O evangelho estava escrito em língua copta. A qual é uma língua egípcia do tempo dos romanos e consta do Códex número 2, na posição de segundo livro.

O formato do livro é o de sentenças e parábolas ditas por Jesus. Ele está dividido em 114 logins ou sentenças e sua autoria é atribuída a Judas Tomé, o Dídimo.

Logo notamos que as três palavras possuem o significado de gêmeo nas línguas hebraico, aramaico e grega, respectivamente.

Vários estudiosos acreditam que o escrito original estava em grego, entanto, alguns poucos acham que ele foi escrito originalmente em aramaico ou siríaco.

Outros afirmam que se trata de um evangelho escrito por seguidores de Mani, como Cirilo de Jerusalém (Catequeses 6,31).

Hipólito de Roma, século III cita em sua “Refutação de todas as heresias” (5.7.20-21) um Evangelho de Tomé dos Naassenos ou Ofitas.

O local mais provável de sua elaboração deve ter sido em Edessa (Urfa), na Síria, no século I.

De certa maneira, o Evangelho de Tomé mostra Jesus como seguidor da linha filosófica dos Cínicos.

Por conseguinte, a descoberta de Nag Hammadi foi um acontecimento marcante na vida de Jung.

Devemos lembrar que o Códice I de Nag Hammadi, depois de insistentes buscas e contatos de C. Meier, foi comprado com o patrocínio de George H. Page.

Em 15 de novembro de 1953, em Rüden, na Suíça, o Instituto Jung de Zurique, pelas mãos do próprio Jung, recebeu o Códice número I da biblioteca de Nag Hammadi.

Desde então, passou a chamar-se Códice Jung.

O Códice Jung

No Códice Jung encontramos cinco livros e o mais apreciado por ele é o ‘Evangelho da Verdade’.

Trata-se de um texto da Escola Valentiniana, provavelmente do século II d. C.

Depois de traduzido e publicado, o Códice de Jung saiu do Instituto C. G. Jung, em Zurique, e foi levado para o Museu Copta, do Cairo.

Jung escreveu uma carta para Freud (referência 269) datada de 29 de agosto de 1911. Nessa carta, ele declara sua busca de inspiração no gnosticismo e cita a figura de Sophia, da Cosmogonia de Valentino.

No presente artigo não vamos estudar o Evangelho de Tomé pois foge ao nosso propósito. Por conseguinte, quando o texto de Tomé aparecer no filme, será comentado no contexto geral.

Cena 8

Frankie, na chuva, volta ao trabalho.

De dentro do salão tem a visão de uma mulher com o bebê, enrolado em um pano vermelho.

De novo aparecem as pombas.

A mulher está com capa azul claro e de capuz, ela chora enquanto oferece o bebê.

Logo depois ela deixa a criança cair na rua, como não agüentando o peso e o sofrimento ou por não ter ninguém que a receba.

Nesse instante, Frankie corre atrás da imagem e só encontra o cobertor vermelho.

Donna a leva para casa.

Mais uma vez surge o simbolismo da maternidade bem como da concepção, da busca pelo criativo, o que de certa forma Frankie ainda está evitando.

Os aspectos psicológico e religioso ou a busca do ‘Mito Pessoal’ podem ser trabalhados como o recebimento de um chamado, tal como ocorreu com a jovem Frankie, convocada para trilhar um caminho para o Self ou o divino.

Frankie inicialmente não tem consciência do início do seu ‘processo de individuação’.

Assim como o personagem Jó, da Bíblia, que também não sabia de início do porquê do seu sofrimento.

Parece-me que o inconsciente ‘provoca reações’ em pessoas que possuem em seu âmago alguma ‘semente’ que está pronta para ser trabalhada.

Assim, a semente é então encharcada e depois fica em repouso no seio da mãe terra.

Só depois de morrer e putrificar é que surgem os primeiros brotos que rasgam a terra em busca da luz do sol.

Decerto todos nós já fizemos na escola primária aquela experiência com o ‘feijão no algodão com água’ e muitos reconhecem aí a base do processo alquímico de transformação.

Cena 9

A cena abre com Frankie e Donna no Metrô indo para casa.

No instante em que Frankie avista um padre e duas freiras, a visão do eclesiástico a descontrola.

Por isso, ela vai até o padre Durning e pergunta pelo padre Andrew Kiernan até o momento não tinha ouvido falar dele.

Em seguida, Frankie arranca o crucifixo de uma das freiras jogando-o longe.

O trem acelera.

Neste momento ocorre o segundo Estigma, ou seja, as chicotadas nas costas.

Como já foi citado acima podemos ver as lesões nas costas como a nossa ‘sombra’.

Certamente, algo que está atrás de nós, que não vemos, só pressentimos.

Anteriormente, as máculas foram nas mãos que é nossa expressão maior.

É a nossa comunicação com o mundo exterior, o motivo de nossa evolução, nossa ‘persona’ como nominou Jung.

Precisamos evidentemente identificar a máscara que usamos e depois perceber o escuro da nossa alma para depois prosseguir na senda a nós destinada.

Cena 10

A cena abre com Frankie no hospital suturando as costas.

Ela pergunta ao médico se estava grávida, porém  recebe uma negativa,  confirmando o que já falamos acima.

Em seguida, são realizados uma série de exames médicos.

Então, a figura do padre Andrew vai se entrosando com a de Frankie por meio de imagens.

O padre reza uma missa e as tomadas são intercaladas com os exames no hospital.

A alusão a hóstia como corpo do Senhor e a do vinho como Seu sangue é bem clara.

É o velho tema da antropofagia dos pagãos, em que o inimigo era comido para se adquirir sua força, que a igreja aproveitou para a figura de Cristo.

Ficamos também inclinados a ver o sofrimento de Frankie como um recebimento da graça de Cristo.

O médico atendente diz para Frankie que a sua doença parece epilepsia.

Mas na saída do hospital, o padre Durning fala da possibilidade dos estigmas.

Nesse momento, Frankie começa a perceber o que está lhe ocorrendo, mas possui a atitude de negação inicial do encontro com ‘forças estranhas’.

Ela tem de um lado a ciência médica rotulando um fenômeno estranho ao seu conhecimento.

E, de outro, a igreja rotulando um fenômeno ‘numinoso’ como se fosse uma coisa muito comum de acontecer.

As duas beiram ao ridículo e deixam o sofredor ainda mais confuso.

A cena corta para o Vaticano.

O cardeal constata que a Santa Sé não possui igreja nem tampouco um padre em Belo Quinto.

O cardeal fala do incidente no metrô e envia Andrew à Pennsylvania devido a uma notícia constrangedora no jornal.

A crise da igreja, de todas as igrejas, pode ser abordada por um lado psicológico.

Mentira, corrupção, falta de ética e a procura dos valores espirituais fora do indivíduo, podem ser vistos como a falta de consciência do homem.

Enquanto nós não sairmos da inconsciência, mesmo que lenta e paulatinamente, não vamos desenvolver nossa religiosidade.

A área abordada seria mais para ‘psicologia sociológica’ e o tema ainda provoca muitas projeções e desentendimentos.

Teríamos que falar do gnosticismo como história e força éticas e poderíamos nos perder.

Cena 11

Frankie mais uma vez retorna ao trabalho, sempre com chuva.

As clientes começam a ter medo de suas manifestações e se afastam com receio de uma possível contaminação.

Dessa maneira, podemos nos lembrar da nossa lenda amazônica do ‘Boto’.

Onde o desconhecido, o mal, a sombra têm que ser personificados e temidos para se lidar com eles de uma forma mais confortável.

Andrew vai ao salão, corta cabelo com Frankie e ao revelar seu nome assusta a jovem.

Cena 12

Em seguida, os dois vão tomar café.

Andrew fala dos estigmas em pessoas católicas e devotas relatando que o primeiro e principal estigmatizado foi São Francisco de Assis e diz:

“Todo estigmatizado é assombrado por essa dor espiritual intensa… São tomados por suas visões do mal.”

Frankie se diz atéia e por conseguinte não católica.

Andrew estava por desistir de sua investigação quando Frankie mostra os pulsos.

Nesse momento revela que sua idade é de 23 anos, a mesma que São Francisco de Assis tinha ao receber os estigmas.

Em seguida mostra um papel que escreveu em italiano, onde diz:“Parte um pedaço de madeira e ali estarei, ergue uma pedra e me encontrarás”.

A citação é do Evangelho de Tomé e está no login 77.

Nesta etapa do filme o padre ainda não conhecia o evangelho de Tomé, mas fica impressionado.

Entretanto, sua ‘persona’ eclesiástica ainda nega ajuda a jovem.

Frankie vai embora pois não pode ser ajudada.

Chega em casa e a água continua pingando.

Estuda sobre epilepsia e também sobre figuras católicas com estigmas.

Aparece nitidamente o conflito interno que leva as pessoas a evoluírem.

Ouve ou lembra a mensagem: “Quanto mais próximo de Deus… mais sujeitas ficam ao tormento de seus demônios”.

Ainda relevante é o fato de Jung ter escrito um livro intitulado “Sete Sermões aos Mortos”, em 1916.

Com uma linguagem gnóstica e a assinatura de Basílides no lugar da sua.

Embora, este, não foi publicado durante sua vida (só distribuído aos amigos).

Jung escreveu como um gnóstico da época da composição do Evangelho segundo Tomé.

Que segundo algumas fontes pode ter sido escrito por Valentino ou alguém da sua escola.

A linguagem do livro foi toda gnóstica e poderia pertencer a época do Evangelho segundo Tomé.

Jung também escreveu uma obra de inspiração gnóstica chamada “Aion”.

Nela desenvolve o simbolismo de Cristo e do Si-mesmo com grande profundidade.

Numa abordagem parapsicológica, a vida de Jung está cheia de acontecimentos impressionantes.

E, desde cedo em sua vida Jung participou direta ou indiretamente de fatos inexplicáveis.

Por exemplo, em sua casa materna, faca e móvel rachavam sem motivo aparente.

Podemos ainda citar a sua tese para de obtenção  do Grau de Doutor em Medicina, “Sobre a psicologia e patologia dos fenômenos chamados ocultos”, como uma tendência precoce pelos fenômenos sobrenaturais.

Esta seria uma linha para avaliar o Jung como pessoa e seus escritos mais tardios.

Em princípio, o assunto foge do artigo e também da psicologia profunda e das teorias junguianas clássicas.



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