Os doze trabalhos de Héracles – uma visão astrológica V

Os doze trabalhos de Héracles – uma visão astrológica V

Héracles, nascido Alcides, havia cometido um crime horrível após ser arrebatado por Lyssa, a Raiva e matado sua esposa Mégara e seus três filhos.

O Oráculo de Delfos vaticina que ele deveria se colocar à disposição de seu primo Euristeu, rei de Micenas, por doze anos.

Neste período ele executa o que ficou conhecido como os doze trabalhos de Héracles para que pudesse se redimir de sua falha grave.

Vamos agora prosseguir em minha visão sobre a correspondência entre os trabalhos e os signos do Zodíaco, discorrendo sobre os últimos três signos.

10. Capricórnio – Os Bois de Gerião

Roubou os Bois de Gerião, filho de Crisaor e, portanto, neto da Medusa, um gigante de três cabeças que se apoiavam em um corpo tríplice, mas somente até os quadris. Ele habitava a ilha de Eritia que ficava onde o Sol se punha, após o estreito de Gibraltar.

Possuía um grande rebanho de bois vermelhos e Euristeu pediu que Héracles trouxesse o gado até Micenas. O rebanho era guardado pelo pastor Eurition e por Ortro, um monstruoso cão de duas cabeças, irmão de Cérbero e da Hidra de Lerna.

Para chegar lá, Héracles teve que atravessar o deserto da Líbia, onde os raios do Sol eram tão quentes e o calor inclemente, que o herói ameaçou atirar suas flechas contra o deus Hélio, o condutor do Sol.

Este, apavorado, lhe emprestou sua Taça de Ouro, um meio de transporte gigantesco que o conduzia do ponto onde o Sol se punha até o local onde ele nasceria novamente.

Chegando a ilha de Eritia, enfrentou o cão bicéfalo Ortro, filho de Tiphon e Equidna, que foi morto com golpes de clava, sendo que o mesmo aconteceu com o pastor Eurition.

Por fim, surge Gerião brandindo três lanças e três escudos, mas no confronto ele foi morto a flechadas. Então Héracles reuniu o gado e o colocou na Taça de Ouro para cruzar o oceano e chegar em terra firme, quando iniciou seu caminho de volta.

No estreito que separa a Europa da África, nosso herói ergueu duas colunas, uma de cada lado, que passaram a ser chamadas as “colunas de Héracles!”. Ele foi atacado por bandidos várias vezes durante o trajeto e a duras penas chegou a seu destino.

No Lácio, por exemplo, ele foi atacado pelo por Caco, filho de Hefestos, um ser hediondo que vivia numa caverna no monte Aventino. Ele roubou dois touros e quatro novilhas durante a noite e os levou para sua caverna. Héracles foi procurar o gado e ouviu seu mugido, então penetrou na caverna e matou Caco.

Hercules killing Cacus, Hendrick Goltzius, 1588

Quando chegou no Peloponeso, Hera enviou um enxame de moscardos que enlouqueceu o rebanho e os bois se dispersaram. Hercules os perseguiu e cercou de todos os modos, mas só logrou capturar uma parte, que entregou a Euristeu.

Aqui vemos nosso herói transportando um rebanho para o rei e sendo acossado por ladrões que cobiçavam o gado. Naquela época o gado era muito valioso, tanto que a palavra pecúnia (dinheiro, riqueza) tem como radical “pecu”, que significa rebanho.

O gado era utilizado para pagar o dote de donzelas das cortes, algo que trazia elevação de status social. O signo de Capricórnio tem seu início no Zenith, lembrando ascensão social, ambição, conquistas materiais, tudo isto com cautela, trabalhando a médio e longo prazo.

A ascensão social quase sempre provoca o esquecimento da família, do cônjuge e até de seu próprio corpo, de sua condição física. Estes componentes só serão lembrados se forem úteis para ajudar a manter o status quo, como um jantar em sua casa para alguém importante.

Sendo signo de elemento terra da modalidade cardinal, todas as suas ações serão voltadas para questões práticas e objetivas, buscando a eficiência e a excelência, visando a manutenção ou elevação de sua posição nos meios profissional e social.

Hercules carrying off the Cattle of Geryon, Gabriel Salmon, 152

11. Aquário – O Javali de Erimanto

Capturou vivo o Javali de Erimanto, um monte na região da Arcádia, que devastava os arredores. A tarefa consistia em trazer vivo o animal e antes de partir, nosso herói aconselhou-se com o deus Apolo quanto à melhor maneira conseguir seus intentos.

O deus lhe falou que o animal era do deus Ares, sendo também muito caro à sua irmã, a deusa Ártemis. Disse-lhe Apolo que a melhor maneira de enfrentar o monstro e de vencê-lo era a de lutar sem lutar.

Ele atravessou toda a Arcádia e antes de chegar a Erimanto, atingiu as florestas de Fóloe, um local habitado por centauros. Ali foi gentilmente recebido pelo centauro Folo que lhe ofereceu carne e vinho.

Os centauros eram filhos de Ixion e de Nephele, a Nuvem, com exceção de Quiron (filho de Cronos e de Filira) e de Folo (filho de Sileno e de uma ninfa Melíade), que se distinguiam dos outros, o primeiro por sua grande sabedoria e o segundo por sua grande bondade. Os demais eram todos selvagens.

O cheiro do vinho atraiu outros centauros, que após beberem ficaram ensandecidos, o que provocou uma luta feroz entre eles e Héracles. Este os perseguiu até a caverna de Quiron, que foi acidentalmente ferido por uma de suas flechas envenenadas.

Hércules derrotando os centauros, Jacob Van Campen, 1645-50

Como era imortal, Quiron, filho de Cronos e Filira, não poderia morrer, mas ele também não conseguiu curar a ferida apesar de toda sua sabedoria e conhecimento, então o grande mestre ficou conhecido como o curador ferido, sofrendo dores terríveis.

Em outra ocasião, Héracles encontra o Titã Prometeu acorrentado no Cáucaso por ter roubado o fogo dos deuses e o entregado aos homens. Todo dia um abutre comia seu fígado, que se reconstituía a noite para ser devorado no dia seguinte e assim por diante.

Nosso herói pede a seu pai Zeus se poderia ser feita uma troca, com Quiron indo para o mundo dos mortos e Prometeu retornando ao mundo dos homens, no que foi atendido pelo Senhor dos Deuses.

Voltando para seu trabalho, Héracles lembra-se do conselho de Apolo e sobe o monte Erimanto. Por fim, ele localizou o javali em seu covil. Com gritos poderosos fê-lo sair de sua toca e o javali passou a persegui-lo.

Ele foi recuando e subindo ao mesmo tempo, somente se defendendo e atraindo o animal para uma região nevada que cobria o alto do monte. O Javali acabou atolando na neve, exausto, então Héracles conseguiu capturá-lo e o transportou até Micenas.

Euristeu, ao ver o animal no ombro do herói, teve tamanho medo que foi se esconder dentro de um caldeirão de bronze. As presas do animal foram mostradas no templo de Apolo, em Cumas.

O javali é um animal extremamente agressivo, basta lembrar Adonis, um jovem belíssimo e amante de Afrodite. Ele insistiu em ir à sua caça e acabou morto, para desespero da deusa do Amor e da beleza. No local onde morreu nasceram anêmonas.

Este animal também está relacionado com a tradição hiperbórica, com o paraíso perdido da Ilha dos Bem Aventurados. Neste sentido, o javali configuraria o poder espiritual em contraposição com o urso, símbolo do poder temporal.

O signo de Aquário é representado por um aguadeiro celeste, aquele que derrama a sabedoria sobre a humanidade. Ideais de liberdade, de fraternidade, de igualdade, de camaradagem, de um grupo identificado com um ideal são de Aquário.

Sendo um signo do elemento Ar, sua grande força está na inteligência, tanto que neste trabalho ele não usa a força física e sim a astúcia. Por outro lado, é um signo gregário, tanto que ele foi muito bem recebido pelo centauro Folo.

Hercules and the Erimanthian Boar, Lucas Cranach the Elder, after 1537

12. Peixes – A captura de Cérbero

Trouxe do mundo dos mortos o cão Cérbero, filho de Tiphon e Equidna, um imenso cão de três cabeças que guardava a entrada do mundo inferior, deixando as almas entrarem, mas jamais saírem.

Por ordem de Zeus, ele recebeu a ajuda de Hermes, o deus psicopompo, o único que tinha permissão entrar e sair do reino de Hades. Por sugestão de Palas Atena, ele já havia procurado informações no Santuário de Eleusis, onde tomou conhecimento que as almas que lá chegavam passavam por um julgamento para saber qual seria o seu destino.

Os juízes eram Minos, Radamanto e Eaco e decidiam para qual parte do mundo inferior a alma iria: caso fosse um criminoso, iria para as profundezas do Tártaro; caso tivesse tido uma vida medíocre iria para o Érebo, onde ficaria vagando eternamente e caso tivesse tido uma vida venturosa, iria para os Campos Elíseos.

A iniciação de Héracles nos mistérios de Eleusis era imprescindível para que ele pudesse ter outro entendimento sobre a morte, aceitando-a um fato natural e não algo aterrorizante.

Héracles desceu por uma caverna no cabo Tênaro, na Lacônia, enfrentou o barqueiro Caronte que, vencido, foi obrigado a transportá-lo pelo rio Aqueronte até chegar ao portal do reino subterrâneo.

Ao desembarcar encontrou os espectros da Medusa e Meleágro, que contou sua história a nosso herói, o que o comoveu, tanto que ele se comprometeu a desposar sua irmã Dejanira quando voltasse.

Prosseguindo, Héracles encontrou Teseu e Piritoo, que se encontravam aprisionados nas cadeiras do esquecimento por terem tido a ousadia de tentar raptar Perséfone. Nosso herói arrancou seu amigo Teseu de forma tão violenta da cadeira que pedaços de suas nádegas permaneceram grudados. Piritoo, filho de Ixion, pai dos centauros, ficou por lá.

Finalmente chegam ao local onde se encontravam Hades e Perséfone. Ele expôs a Hades sua pretensão, que o autorizou a levar Cérbero para a superfície da Terra sob a condição de tentar dominá-lo sem usar suas armas e sem feri-lo.

Cérbero, ilustração contemporânea, autor desconhecido

Héracles lutou com ele só com a força dos seus braços, quase o sufocou, o sacudiu tão violentamente que o cão se aquietou e acabou por segui-lo. Depois levou-o a Euristeu, que, apavorado, ordenou-lhe que o devolvesse e nunca mais aparecesse em Micenas.

A respeito da descida de Héracles ao mundo inferior, a catábase, sabemos que isto se evidencia com um rito iniciático. A catábase é uma condição indispensável para uma subida, uma anábase, uma escalada em busca da anagnorisis, o autoconhecimento, a transformação do homem velho em homem novo.

Peixes é o último signo do Zodíaco, o fim do ciclo. Neste momento, temos a redenção da alma após passar por inúmeras privações, a ascensão de um novo ser já livre do peso de suas ações negativas, a remissão dos pecados.

O signo de Peixes se situa no limite entre dois universos, um que está deixando ser e outro que ainda não é.  Por isso, o símbolo do signo, dois peixes nadando em sentido contrário, expressam tão bem esse setor do Zodíaco.

The drunken Hercules. Peter Paul Rubens, 1611

Cumpridos os doze trabalhos, Héracles passa a usar com toda a justiça o epíteto de Calinico, o “glorioso vencedor”. Ele estava livre da responsabilidade sobre sua falta grave e pronto para ter uma nova vida. Então ele vai à procura de Dejanira.

No próximo artigo falaremos do restante da vida e da apoteose de nosso herói.

Douglas Marnei




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