A maior parte de nós é silêncio
A maior parte de nós é silêncio
Quando iniciei meu caminho conectado à tradições contemplativas orientais, tudo fez muito sentido para mim. Fiquei deslumbrada com a forma do meu professor transmitir os ensinamentos – lúcido, sereno e direto. Quando estava com ele, tudo parecia muito simples e leve, me sentia como se estivesse flutuando num amplo céu azul. Mas logo que colocava o pé pra fora da sala de práticas, o tempo fechava e as nuvens carregadas se formavam. Um temporal caia sobre minha cabeça e céu azul ficava lá atrás, eu não conseguia enxergá-lo.
Fiquei viciada em ler, ouvir e estar na presença do meu mestre. A minha esperança era que dessa maneira eu pudesse reviver a sensação de céu azul. Por mais que eu tentasse, era inútil, não havia nada que a minha mente pudesse buscar ou fazer para aquilo perdurar.
Posteriormente percebi que estava fazendo totalmente ao contrário da forma como o Lama Samten gostaria que seus alunos praticassem, ou seja, associando silêncio e relaxamento. Quanto mais buscasse o relaxamento de forma aflita e ansiosa, tentando forçosamente relaxar, menos eu conseguia (o motivo é óbvio). Assim, tomei a decisão de realmente me entregar e aprofundar na prática de meditação, e não apenas permanecer no cognitivo e na teoria.
Mais do que pensar, ler ou falar sobre meditação, é necessário experimentar.
Precisamos das instruções, precisamos dos professores. Mas em algum momento, se realmente quisermos vivenciar os benefícios da meditação, temos que ter coragem e cultivar o silêncio. Aliás, coragem é fundamental porque vamos descobrir que meditar em silêncio e com o corpo parado não é fácil e até pode ser amedrontador.
A saber, durante toda a vida somos incentivados ao movimento, a buscar coisas para nos tornarmos isso ou aquilo. Contudo, a questão é que passamos a acreditar que esse movimento é a única experiência que podemos oferecer para nós mesmo e para os outros. Olhamos para as nuvens e nos identificamos com elas. Assim, nos esquecemos que a maior parte de nós é feita de silêncio. Todo nosso sofrimento acontece porque esquecemos que somos o céu.
Meditar é reconhecer e se familiarizar com o céu.
Sente-se numa postura confortável. Pode ser com as pernas cruzadas com os ísquios apoiados numa almofada, ou numa cadeira com a coluna ereta e os olhos semi-abertos. Deixe que a respiração flua em seu ritmo natural. Percebendo o frescor do ar ao inspirar, percebendo o calor do ar ao exalar. Percebo o coração batendo, o sangue circulando por entre as veias. Percebo o abdômen se expandindo e contraindo. Similarmente, percebo minhas mãos em contato com os joelhos e os joelhos em contato com o chão. Ísquios enterrados na almofada.
Percebo que há uma firmeza naturalmente presente, que tem algo estável me sustentando. O céu está lá. Eu apenas reconheço, e relaxo. Cada pensamento que passar, eu apenas observo, como se estivesse observando nuvens. Percebo nuvens maiores, nuvens menores. Umas escuras e carregadas, outras leves e com formas divertidas… Mas elas passam! Bonitas ou feias, elas vem e vão, vem e vão…
E o céu permanece. O céu é o que importa.
Créditos Imagem: Lígia Linhares