Os Amigos do Suserano
Os Amigos do Suserano>> Na antessala do dormitório, não mais que dez pessoas estavam silenciosas e apreensivas.
Pequenos grupos de pessoas cismavam, cada qual com seus pensamentos; uns que esperavam contentes pela notícia da morte, outros que sofriam sinceramente pela perda que se abeirava a qualquer momento.
E somente duas pessoas realmente entendiam o que ocorrera.
Na penumbra a junta médica se revezava, no atendimento aquele cujo destino de um povo dependia de sua recuperação.
Naquele momento os médicos tinham intenção de salvá-lo, pois a vaidade gritava em seus íntimos; e por serem de terapias diferentes cada um, procuravam o melhor que podiam ao exercer sua função.
No leito finamente guarnecido, um homem delirava, em meio a suores e estertores. Suas palavras desconexas não eram ouvidas pelos doutores.
Ninguém mais ousava comparecer ao dormitório a esta hora da madrugada; abatida a família, depois do grande abalo sofrido, repousavam em seus aposentos.
Os Amigos do Suserano e os gemidos do prisioneiro
Enquanto as horas se arrastavam nesta ala, do outro lado da mesma construção, um prisioneiro sofria torturas físicas e psicológica por parte daqueles que detinham a justiça deste governo que mais uma vez se mostrava déspota e ignorante.
Os gritos do prisioneiro chegavam fracos na porta do prédio assustador; mas mesmo assim feriam os ouvidos da mulher que tentava a todo custo defender seu irmão do que ela já sabia aconteceria, por ser a única forma de interrogatório usado pelos soldados dali.
-Acredite Herr, meu irmão é inocente, ele estava em casa cuidando de nossa mãe, quando ouvimos o tropel e saímos todos para a rua.
O soldado truculento, com o rosto vermelho feito um pimentão, estava ficando exasperado pela insistência da moça, em convencê-lo de que haviam se enganado, na prisão do homem que havia atentado contra a pessoa do soberano.
-Fraulein Inga, eu peço que volte para casa e continue cuidando de sua mãe, se o seu irmão for inocente logo estará livre. Por hora ele ficará aqui.
Não me force a esquecer sua fragilidade.
A mulher por final saiu chorando copiosamente, e sentindo que seu peito se inchava, a raiva que sentia não podia ser contida, crescia à media que ela caminhava voltando para o lar.
A noite transcorria pela madrugada afora, friamente, deslizando pelos lares em sofrimentos.
Os Amigos do Suserano e o ferimento de Hans
O senhor feudal de nome Hans fora encontrado gravemente ferido por soldados que faziam a última ronda noturna. Como todas as noites saiam aos pares em suas montarias, para mandar para casa quem errasse na escuridão das ruas.
Cavalgavam lado a lado entabulando uma conversa amena, com voz baixa para que seus ouvidos apurados pudessem captar qualquer barulho. Foi assim que ouviram os gemidos de alguém.
Ao levarem a pessoa para próximo de uma tocha pendurada no muro identificaram o comandante daquele burgo.
Imediatamente levaram-no para a casa principal e expediram milícias para a caça dos maus feitores.
Nessa busca tresloucada prenderam o irmão de Inga, um indivíduo dado a muito falar, e se expor, e como comentava em altos brados que o ferido era o suserano e como essa noticia não fora dada pelos soldados, tornou-se ele o principal suspeito.
Sofria agora nos porões da prisão, por ter a língua solta demais, e por não saber se comportar desacatando as autoridades.
Já era conhecido, pois, fora preso anteriormente algumas vezes por beber e brigar. Sendo ele homem forte, provocava ferimentos nos oponentes.
Os Amigos do Suserano e a desgraçade Chultz
Tudo está contra Schultz, seu histórico, estar no lugar errado na hora errada, e a antipatia que já granjeara entre os carcereiros, por ser de extrema falta de senso e higiene.
Nas vezes que esteve preso, transformou a cela em uma verdadeira latrina, mas, mesmo assim, nunca poderia imaginar que um dia estivesse na situação de agora.
Depois de horas de atendimento, os médicos decidiram que dois iriam descansar, e um ficaria como que em guarda, e que a cada quatro horas trocariam de turno até que Hans melhorasse.
Ao sair na antessala os dois médicos fizeram um breve relato do estado de Hans, e assim alguns daqueles que velavam ali, se dispersaram para alas do castelo e outros foram para suas casas que ficavam ao derredor do castelo.
Somente dois permaneceram no local, os mais calados, os que conheciam detalhes do atentado sofrido pelo suserano.
E permaneceram imóveis, enquanto as velas foram sendo apagadas, e a penumbra tomava conta de quase todo o ambiente, deixando uma luminosidade baça somente no recanto onde eles estavam. Quando tudo silenciou de vez, começaram a sussurrar, e comentar o acontecido.
Os Amigos do Suserano
Eram dois homens de idade em torno de quarenta e cinco e cinquenta anos, eram de confiança de Hans, ambos.
E embora tivessem opiniões diferentes quanto ao que fazia Hans naquela hora da noite em lugar frequentado por bandidos e prostitutas, tinham por ele profundo respeito e consideração.
Estes homens eram primos de Hans, faziam parte da família, e desde criança acompanhavam-no em tudo, tinham amizade sincera e verdadeira por ele. Desta forma Hans tinha neles aliados para tudo quanto fizesse, até para os seus desatinos.
Eram filhos do irmão do pai de Hans, e como este havia morrido em batalha quando ainda eram pequenos, o pai de Hans os criou, mas sempre tendo o cuidado de deixar claro que o filho era mais importante que eles na sociedade local, pois seria seu sucessor.
Para Hans os primos eram como irmãos e nunca brigaram. Os irmãos sim, brigavam entre si por causa de uma moça que chamou a atenção de ambos.
Mas com o tempo viram que se afastariam definitivamente caso um deles optasse pela companhia da bela Ághata.
E a própria se encarregou de demonstrar sua natureza cúpida, quando escorregou em noites diferentes, para camas diferentes.
Hans tinha a idade aproximada dos primos, eram nascidos com apenas um ano de diferença, assim é que de todos Hans tinha idade do meio, contava neste tempo quarenta e sete anos.
Todos casados com mulheres da sociedade abastada, inclusive a esposa de Hans era irmã da esposa de Adrian; e Alban encontrou sua mulher numa família de comerciantes de verduras, se enamorou, e não deu ouvidos ao que diziam, era feliz, dos três o mais feliz.
Trabalhavam com armas, todos eles, desenhavam e produziam armas, abasteciam o exército se assim podemos chamar a guarda armada que protegia o burgo, além das armas, armaduras e aparelhagens para os cavalos.
Aparentemente, homens bem sucedidos devotados à família, não fosse Hans que buscava nas noites escuras, prazeres, bem longe de sua casa, e sempre arrastava os primos para lhes acobertar as aventuras.
Nesta noite Hans estava muito nervoso, não queriam sair com ele, porque não tinham mais desculpas a dar para seus familiares, mas ele não ouvia, parecia que estava ensandecido.
Era justamente sobre essa loucura que falavam os homens ali naquele canto da antessala.
Os Amigos do Suserano e a conversa dos primos
-Alban, porque será que nosso primo se coloca em risco dessa monta?
Muitas vezes eu tive receio de que acontecesse um atentado e acabou acontecendo.
Nesta hora confesso a você que me sinto culpado por não tê-lo demovido dessa ideia quando começou.
-Acredita mesmo Adrian que conseguiria que ele não levasse essa vida?
Pois eu penso que ele iria mesmo que não o acompanhássemos, é mais forte que ele essa necessidade.
-Só lamento que hoje, na hora em que tudo aconteceu, precisei me afastar e deixá-lo a mercê da sorte, para não comprometer minha honra.
Isso sim, sinceramente me pesa Adrian, o resto, não, faria tudo como sempre fiz, estaria à espera dele, sob as janelas, ou escondido atrás das pedras, ou até correndo dos cães como sempre fiz, e sei que você também faria.
Alban ouviu o irmão e depois balançou a cabeça afirmativamente.
Já o sol vinha despontando quando os irmãos resolveram descansar, pois as últimas notícias davam conta de que Hans dormia, mesmo sendo um sono pesado e intranquilo.
O último a falar antes de se despedirem foi Alban e fez uma pergunta a Adrian que o olhou e tocando os lábios com os dedos pediu silencio, pois entrava a esposa de Hans para saber como estava o marido.
Havia perguntado:
-Adrian, lembra-se de que vimos um homem naquele local onde Hans se encontrou com….
Os Amigos do Suserano e a desconfiança de Alena
Não houve tempo de parar, e Alena ouviu a alusão do encontro com alguém. Ela parou, estava de costas para eles, pois iria entrar no dormitório.
Virou-se lentamente e veio para perto deles.
-Acho que me devem uma explicação primos. Saíram com meu marido como sempre fazem, só que desta vez ele voltou quase morto.
Agora ouço que ele se encontrou com alguém.
-Alena, talvez tenha ouvido errado, não disse que ele havia se encontrado…
-Não me tome por mais ignorante do que sou Alban, e nem tão pouco sou surda.
Sei que vocês passeiam pelas noites em lugares de pouca dignidade, e agora que você me comprova, tendo ali dentro a morte rondando o leito de Hans, exijo que me conte com quem ele se encontra, ou levarei o caso ao conselho da aldeia.
-Não há necessidade de levar assuntos particulares ao conselho, Alena.
Falou, Adrian conciliador.
-Tenho certeza que assim que Hans melhorar lhe dará todas as explicações, por hora não considero de bom tom, falarmos como se estivesse morto.
O tom autoritário da voz de Adrian surtiu o efeito que ele desejava, e assim ela se afastou entrando no quarto, e eles puderam se afastar por algumas horas.
Schultz percebeu, que se não usasse o trunfo que tinha, acabaria sendo condenado, por atentado ao suserano, o que não era verdade, então deu uma cartada e esperou.
–Herr!
Gritou a todo pulmão.
-Tenho um pedido urgente a fazer. Chame aqui o primo de Hans o que comercializa verduras, o nome dele é…
-Eu sei qual o nome dele idiota.
O que pensa que ele pode fazer por sua pele?
-Somente diga a ele que conheço….Frida.
Insistiu tanto, dizendo que era importante, que por fim o soldado mandou um bilhete para Alban,; dizendo, que o prisioneiro que tinham chamava por ele, dizendo conhecer uma tal de Frida.
Os Amigos do Suserano e a visita ao cárcere
Menos de uma hora após ser chamado, Alban chegou ao cárcere, o que surpreendeu muito a todos.
Conversou rapidamente com Schutz e saiu, voltando com o alvará de soltura. Levou Schutz consigo para o castelo.
Se passaram três dias e Hans estava se recuperando vagarosamente, estava abatido demais e uma tristeza vagava em seus olhos.
A mulher, sempre que podia, lhe cobria de perguntas, as quais ele não respondia.
Inga andava pela aldeia, procurando pelo irmão, e não conseguia uma informação sequer. O carcereiro fora instruído por Alban, para dizer que ele havia sido solto e que seguira para casa, mas ele não chegou.
O sumiço de Schultz, fez o burgo todo se alvoroçar e a imaginação criativa das pessoas, aliadas a maledicência ferveu, criando os desfechos mais fantasiosos e horripilantes que se possa imaginar, atrelaram ao atentado de Hans e então uma opereta poderia ser montada.
A crendice popular, tem um poder arrasador se não for rapidamente controlada, por isso os religiosos de plantão trataram de visitar Hans.
Orientaram a família para comparecerem a cerimônia do domingo e se possível levassem Hans antes que o povo começasse a se amedrontar.
Também procuraram Inga para obter maiores informações, para também iniciarem a uma busca pelo fiel desaparecido.
Os irmãos Alban e Adrian assistiam a essa investida da igreja local, com ares de poucos amigos, sempre conseguiram manter os sacerdotes distante da casa principal, mas o atentado de Hans deu a eles, uma brecha que estavam explorando muito bem. Começaram a visitar diariamente os idosos das famílias próximas e os conselhos se iniciaram imediatos.
Houve sempre nesse burgo, uma divisão clara do poder político e do religioso, desde muito tempo quando um governante manipulado por sacerdotes fizera grande estrago nos cofres.
Os irmãos ficaram preocupados quando Alena permitiu que visitassem o leito de Hans.
Tentaram estar presente, mas, não conseguiram, então permaneceram fora enquanto dois sacerdotes muito espertos entravam e faziam perguntas diversas para o doente, que demonstrava certa perturbação.
Ao sair indicaram muitos tratamentos e foram embora, os irmãos se olharam e não sentiram que houvesse mais perigo.
Enquanto os dias transcorriam com mais ordem, Schultz estava enclausurado numa cela subterrânea no castelo, cela esta conhecida por não mais que oito pessoas, dois quais, os irmãos e Hans.
Os Amigos do Suserano e o erro de Schultz
O terrorismo que fizeram com ele era pior que a tortura no cárcere, pois ele agora sentia que sua vida não valia um fio de cabelo. Dizer que conhecia Frida revelou ser a pior medida.
Hans consegue articular algumas palavras e pede a presença dos primos.
Só estava nesta tarde no castelo Adrian. Alban estava cuidando de seus negócios com as verduras.
Quando Adrian adentrou o quarto, Hans pediu a Alena que se retirasse. Tal pedido, que mais parecia uma ordem causou um impacto tão grande na mulher, que ela jogou o vidro que tinhas nas mãos, com o remédio que já estava servido na colher com tanta pontaria em direção a Hans que quase lhe causa outro ferimento.
Foi uma atitude extremada, de quem se encheu. Saiu batendo o pé e a porta.
Ficando os dois sozinhos, Hans olha para Adrian e quase implora.
-Preciso ver Frida ou vou enlouquecer.
-Está louco homem, esquece Frida pelo amor de Deus.
Foi tudo que respondeu Adrian.
-Jamais, me peça tudo, me mate se for melhor, mas não esquecer Frida, jamais.
Adrian passeia pelo quarto e o suor estampa em sua testa larga.
Ele torna-se nervoso e pergunta à Hans de supetão.
-O quanto está disposto a sacrificar por Frida?
-Tudo, sacrificaria tudo.
Foi a resposta recebida.
-Inclusive a vida de Alban e a minha?
-Que conversa é essa primo?
Por que Frida poria a vida de vocês em risco?
-Porque já temos testemunha.
Um tal Schultz que está nesse momento no calabouço abaixo de sua cama, sabe.
Hans ficou lívido.
-Então preciso pensar em algo para me encontrar com Frida.
-Hans, Hans, quando vai amadurecer meu irmão, não percebe ao que está expondo sua família, não sabe que Frida é um risco para seu cargo, sua posição, Frida é tudo que seus inimigos desejam.
Garanto a você que Frida para eles seria melhor que sua morte
Um silêncio pesado e triste tomou conta dos dois homens, enquanto lá fora o dia se fecha e uma tempestade se aproxima, mandando um vento quente e ligeiro para avisar.
O homem que leva alimento para Schultz, é um ancião, mudo.
Por isso Schultz tentou uma conversa mas não fluiu, então pediu que lhe trouxesse papel e carvão, queria escrever um pouco.
O homem trouxe, despretensioso, sem imaginar o que seria escrito, porque também não sabia ler.
Schultz escreve algo e dobra o papel bem dobrado, pede ao carcereiro que leve esse documento ele o considera assim, um documento, , para sua irmã Inga, que deve estar deveras preocupada com o desaparecimento dele.
O carcereiro leva o bilhete, nem sabe direito porque está fazendo isso, mas sentiu pena daquele pobre diabo, ali, sem que sua família soubesse se estava ele vivo ou morto.
Não era esse cárcere usado, há décadas, somente quando o prisioneiro fosse realmente perigoso o que não era o caso, pelo menos não no entendimento do carcereiro que tomava conta da celas há tempo suficiente para entender que até seu defeito de fala era para que ninguém soubessem sobre quem lá estivesse encarcerado.
Inga fica radiante quando lê na primeira dobra do papel:
-Inga estou bem, por favor só leia o que vem na segunda dobra quando estiver absolutamente sozinha. Preciso de sua ajuda mais uma vez, e se tudo correr como pretendo, ficaremos ricos, ou até seremos os donos desse feudo mal cheiroso.
Ela despede o homem lhe dando dois pães, que tirara do forno à pouco, e mais duas garrafa de cerveja feita em casa, de um tamanho bem grande.
Disse ao homem, que levasse para seu irmão, um de cada produto e que ficasse para si, com um de cada também.
O homem ficou feliz e encantado com a brancura da pele de Inga que contrastava com o carmim de seus lábios, o negro de seus cabelos e o verde dos seus olhos. Mesmo ele sendo muito idoso teve nesse momento um estremecimento, que ela percebeu na hora.
Então cheia de maneirismo, pediu que lhe trouxesse mais notícias de seu irmão, que ela iria preparar mais Paes e cerveja.
Um acordo tácito, se firmou ali, sem assinatura, firmado pela mão encarquilhada do velho, em completo reconhecimento das voluptuosas curvas da moça, que displicentemente franqueava o avanço do cúpido ancião.
O carcereiro foi embora, com o cérebro em fogo pelas possibilidades e facilidades que encontrara junto a Inga, que a partir de então povoou seu mundo, antes, vazio e sombrio.
A moça ficando sozinha, releu o que o Schultz lhe escrevera, era algo de maquiavélico, ela podia sentir.
Preparou-se e esperou até que a noite caísse totalmente sobre a cidadela, cobrindo-se para não ser identificada, rumou para o lado obscuro do povoado, seguindo as orientações do irmão, tentaria encontrar Frida.
Os Amigos do Suserano – Inga procura Frida
Procuro o lugar indicado e perguntou a pessoa à quem Schultz mencionara e logo foi introduzida em um cubículo mal iluminado com as paredes vermelhas.
Estava olhando em volta, enquanto esperava pela pessoa, que talvez soubesse onde estava Frida ou quem sabe a própria.
Percebeu que havia uma abertura na parede quase não aparecia, pois a pintura vermelha correu por sobre a tábua que servia de tampão, estava entretida no exame, enfiando a unha pela brecha.
Não reparou que alguém estava atrás de si, fazendo um exame completo em sua pessoa, com ar intrigado.
Foi um susto quando despretensiosa se virou e deu de cara com a figura daquele homem estranho e desconfiado.
-A senhora deseja o que com Frida?
-Preciso falar somente com ela, tenho recado importante, da parte de Hans.
A sobrancelha se ergueu e o olhar do homem queimou os olhos de Inga.
-Pode dizer seu recado a mim que transmitirem a Frida.
-Ah! Isso lá é que não. Ou falo com Frida ou ninguém saberá o que o recado diz.
-Bem então terá que voltar amanhã, porque hoje Frida não está aqui.
-Volto amanhã por certo, nesta mesma hora, avise a ela, Senhor…?
-Frederico, sou Frederico.
Inga tornou a sua casa, satisfeita por ter encontrado uma referencia de Frida. Sentia que o irmão seria liberto a qualquer momento, e que estaria ele em posse de grande plano.
O carcereiro voltou e contou a Schultz que sua irmã lhe recebera amavelmente, e que pedia que ele sempre levasse informações de como ele, Schultz, estava se saindo. Uma conversa surda, cheia de gestos, caretas e até desenho nas pedras do piso.
O prisioneiro fazia perguntas para facilitar a comunicação inesperada e bizarra.
Então combinaram que no dia seguinte, o carcereiro que nesse tempo já desenvolvia uma fraca amizade por Schultz, fosse dizer a Inga que ele estava bem tratado, e levar outro documento.
Logo pela manhã, quando veio trazer a refeição ao preso, tinha as feições alegres e os olhos pequenos faiscantes.
Estava com roupa nova e cabelo penteado, os poucos e parcos fios que lhe restavam.
Schultz que era velha raposa, deu um sorriso maroto no canto da boca, e entregou o papel bem dobrado, e arrematou com encenação de perfeito ator.
-Sabe meu velho Boris, eu ficaria imensamente feliz se minha irmãzinha pudesse vir me visitar aqui.
Pronto Boris, assimilou a idéia e resolveu fazer uma surpresa ao preso, mas saiu sem dar resposta nenhuma.
Seguiu quase correndo para a casa de Inga. A encontrou preparada para um encontro romântico e evidentemente o encontro aconteceu.
Enquanto tomava um grande copo de cerveja, Boris convidou a moça para ir com ele e assim faria uma surpresa para Schultz.
Os Amigos do Suserano e a visita de Inga
Meia hora depois estavam entrando no subterrâneo do castelo, por uma passagem conhecida de poucos.
Os passos eram apressados e faziam barulho no piso de tijolo, de tal modo que os passos de três pessoas se misturavam e nem Boris nem Inga notou que Alena os seguia bem de perto.
Alguns metros da cela, Alena deu um passo mais longo e rápido e se atirou sobre Inga, cravando-lhe um punhal no pescoço, esta tombou morta.
Boris ansioso ia a frente e meio surdo não ouviu nada.
Alena como uma sombra chegara e como uma sombra partira.
Ao chegar em seus aposentos se sentia vingada.
-Quero ver agora, aquele maldito se encontrar com ela. Vai morrer de saudades, e eu, ei de vê-lo definhar, dias após dia.
Sua Frida está agora fazendo companhia ao diabo. E você Hans, vai comer o pão que ele amassou.
E ria alto, rodopiando pelo quarto como que tomada por algum ser maligno. Depois sentiu grande tristeza e cansaço, adormeceu vestida, caindo como uma pedra no leito.
Sonhou sonhos horríveis, via-se sendo perseguida por feras, por seres humanos em farrapos e por mais corresse não saia do lugar. Quando o dia amanheceu ela se sentia alquebrada como se durante a noite inteira tivesse carregado pedras nos ombros.
Mas mesmo se sentindo péssima, teria que cumprir com seu dever e ir visitar o marido instalado no dormitório ao lado.
Assim levantou-se, depois da higiene pessoal e de se vestir adequadamente, rumou para ver Hans.
Novamente encontrou os primos junto dele, e sentiu que seu sangue ferveu, suas unhas foram entrando nas palmas das mãos de tanto que apertava os dedos, para dissimular a raiva.
Hans estava abatido e fraco de dar medo. E parou a conversa assim que ela entrou no quarto. Isso a deixou mais exasperada, assim perguntou rapidamente como ele se sentia, serviu um remédio sem dar muita atenção e saiu.
Na hora em que Alena golpeou Inga, e esta caiu, Schultz estava na cela dormindo, e seu espírito vagava pela calabouço, e viu a cena diante de sua retina espiritual.
Ficou paralisado e acompanhou Alena para seu quarto e esteve junto dela em espírito durante toda a noite, a afrontou, bateu. Sua ira era sem tamanho e por não conseguir também matar a mulher que matara friamente e sem motivos sua irmã, ele na sua revolta e pela moral que não era elevada atraiu para aquele ambiente uma turba de seres desequilibrados e perdidos.
Os Amigos do Suserano e a noite de Alena
Por isso Alena viveu uma noite desconhecida para ela até então. Mesmo sendo de natureza teimosa nunca houvera cometido um ato de grande peso, mas quando o fez, cometeu o delito pior, o que lhe arrastaria por muito tempo para um mundo de sofrimentos.
Boris se deu conta que Inga tinha parado e se virou, sentiu que seu juízo ao ver a moça caída com o sangue se esvaindo em profusão pelo lado da cabeça. Se aproximou e pode confirmar a morte da pequena de quem estava enamorado.
Levantou a cabeça e foi até a cela, viu que o rapaz estava dormindo e seu rosto trazia uma expressão de fúria. Abriu a porta e tentou explicar o que se passara no corredor, mas não sabia o que tinha acontecido, ficou andando de um lado para o outro em estado de desespero.
Enquanto isso, o espírito de Schultz rompera o cordão de prata, num solavanco tão grande que ocasionou a morte do corpo. Quando ele viu que Alena golpeara Inga, tentou defender a irmã e num ato de violência contra si, morreu também.
Boris passou algumas horas assim, depois se sentou no chão, fechou os olhos, passou as mãos pelos cabelos, se levantou, chamou por Schultz mas esse não respondeu.
Tocou o rapaz novamente e percebeu que ele estava gelado.
A alma de Boris não suportou tanta tragédia e seus olhos foram ficando alheios devagar, seu espírito ficou doente, dessas doenças conhecidas, que são geralmente tratadas nos sanatórios com remédios fortes quando não é o físico que está doente.
Assim que Alena deixou o quarto de Hans ele comentou com os primos.
-Alena está se tornando insuportável para mim.
Noto que ela me odeia, e isto não terá um final feliz.
-Primo, você precisa se dedicar mais a sua mulher. Ou pensa que ela é cega.
-Pois sim, Alban, enquanto eu conversava com Adrian ontem ou antes de ontem não me lembro direito, pedi para ela se retirar e sua raiva foi tanta que ela jogou em mim o vidro de remédio.
Isso não é tudo, o camareiro que me serviu a noite, me contou que ela saiu com muita pressa e depois voltou, pediu a ele que se retirasse que ela iria ficar no lugar dele, caso eu precisasse de algo.
-Disse que estranhou mas obedeceu, só que não foi embora, ficou a espreita e viu que ela entrou pelo lado de onde temos entrada particular para o cárcere.
Estou bastante preocupado, acho que ela ouviu quando eu falei de Frida.
Os homens se olharam e o silencio ficou estabelecido entre eles.
Os Amigos do Suserano e a loucura deBoris
Um soldado da guarda do castelo encontrou Boris vagando pela propriedade, sem rumo, com olhos esgazeados e espuma nos cantos da boca.
Levou o homem ao médico e este disse que ele dementara.
Alban que trouxera Schultz para o cárcere, depois da notícia da loucura de Boris, avisou o irmão Adrian que deviam ir saber do prisioneiro e decidirem por uma solução.
Quando chegaram à cela, o corpo de Schultz já estava em lamentável estado, também viram de relance Ingá e nada entenderam.
Nem podiam comunicar Hans, porque ele ainda não estava de todo recuperado e essas novas poderiam abalar novamente sua saúde.
Os irmãos chamaram pessoas de confiança, e fizeram o sepultamento dos corpos.
Um dia contariam ao primo o que encontraram, e parte da estória, pois não conheciam tudo, pelo menos o desfecho não sabiam porque motivo se dera.
Assim o burgo foi voltando ao normal e muitas estórias surgiam fruto da imaginação popular, a respeito do desaparecimento dos irmãos, Schultz e Inga.
Alena se tornara arredia de todo, e assim o casal resolveu, que o melhor seria que ficassem separados em definitivo, mesmo depois que Hans estivesse recuperado.
Ele estava numa convalescença demorada mas regular.
Os primos saiam muito juntos e voltavam altas horas. Suas esposas reclamavam e eles diziam que tivessem paciência e confiança neles, pois que em breve sossegariam.
E assim foi que passados uns quarenta dias eles saíram pela ultima vez. Depois disso as noites eram somente para seus familiares.
Hans parecia mais alegre e retornando as atividades normais. Só as relações com Alena ficaram estremecidas, mas ambos mantinham as aparências.
Os Amigos do Suserano e a chegada de uma nova familia
Uma nova família veio morar no feudo, receberam permissão para se estabelecerem bem próximo do castelo, até porque quase todos iriam trabalhar no castelo.
Traziam referencias de amigos de outro país,
que lhes atestavam como domésticos excelentes.
Adrian supervisionou a chegada deles, e apresentou os componentes da família para a família feudal, após estarem instalados devidamente. Reuniu todos no grande salão do castelo e quando todos já se encontravam acomodados iniciou um pequeno cerimonial.
Estavam presentes, Hans e Alena, o pai de Hans e sua esposa que não era a mãe de Hans, pois essa havia falecido há anos. As esposas dos primos, e mais alguns parentes interessados em conhecer o grupo familiar.
-Adrian por favor nos apresente os serviçais, pois me sinto cansado hoje.
-Sim Hans, começo então pelo pai da família, o Senhor Vandique, ele cuidará da casa em geral, será como um gerente, pois esse ano receberemos muitas visitas, que previamente agendadas trarão muita gente para cá, e precisamos de alguém que gerencie todas as atividades.
Enquanto Adrian falava os olhos de Hans se alegraram e seu sorriso franco foi retornando a sua face descorada. Ele respirava como se quisesse todo o ar do ambiente só para si.
Alban se aproximou dele e lhe tocou o ombro discretamente, dizendo em voz quase inaudível.
-Calma meu amigo ou porá tudo a perder.
-Essa é a senhora Walquiria que cuidará da cozinha ela tem conhecimentos de pratos servidos em todas as partes do mundo e é conhecedora de algumas línguas estrangeiras.
-A filha, Franzisca ajudará a mãe na cozinha e em outros afazeres que surgirem, é muito prendada e tem mãos de fadas para os bordados, que tanto são apreciados por Alena.
Alena sorriu, gostou da moça, estava realmente precisando de alguém para conversar, porque ultimamente sentia o remorso lhe corroer a alma, e não confiava em ninguém.
-E finalmente o filho que morou no estrangeiro e voltou para casa dos pais há alguns meses, depois de perder a esposa.
Trouxe ele, um filho pequeno que será cuidado pelas mulheres de sua própria família se acaso você Hans não se opuser.
Hans sorria e balançava a cabeça em sinal de aprovação. Sem dizer nada.
O rapaz olhava para ele também, e agradeceu com uma leve reverência.
O pai de Hans, perguntou inesperadamente e Adrian surpreso por ter esquecido de mencionar, tamanha a tensão que sentia.
-Qual o seu nome rapaz? E qual função desempenhará?
Adrian se adiantou e respondeu:
Os Amigos do Suserano e a chegada de Frederico
-Esse é Frederico, e ele será o camareiro de Hans. Por ele estar fraco ainda, é preciso ter um homem forte se precisar de ajuda, não concorda Senhor Wagner. Assim que Hans estiver em posso do seu estado normal de saúde Frederico assumirá a função de seu secretário particular, pois sua experiência no exterior junto de pessoas influentes lhe capacita para cumprir tal obrigação.
-Concordo plenamente Adrian, eu ia inclusive sugerir que fizessem essa troca.
Tudo acertado, a família iniciaria as atividades na semana seguinte.
Hans remoçara, de uma hora para outra. Todos notaram e passaram a observar Franzisca, e a ela darem o crédito da mudança no ânimo do suserano. E realmente ela era uma doçura de pessoa, seus modos eram clássicos sem afetação. Sua voz aveludada sem traços de sedução, sempre na mesma tonalidade.
Vestia-se com cuidado e mesmo não possuindo jóias, sempre um acessório trazia junto ao vestuário que realçasse sua elegância. Soube-se depois que ela morara com o irmão em pais oriental e por ter se integrado a cultura do lugar, incorporara maneiras diferenciadas e polidas. Desde Hans estivesse feliz nada seria questionado, até porque o casamento dele continuava bem aos olhos do mundo.
A casa do suserano, começara a receber os convidados para o festival de caça, que pretendiam incentivar a partir de então.
Com a ajuda dos primos Hans, queria elevar o nome de sua aldeia e ser reconhecida na corte, e quem sabe um dia receber a visita do próprio rei.
Os dias eram transcorridos em conversas, planos e prática de tudo que se engendravam nas idéias.
A vida volta ano normal naquele burgo pequeno e amistoso
Nesta noite, Hans se banha e se prepara para deitar. Estava se sentindo feliz, uma felicidade calma, morna.
Então ouve os lentos passos que se dirigem para perto do divã, o móvel largo e luxuoso onde está acomodado, que comprara de um mercador que visitava o burgo a cada três meses.
Sentiu necessidade de um lugar para ler, conversar, para namorar…
As velas foram sendo apagadas, enquanto os passos se aproximavam mais, seu coração acelerou, antevendo a figura que chegava para lhe acompanhar nesta noite.
Enfim, uma única vela ficou acesa, na mesa que beirava o divã.
Abaixando-se a pessoa, retirou os chinelos de Hans.
E Hans, tomou as mãos de Frederico e pediu que se sentasse ao seu lado.
Enquanto seus olhos passeavam pelo rosto um do outro, um tremor percorreu a espinha de Hans.
Frederico tentou se afastar mas indeciso ficou um pouco mais, dando tempo para que Hans o segurasse forte.
Então Hans convicto lhe diz:
-Frida! Frida…
Crédito de imagem destacada Pixbay.com
Conto da colunista Fatimátima