E se o Céu não esperar?
E se o Céu não esperar?>>
“Fica decretado que agora vale a verdade, agora vale a vida, e de
mãos dadas marcharemos todos pela vida verdadeira.”
Estatuto do Homem, Artigo 1, Thiago de Melo
Quantos reclamam da vida que levam, das correntes que arrastam em círculos, sem destino ou direção?
Quantos se lamuriam mas não dão um basta na estagnação?
E seguem acostumados, muito embora não resignados, com a situação.
Morando em apartamentos de fundos acostumam-se a não ter outra vista que não as janelas ao redor.
E, porque não têm vista, logo acostumam-se a não olhar para fora.
E, porque não olham para fora, logo se acostumam a não abrir de todo as cortinas.
E, porque não abrem as cortinas, logo se acostumam a acender mais cedo a luz.
E, à medida que se acostumam, vão esquecendo do sol, do ar, da amplidão que o horizonte nos revela – perdem-se a vista e a visão.
E se o Céu não esperar?
Ao permitir que os olhos se acostumem a olhar para as coisas sem verdadeiramente enxergá-las, porque ofuscados pela luz artificial que confunde e embaça nossa visão, perdem-se o significado e a beleza do em torno, pela pequeneza do que é a cerca que nos cerca, e com o tempo acabamos por nos desligar e esquecer da verdadeira luz que clareia o caminho, que é a chama do espírito e não a artificial luz de um lampião.
Como desacostumar os olhos e exercitar a visão?
Abrindo as cortinas, escancarando as janelas.
Fechando os olhos e, com o Sol na face, abrir as portas da alma e espiar aos poucos o que há além iluminado pelo que há dentro.
Quem olha para fora apenas vê, mas é olhando para dentro que se desperta!
Quantos reclamam do mau tempo ou do pouco tempo e nada fazem para mudar, pois acostumados estão a acordar de manhã sobressaltados porque está na hora?
E à medida que nos acostumamos a sobreviver ao dia sem comparecer para a vida, vamos ficando cada vez mais apagados, desligados e mumificados.
<h6/>Não vibramos com o que um despertar para mais um dia nos propicia de magia e encanto</h6>
não aproveitamos a viagem enquanto não chegamos ao seu destino, não saboreamos a descoberta dos sabores escondidos em cada prato que a vida nos oferece, não construímos com nosso trabalho.
E quando a noite do corpo chega, feito zumbis não dormimos, porque em momento algum do dia estivemos acordados…!
E quando a noite da alma nos reclamar, surpresos constataremos que a vida que deveríamos estar a sonhar foi um pesadelo do qual não lutamos para acordar.
E a notícia do pesadelo do viver aos poucos já não nos faz tremer.
E se o Céu não esperar? Ele pode não esperar
E vamos aceitando os números da guerra e que haja mortos inúmeros.
E aceitamos isto porque na inércia não colaboramos fazendo nossa parte.
Não nos indignamos, e como não nos indignamos aceitamos a tudo como verdade.
Mudar dói, mas aceitar a tudo calado, acreditando que não há nada que se possa fazer, dói muito mais.
Ou será que não dói em você? E vamos sendo partícipes soturnos, cada qual por sua vez e turno.
Quando acordaremos para o maravilhoso universo que, esperando nosso despertar para a mudança, abre-se para ser descoberto e explorado?
E o mundo cada vez mais se fecha para um ser humano fechado que vê sem enxergar, que olha sem mirar, que come sem se alimentar, que fala sem escutar.
E na ignorância somos ignorados, e com o tempo vamos ignorando a nós mesmos, o que queremos, o que desejamos, o que necessitamos e, principalmente, deixamos de lutar pelo que merecemos.
E nos acostumamos a pagar por tudo o que desejamos e que achamos que necessitamos, mas como o amor não se compra, continuamos voltando para casa com nossas sacolas vazias de afeto e cheias de quinquilharias.
E sabe o que acontece em seguida? Temos que lutar para ganhar o dinheiro com que pagar.
E a pagar mais do que as coisas valem, porque o que realmente vale não se encontra em prateleiras, vitrines ou estantes.
E, ao sabermos que cada vez pagaremos mais, é preciso procurar mais trabalho, para ganhar mais dinheiro para ter com o que pagar.
O amor não se compra e não tem preço, mas para todas as nossas outras futilidades tem-se um Credicard.
Desista disto e invista em descobrir seus sentimentos, cuidar de si mesmo para poder conquistar e ser merecedor do que realmente tem valor! Muito se fala de sustentabilidade.
E se o Céu não esperar? insustentável é a estagnação
Mas como agir ecologicamente para com o planeta e nos acostumamos à poluição de nossa alma? Alma trancafiada em salas fechadas de ar-condicionado porque é preciso filtrar o mundo de fora e refrescar o que o de dentro está a queimar.
Alma asfixiada pelo cheiro de mofo e o embolorado dos sentimentos guardados.
Corpo poluído pelas bactérias da água potável e pela contaminação da água do mar.
Ouvidos desnutridos do canto dos passarinhos e que já não escuta o canto do galo de madrugada anunciando a aurora.
Paladar pervertido pelo hábito de comer congelados, produtos semi-acabados e multiprocessados.
E passa-se a desconhecer, por não lembrar, do gostinho de fruta colhida do pé, legume tirado da horta, de comida fresquinha e feita com carinho, de cuidar do próprio ninho.
E mais sozinhos a cada dia, sem canto, cada um no seu canto, insalobras as insalubres horas em que cada lobo e loba com sua dor e sem amor vivenciam, sem agora, sem aurora.
E como a tudo isso nos acostumamos, vamos ficando mutantes, ausentes, distantes
Carentes do cuidado, da ternura e da poesia que deveria estar presente em todos os instantes de nossos dias.
E escolhe-se a cada vez mais costumeira solidão acompanhada só para não ficar sozinho, e nos vamos acostumando a muitas coisas de menos, para não sofrer.
Em doses pequenas, tentando não perceber, vamos afastando uma dor aqui, um ressentimento ali, uma revolta acolá, fingindo não entender a dor e o mal que tudo isso nos traz.
Se o cinema está cheio, a gente senta na primeira fila e torce um pouco o pescoço.
Se a praia está contaminada, a gente molha só os pés e sua no resto do corpo.
Se o trabalho está duro, a gente se consola pensando no fim de semana.
E se no fim de semana não há muito que fazer, a gente vai dormir cedo e ainda fica satisfeito porque tem sono atrasado.
Quanta autoagressão travestida na falsa resignação!
E assim nos acostumamos até mesmo a relações pela metade, a sexo sem entrega, volúpia e profundidade, a tesão sem gozo, a amor sem devoção, encantamento, parceria e cumplicidade, e a fé sem a coragem e a valentia que transformariam a esperança em mágica ousadia de viver para a verdade!
Acostumar-se é recurso de sobrevivência para evitar ralar o corpo na aspereza, para preservar a pele, para não lanhar a alma, para poupar o peito.
E para isso arrumamos desculpas de todos os jeitos, acreditamos até mesmo que o mundo e os outros esperam isso de nós.
E enquanto acreditamos estar evitando as feridas, as nossas e as dos demais, nosso peito e nossa alma vão vazando em sangramentos, gemendo por unguentos, clamando pela cura que não vem ao nos esquivarmos das farpas, das facas, da desgraça, do desamor, do desprezo, fingindo não vê-los, e também de tudo o que de bom e de melhor é nosso de fato e de direito, fingindo não querê-los.
E postam-se belas fotos da vida que não se vive e sim se finge, no Facebook, em qualquer virtual, embora não virtuosa, vitrine.
Em fotografia, o sorriso falso nos define – espiar a vida, este é o atual maior crime do ser humano que se imprime e não se define.
Enquanto nos acostumamos para poupar a vida e o que acreditamos que nos importa na vida, esta aos poucos se gasta.
Vida que quando gasta de tanto se acostumar se perde de si mesma. Vamos dar um basta!
Vamos cuidar do que em nós de mais precioso há. Vamos, mas tem que ser já! O céu pode não nos esperar…
Sobre a autora
Denise Espiúca Monteiro é médica homeopata e pediatra, membro titular do IHB, diretora do Ambulatório Escola Professor Kamil Curi, onde além das atividades pedagógicas dos cursos de Pós-Graduação em Homeopatia nas áreas de Medicina, Odontologia, Veterinária e Farmácia, coordena Cursos de Formação Continuada em Homeopatia com enfoque na Saúde da Criança e Adolescente e Saúde Mental.
Com 5 livros publicados – Consultório de Brinquedo e O que você vai ser quando crescer? Abordagem Homeopática da Criança, Consultório de Espelho e Primeiros Laços – Maternagem, Maternidade, Homeopatia, Consultório de Máscaras– e poesias premiadas, ocupa a cadeira 25 da ABRAMES, Academia Brasileira de Médicos Escritores, encontrando seu equilíbrio na dinâmica do serviço de ser e estar para o próximo no exercício de seu ofício.
Ser Homeopata é seu instrumento de auxílio de onde em oferecendo, colhe seus benefícios – contribuir com reflexões que possam acrescentar um novo olhar ao ensino e prática do cuidado, ajudando a formação de profissionais de saúde mais conscientes de seu papel na promoção de uma sociedade em que o bem-estar de um, é o melhor estar de todos, aquela que oferece sua arte como instrumento de cuidado e cura, é também agraciada pelo aprimoramento de sua saúde física, emocional, mental e espiritual – essa sua missão, seu mais elevado ideal.
Outros artigos interessantes deste mesmo autor:
- A aurora do último dia de Agosto
- Primeiros Laços – O recomeço do Mundo
- Quando a gente gosta, claro, a gente cuida
- O tempo é um ponto de vista
- Colha a Vida
- O resto é as sombras das árvores alheias