A BRUXA
A BRUXA>>
Luiz levanta-se muito cedo todos os dias. Depois da higiene pessoal feita num veio d’agua que cai por trás de sua casa de pedra. Ele prepara o café modesto, composto de peixe assado e leite de cabra.
Depois refeito ele respira a natureza. Sentindo o frescor que envolve seu meio. Anda descalço para sentir a frieza da grama que lhe suporta o peso. Colhe pequenas flores que nascem protegidas pela parede de pedra. E as arruma em um vaso rústico feito com algumas conchas grandes coladas.
Assim nessa simplicidade é a vida desse pescador, desconhecido do mundo civilizado.
Os vizinhos distantes não lhe conhecem a história. Só sabem que ele apareceu há mais de dez anos. Depois de uma grande chuva. Se instalou numa abertura de rocha, transformando com o tempo a caverna em um habite, agregando pedras e formando cômodos.
A BRUXA – Um estranho vizinho
Ele não é sociável mesmo sendo educado não se presta ao comparecimento em festas. Não vai à missa, não passeia na praça, não faz suas compras no armazém do vilarejo. Já foi flagrado trazendo mercadorias de outras regiões. O que causou certa reação nos moradores do lugar. Que julgaram que ele se sente superior, não querendo se misturar aos caiçaras.
Mas a verdade não é essa.
Realmente ele é diferente dos nativos, pois sua pele queimada do sol tornou-se grossa e é extremamente dourada. Os braços são longos e as mãos grandes. É bem mais alto que a maioria dos que nascem no lugar. Seus cabelos são louros e lisos, cortados com pouco cuidado. Enquanto os homens dali possuem cabelos negros como o azeviche e não tão lisos.
A BRUXA – Despertando ciúmes
Mas a singularidade de Luiz está nos olhos. São de um verde transparente que assusta. Quando seu olhar pousa em alguém com interesse, a pessoa sente-se queimar. Como se estivesse sofrendo a ação de um raio x. Por esse atributo principal Luiz é temido pela gente.
Alguns valentões ao longo da década tentaram se aproximar do ermitão. Mas, não conseguiram criar um vínculo com ele. Sua personalidade é esquiva e propositadamente ele evita socializar-se.
As mulheres criaram em torno dele uma lenda. Ele é tido como misterioso e até há as que pregam que ele é perigoso. Que interpela as mulheres quando estão sozinhas ou em situações que não podem ser reveladas.
Mas tudo isso cai por terra, quando melhor averiguado. Tanto assim que mais de uma dezena de maridos que acreditaram nessas elucubrações de suas parceiras. Se viram em calças justas, quando o padre que é mais racional começa a interrogar as doidivanas.
A BRUXA – Mãos de artesão
Sua renda é obtida com a venda das peças de artesanato que faz. Colhendo o que o mar lhe oferece. Ou o que ele encontra descartado pela natureza. Assim ela cria adornos e objetos de decoração. Sua criatividade é muito grande e aliada ao bom gosto. Faz peças originais e únicas. Seus preços são razoáveis e ele deve vendê-las em um entreposto comercial. Porque na feira semanal promovida na praça ele nunca compareceu.
Um nativo que o seguiu certa vez. Viu quando ele pegou um ônibus na estrada. Consequentemente acham que ele leva seus objetos para outro lugar onde possa receber mais por eles.
A BRUXA – Pescador solitário
Num dia especial, que é o de hoje, trinta e um de outubro. Luiz, depois do passeio, se prepara a sua pescaria. Uma vez na semana ele pesca para seu sustento, nunca traz mais que o necessário. Não sai na madrugada como os pescadores.
Escolhe uma hora em que a praia já esteja sem os barcos costumeiros. Então vai e se lança às ondas com um barco pequeno. Volta no máximo três horas depois. E o que intriga a todos é que em dias que os pescadores nada conseguem pescar ele pesca para si. Contam que nunca ele voltou de mãos vazias. Até dizem que tem pacto com os elementos.
A BRUXA – Uma bruxa urbana
Antes de trazer o barco para a areia. Amarra uma fita nos cabelos para que não lhe caiam no rosto, e seus olhos ficam à mostra. Foi assim que Margô o viu, quando se aproximava daquela casa perdida num lugar esquecido do mundo. Num pé de serra que se abria para o mar.
Ela deu um passo para traz, quando ele se voltou ouvindo seu chamado. O aspecto do homem era encantador e ao mesmo tempo causava estranho impacto. O carro de Margô estava atolado na areia, ela foi tirar fotos para uma edição da revista onde trabalhava.
Na cidade que ficava há mais ou menos cem quilômetros. Ela recebera informação que encontraria um vilarejo de pescadores há uma hora de viagem. E como percebeu que depois da vila ainda havia mais a ver, seguiu.
A BRUXA – Desagradável imprevisto
Ficou maravilhada com a beleza do lugar, resolveu avançar com o carro sobre a areia, até que atolou.
Luiz foi interrompido em seu afazer e ficou visivelmente perturbado. Desacostumado a visitas e principalmente um pedido de socorro. Mas, foi ajudar a moça a tirar o carro da areia. O carro estava há uns trezentos metros em um lugar cheio de buracos.
Ele não possuía apetrechos para calçar as rodas então não deu para ajudar de imediato. Ficou impaciente, olhando para o mar, ela percebeu e então disse:
-Olha moço, se tem que pescar não se preocupe, eu procuro outras pessoas que possam me ajudar.
Ele ficou satisfeito e se virou no mesmo instante, voltando a sua casa, levou o barco para o mar. Margô ficou furiosa. Que homem atrevido. Foi a pé até o vilarejo e contou o ocorrido.
A BRUXA – Auxílio e informações
Logo alguns moradores se uniram e foram ajudar. Enquanto alguns trabalhavam. Os desocupados lançaram todas as crenças que tinham a respeito do homem que vivia ali sozinho há dez anos.
Margô, agora não estava mais furiosa, mas a curiosidade lhe corroía. Poderia ser uma matéria surpreendente, descobrir o mistério de Luiz. Para isso precisaria ficar ali, não arredar pé, até que conseguisse quebrar o gelo e confraternizar com o homem. E isso ela sabia fazer muito bem. Já tinha tido muitas aventuras, pois era uma mulher liberada.
Sua mente criou um plano. Tinha certeza que naquela mesma tarde teria uma matéria sensacional que lhe propiciariam trabalhos mais importantes e vantajosos. Lembrou-se até de um filme que havia visto anos atrás. Em que uma repórter vai em busca do dono de uma garrafa lançada ao mar.
Pronto. Nada mais a impediria de conseguir o que pretendia.
A BRUXA – Ideia fixa
Tentou falar com sua chefe pelo celular, mas naquele fim de mundo não tinha sinal. Ficou enlouquecida. O carro estava fora da areia e todos olhavam para ela admirados, não entendiam porque não ia embora. Ela se deu conta e rapidamente teve uma ideia.
-Gente está tão calor que eu gostaria de tomar um refrigerante, onde eu conseguiria um?
Responderam todos de uma só vez.
-No armazém perto da praça.
Então ela levou as pessoas consigo e foi se refrescar enquanto o pescador estava no mar. Depois que beberam as pessoas se dispersaram, enquanto ela disfarçava tirando fotos de todos e do mar. Passadas algumas horas ela olhou no relógio e se despediu do comerciante. Mas em vez de tomar o caminho para a cidade, voltou ao lugar onde morava o pescador solitário.
A BRUXA – Margareth Flores
Não saiu da estrada que a essa altura já era de terra. Foi até a casa de pedra e viu que ele já tinha voltado. Estava sentando sobre uma arvore com um cesto ao lado. Ela se aproximou e ele se levantou. Viu que era a mesma mulher e olhou fixamente para ela como querendo ler seus pensamentos.
-O que a senhora vem procurar aqui, Margareth Flores?
-Como sabe meu nome?
-Sei também que trabalha em uma famosa revista do Rio de Janeiro. Também que está em busca de uma matéria que lhe dê um prêmio.
-Mas eu não falei com ninguém onde trabalho.
-Eu vi os cartões de visita no porta luvas do carro. Juntamente com um maço de cigarros escondido no meio de um lenço de seda cor de rosa.
A BRUXA – Esperteza
Ela ficou intrigada, afinal ele não entrara no carro quando foi ajudá-la a desatolar.
-Não entrei no seu carro, mas vi quando a senhora entrou. Eu estava revirando seu porta malas na procura de algo que pudesse ajudar. A senhora não tem medo de uma insolação, expondo sua pele branca neste sol abrasador?
Só então ela lembrou que estava usando uma blusa de alças, que deixava parte de seu corpo a mostra. E por cima ainda era de cor preta, atraindo o sol mais fortemente. Ele disse para ela se acomodar sob a árvore. Que sentasse em uma pedra que ele iria pegar uma bebida para que ela se refrescasse. Falou com um tom tão sisudo que ela se sentiu incomodada, afinal não a convidou para entrar na casa.
Logo Luiz saiu com um copo de vidro sextavado contendo um líquido vermelho e grosso, muito gelado.
A BRUXA – Estranha discussão
Ela pegou o copo e olhou, teve medo de beber aquilo. Tinha um aspecto estranho. Nesse momento um barulho no interior da casa na pedra chamou a atenção dele, que pediu licença e entrou.
Então começou uma discussão acalorada entre dois homens. Um gritava com uma voz rouca, mas cheia de raiva.
-Me entregue a bruxa agora, ela é minha e você a tem aí no seu quintal. Se não me entregar a bruxa até antes do anoitecer eu vou acabar com sua vida.
Margô nessa altura tremia, porque parecia que falavam dela. Na redação todos a chamavam de bruxa, porque gostava de deixar sobre a mesa de trabalho muitas miniaturas de bruxas. Até aquele dia ela se sentia bem quando brincavam, mas agora sentiu desconforto com a palavra bruxa.
A briga continua e ela ouvia barulhos de corpos que se chocavam, ou antes, se esmurravam.
A BRUXA – Ser invisível
Tal situação durou uns quinze minutos. Tempo suficiente para ela jogar fora a bebida que nesse momento parecia mais um veneno do que um refresco. Nesses minutos ela relembrou tudo que os nativos lhe falaram sobre a estranha vida daquele homem. E como ele era taciturno e não gostava de visitas. Estava decidida a ir embora antes que ele reaparecesse, mas não deu tempo.
Ele saiu de costas de dentro da caverna. Pois ela constatou que era uma construção de pedra alongada a partir de uma caverna. Os cabelos do homem estavam desgrenhados e seu rosto muito vermelho. Os olhos faiscavam e quando ela pegou a bolsa para sair ele falou:
-Aonde pensa que vai?
Ela sentiu a areia formar um buraco sob seus pés. Estava sem coragem de olhar para ele, pois sentiu que ela era a tal bruxa que o outro queria.
A BRUXA – O velho homem e o novo homem
Ela só conseguiu perguntar se estava tudo bem ao que ele respondeu que sim, estava tudo bem. Então, ela com sua boca enorme comentou:
-É que pareceu que o outro homem estava nervoso.
-Que outro homem, não tem ninguém aqui além de nós.
Deu uma dor no estômago de Margô. Então nesse momento pensou, como não tinha outro homem se ela ouviu a discussão. E sem querer olhou atrás do pescador que estava em pé a sua frente. E viu na porta da casa de pedra um homem parecido com ele só que muito mais velho, com um olhar de ódio. Então falou:
-Aquele homem que está na porta com um olhar de raiva e que brigava com você a pouco.
A BRUXA – Ameaçada
Luiz, pegou o braço de Margô com força e retrucou.
-O sol está fazendo mal a senhora, Margareth Flores, já disse que não há mais ninguém aqui.
E olhou para trás para a porta. Margô estremeceu. O velho sumiu.
-Preciso de você aqui. Já que estava tão interessada em saber sobre o que não é da sua conta.
Ficará até que eu lhe deixe ir. Por acaso sabe que dia é hoje. Dia trinta e um de outubro, esse dia lhe lembra alguma coisa?
Ela nunca tinha estado em situação sequer parecida. Pois de repente veio a sua mente, todo o tipo de pensamento ruim.
Imaginou-se sendo notícias dos jornais, que seria descoberto dias depois o que ali acontecera. Enfim sua mente lhe fez um mártir.
A BRUXA – Luta insólita
Luiz falou com ela e ela não ouviu, ele apertou seu braço e ela voltou à realidade. Ele perguntava:
-Ainda vê o espírito na porta?
-Não, ele sumiu. Ela respondeu sem muita atenção.
Estava mais preocupada em pensar como fugiria das garras daquele malfeitor. Enquanto isso no interior da caverna começou um barulho infernal, coisas quebrando, algumas das peças de artesanato arremessadas porta afora.
Luiz se enfureceu e largou o braço da mulher, entrando na casa feio um furacão.
Margô quis aproveitar e sair correndo, mas que nada, sentiu-se pregada no lugar, imobilizada por nada. Ela não entendia o que acontecia, nada mais a prendia, no entanto não conseguia andar. Luiz saiu da caverna visivelmente transtornado, e demonstrando grande impotência falou.
-Esse espírito me persegue e eu não consigo vê-lo.
A BRUXA – Mediadora
-Mas você o viu, por isso ficará aqui até que ele entenda que não cederei. Você ouviu ele dizer que quer a bruxa.
-Ouvi.
O som da voz de Margô saiu baixinho de tanto medo.
-Todo ano nesse dia eu sofro esse tipo de agressão desse ser que não sei de onde vem.
Margô, já tinha recuperado a presença de espírito, então comentou:
-Ele se parece com você, só que é bem mais velho e tem um sotaque português.
-Luiz olhou para Margô com curiosidade.
-Se parece comigo, como?
-Ele tem o seu porte, os cabelos iguais e da mesma cor, e os olhos também são verdes. Mas roupas são esquisitas.
Ele ficou pensando um pouco então disse.
-Você vai falar com ele.
-Deus me livre, não sei nada dessas coisas moço.
Luiz não deu atenção ao medo de Margô, e gritou.
A BRUXA – A compreensão
-Apareça velho, venha fazer sua cobrança agora, se tem coragem.
Margô viu o homem do seu lado, e percebeu que já podia andar. Então o velho parecido com Luiz, disse a ela e pediu que ela dissesse a ele:
-Fale para esse idiota que eu quero a bruxa que está com ele. -Ela, apavorada falou o que o velho pediu.
-Diga a esse velho que não tenho bruxa nenhuma, a não ser que ele fale de você.
Ela tremeu e falou a Luiz.
-Não preciso dizer nada a ele, ele está aqui olhando para nós.
O espírito disse à Margô que precisava salvar a esposa que estava muito doente à beira da morte. Que só com a bruxa poderia salvá-la.
Pediu com tanta amargura para ela dizer a Luiz que ela se condoeu do velho.
A BRUXA – Esclarecimentos
Luiz quando soube do pedido, riu alto e gritou para o nada, pois não sabia onde estava o espírito.
-Não, não e não. Esqueça não terá nada de mim, e já disse se essa bruxa servir pode levar.
O velho se sentou numa pedra colocou as mãos na cabeça e começou a chorar.
-Não haverá mais tempo minha pobre mulher morrerá, porque esse homem mau não me cede a bruxa.
-Afinal o que você pretende com ela, para que lhe serve?
Me responda seu cientista do mal. Pretende dominar o mundo com ela é isso, escravizar pessoas com seu poder?
Luiz não ouvida nada disso e Margô continuava relatando à medida que o velho vociferava.
Margô estava tão angustiada que sentia pena dos dois homens.
De um porque queria a todo custo salvar a esposa que morria. E do outro que lutava contra o invisível.
A BRUXA – A busca segue por vidas
Ambos sofriam e ela por ser tão intrometida estava presa ali.
Luiz estava se sentando numa pedra quando Margô gritou que o velho estava sentado lá.
Então ele mudou e foi para outra pedra, sentou e colocou a mão na cabeça igualmente ao velho.
Ela ficou olhando os homens e a sensação foi estranha parecia que era a mesma pessoa. Então algo lhe veio à mente e ela perguntou a Luiz.
-Por que você mora aqui sozinho, numa caverna?
Ele estava tão abatido que abriu a guarda e respondeu com naturalidade.
-Sou um pesquisador, extraio das rochas betumosas, por destilação, um produto que curará o câncer de pele.
Nisso o velho se levanta e brada para Margô.
-A bruxa, ele tem a bruxa e não quer me ceder, peça a ele senhora.
Margô olhou para o velho e pergunta, pois queria ajudar.
A BRUXA – Ictyol o óleo de Ichtys
-Meu bom homem o que é essa bruxa?
-Bruxa é o peixe que ele encontra e do qual extrai o óleo que salvará minha esposa.
Não se sabe explicar porque, mas, Luiz ouviu o que o espírito falou e respondeu.
-O peixe chama-se Ichtys e seu óleo chamado Ictyol, salvará muitas vidas.
Então os homens se olharam nos olhos e se reconheceram.
Margô viu, através de uma imagem em seu cérebro. Que a esposa do velho morreu com uma grave e feia doença de pele. E que ele, o velho, era Luiz que numa encarnação posterior tornou-se pesquisador da bruxa, que ao tempo anterior supunha-se poder curar doenças de pele.
O espírito desapareceu, Luiz olhou Margô com muito carinho, pois ele também se viu no passado e pôde ver sua esposa que morrera, e ela… era Margô…
FIM
DIA DE GRANDE REALIZAÇÕES PARA TODAS AS BRUXAS
Crédito de imagem destacada: https://unsplash.com/photos/Ar5FGfHXwMU
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