Getúlio Vargas – Uma decisão política?

Getúlio Vargas – Uma decisão política?

(Decreto do Presidente Getúlio Vargas diz que o Brasil precisa desenvolver, em relação à imigração, “as características mais convenientes de sua ascendência europeia” )

Ao assinar, em 30 de janeiro de 1941, o decreto-lei determinando a criação da Companhia Siderúrgica Nacional, Getúlio Vargas encerrou uma longa etapa da história da implantação da siderurgia no Brasil.

Um pouquinho da história da campanha de nacionalização foi o conjunto de medidas tomadas durante o Estado Novo de Getúlio Vargas tanto para diminuir a influência das comunidades de imigrantes estrangeiros no Brasil quanto forçar sua integração junto à população brasileira.

Não se pode dizer que em 1930 não existissem usinas siderúrgicas no Brasil.

Decerto eram muitas as pequenas usinas.

Embora com uma produção sempre crescente, elas não conseguiam atender à demanda. Portanto, obrigando à importação de produtos siderúrgicos.

Simplificando a questão, o Brasil exportava minério para poder importar trilhos para suas ferrovias.

A economia do país no momento em que Getúlio Vargas se instalou no governo, após a Revolução de 1930, nãoera boa.

Sobretudo, estava marcada pelo impacto da depressão mundial causada pela crise de 1929.

Tornou-se clara a vulnerabilidade da economia brasileira, por sua total dependência em relação ao mercado externo do café.

A amplitude do choque alertou para a necessidade de adaptação à nova realidade internacional, mesmo se mantendo a defesa do café.

Sobretudo, tudo indicava que o caminho era a industrialização.

Embora, no começo da década de 1930, ainda não se possa falar em uma política de industrialização consistente,algomudou.

É certo que então se inaugurou uma nova fase nas relações entre Estado e economia.

Afastando-se progressivamente do liberalismo econômico, o Estado passou a atuar cada vez mais como regulador das diferentes atividades.

Ademais, e se esforçou para definir um planejamento econômico global.

A implantação do Estado Novo, a 10 de novembro de 1937, aprofundou a estruturação do Estado assim como acentuou o intervencionismo.

E para promover o reaparelhamento das Forças Armadas e a implementação de um vasto programa de obras públicas, a siderurgia tornava-se um fator tanto central quanto indispensável.

A ascensão de Getulio Vargas marcou o início de uma série de medidas tomadas pelo Estado para avaliar a situação da indústria siderúrgica.

Ao longo de uma década, várias comissões foram formadas ou encarregadas de estudar o assunto, até se chegar à criação da CSN.

Mas, sem dúvida, o fator decisivo foi a Segunda Guerra Mundial.

A mudança de rumo coincidiu com a viagem do major Edmundo Macedo Soares e Silva à Europa e aos Estados Unidos.

Ele foi estudar as possibilidades de exportação do minério de ferro brasileiro e as modernas instalações siderúrgicas existentes. Visava a criação de uma grande siderúrgica.

Como resultado dos contatos mantidos, foi decidido que a empresa U. S. Steel enviaria ao Brasil um grupo de técnicos para avaliar a viabilidade da construção de uma usina a coque, tendo por base uma empresa de capital misto.

Para trabalhar junto com os norte-americanos, Macedo Soares sugeriu a Vargas a criação de uma comissão.

Isso aconteceu a 5 de agosto de 1939: foi criada então a Comissão Preparatória do Plano Siderúrgico Nacional.

Presidida pelo próprio Macedo Soares, era integrada ainda por Joaquim Arrojado Lisboa, João da Costa Pinto e por Plínio Cantanhede.

Os estudos da Comissão Mista vieram a comprovar a possibilidade de o Brasil construir uma grande usina siderúrgica, além de aprovar idéias que vinham sendo defendidas por técnicos brasileiros havia algum tempo.

Por outro lado, serviram também para dar continuidade aos trabalhos da Comissão Preparatória.

Essa Comissão, no início de março de 1940 apresentou relatório com o plano de ação para o setor siderúrgico e a estratégia ideal. Visava todavia, conciliar os interesses nacionais com a proposta da U. S. Steel.

A evolução da Segunda Guerra, no entanto, levou a empresa norte-americana a abandonar o empreendimento.

As dificuldades levaram Vargas a desistir da associação com empresas estrangeiras.

Mas, decidido a dar um encaminhamento definitivo para a questão, optou pela constituição de uma empresa nacional.

O capital estrangeiro entraria sob a forma de empréstimo.

Assim, em 4 de março, assinou o Decreto-Lei nº2.054, criando a Comissão Executiva do Plano Siderúrgico Nacional.

Diretamente subordinada à Presidência da República, e integrada, entre outros, por Guilherme Guinle e o próprio Macedo Soares.

Ao mesmo tempo, Vargas iniciava os entendimentos com o governo dos EUA e com o Eximbank para a obtenção do empréstimo necessário, de 20 milhões de dólares.

As negociações se prolongaram por todo o ano, contudo, com vários impasses.

Embora estivesse interessado em montar bases aéreas no Nordeste brasileiro, em nome da segurança continental, e também concordasse em vender material bélico para o reaparelhamento das forças armadas brasileiras, o governo norte-americano ainda resistia à idéia de financiar a construção de uma grande usina siderúrgica aqui.

Decerto, isto na prática, representaria a quebra do monopólio da produção de aço, até então controlada pelos próprios Estados Unidos e Europa.

Em outras palavras, significaria ajudar a industrialização do Brasil.

A mudança radical ocorreu em junho de 1940, com o discurso pronunciado por Vargas a bordo do encouraçado Minas Gerais. Esse fato foi interpretado como o anúncio da adesão do Brasil aos países do Eixo.

O efeito deste pronunciamento foi imediato!

Vargas, com uma manobra consciente, conseguiu pôr um fim às intermináveis negociações, forçando a definição dos Estados Unidos.

O empréstimo junto ao Eximbank foi obtido em final de setembro.

Portanto, a nova etapa seria a organização da nova companhia e a implementação das obras.

O local escolhido? A pacata localidade de Santo Antônio da Volta Redonda.

Um local que atendia às exigências técnicas (terreno plano, grandes reservas de água, estrada de ferro), e também a alguns fatores de ordem política, pois se situava no estado do Rio de Janeiro.

O Estado era governado por Ernani do Amaral Peixoto, genro do presidente Vargas.

Em 9 de abril de 1941 realizou-se a assembleia geral de criação da Companhia Siderúrgica Nacional, e foi escolhida sua primeira diretoria.

Sua composição: Ari Torres (vice-presidente), Macedo Soares (diretor-técnico) e Oscar Weinschenck (diretor-comercial).

Seu presidente, Guilherme Guinle, foi nomeado diretamente por Vargas.

A usina de Volta Redonda foi inaugurada no dia 12 de outubro de 1946.

Estavam presentes entre outros, o presidente Eurico Dutra e seu ministro da Viação e Obras Públicas, Edmundo de Macedo Soares e Silva.

Getúlio Vargas, o grande incentivador da usina siderúrgica, estava ausente, deposto com o final do Estado Novo.

Em agosto de 1942, em Pelotas, as ruas da cidade foram tomadas por uma turba enfurecida, que atacou, violentamente, casas comerciais de teuto-brasileiros e imigrantes alemães.

Até mesmo a igreja da comunidade protestante alemã foi queimada em seu interior.[3]

As políticas ante estrangeiras de Getúlio Vargas foram abandonadas em 1986, porém não houve anistia aos afetados e muitos clubes continuam com os nomes que herdaram com a campanha de nacionalização até os dias de hoje.

Ah os Negros nesta história? Os indesejáveis

No início do Estado Novo cabia ao Itamaraty gerir a política de vistos, mas isso mudou a partir de 1941.

Essa troca refletia o debate na elite brasileira sobre qual era o imigrante ‘desejável’ para o ‘aprimoramento’ do povo brasileiro”, fala Koif-man.

Vargas era simpatizante aberto do ideário eugênico.

Em 1930, num discurso de campanha à Presidência, avisou: “Durante anos pensamos a imigração apenas em seus aspectos econômicos. É oportuno obedecer agora ao critério étnico”.

Em 1934, durante a Constituinte, o lobby eugenista, bem organizado, conseguiu a aprovação de artigos baseados nas teorias racistas.

O alvo, então, era o japonês.

De forma silenciosa foi institucionalizado um sistema de cotas para cada nacionalidade. Esse sistema foi manipulado para restringir a entrada de orientais no país.

O Brasil não foi o único a adotar medidas restritivas contra imigrantes e até ‘demorou’ a implantá-las.

Democracias como os EUA e o Canadá já o faziam nos primeiros anos da década de 1920”, lembra o autor.

Mas, uma vez iniciado o processo, foram rápidos.

Não satisfeitos com as leis de 1934, setores da elite e intelectuais exigiram uma maior intervenção do Estado e uma seleção mais rigorosa na política imigratória.

O resultado foi o decreto-lei 3.010, de 1938:

– exigia-se do solicitante de vistos que se apresentasse pessoalmente ao cônsul para que o diplomata visse o candidato e relatasse se era branco, negro, ou se tinha alguma deficiência física.

“Segmentos letrados da sociedade brasileira e muitos homens do governo, incluindo Vargas, acreditavam que o problema do desenvolvimento brasileiro estava relacionado à má formação étnica do povo. Achavam que trazendo ‘bons’ imigrantes, ou seja, brancos que se integrassem à população não branca, o Brasil em 50 anos se transformaria em uma sociedade mais desenvolvida”, conta o pesquisador.

O estrangeiro ideal era não apenas branco, mas, tanto católico quanto apolítico.

A preferência pessoal de Vargas era pelos portugueses.

“A maioria dos imigrantes vindos de Portugal era de origem modesta e instrução limitada, acostumados à ditadura salazarista”, diz Koifman.

Europeus, mas sem “ideias dissolventes”.

Ao contrário dos grupos intelectualizados originários da Alemanha, França, Áustria, entre outros países, que produziam reflexões em jornais e livros sobre as mazelas nacionais.

O ministro da Justiça detestava particularmente os intelectuais estrangeiros.

Chegou a propor o fechamento total do Brasil à imigração enquanto durasse a guerra na Europa, medida que o pragmatismo de Vargas rejeitou.

“O Brasil, que não contribuiu para que se criassem na Europa as perseguições e as dificuldades de vida, não pode se converter numa fácil hospedaria da massa de refugiados.

Não nos serve esse white trash, rebotalho branco que todos os países civilizados refugam”, argumentava Campos, também conhecido como “Chico Ciência”.

“Um dos inspiradores intelectuais do Estado Novo foi influenciado pelos fascismos português e italiano.

Esse defendia uma legislação imigratória calcada nas teorias eugênicas americanas.”

Para Campos, na contramão do entusiasmo pela imigração em voga no país desde o século XIX, estrangeiros só atrasavam o desenvolvimento do país, “parasitas” que nada contribuíam para o progresso nacional.

“Os judeus, por exemplo, só se dedicavam a atividades urbanas, ao pequeno comércio.

O problema é que Campos e Reis logo perceberam que essas eram as mesmas atividades às quais os portugueses se dedicavam.

Apontaram a Vargas essa contradição, para ira do ditador, que queria imigrantes de Portugal”, fala Koifman.

Isso decerto abalou Campos, cuja ideologia não era isenta de interesses pessoais.

Chico Ciência disputava as atenções de Vargas com Oswaldo Aranha, então à frente do Itamaraty.

Para atacar o rival, martelava a tecla de que, apesar das restrições, estrangeiros continuavam a entrar no Brasil. Em outras palavras, prova da incompetência do Itamaraty na gestão da questão imigratória.

Bem-sucedido, convenceu o ditador da validade de suas ideias e ganhou o poder de seleção de “desejáveis” e “indesejáveis” para o seu Setor de Vistos.

Não conseguiu, porém, impor o ideário eugênico que admirava, sendo obrigado a “topicalizá-lo”.

“As raças admiradas pelos americanos eram minoria num país composto majoritariamente por grupos considerados ‘inferiores’”, lembra o historiador.

Isso levou Campos a se concentrar no combate aos imigrantes “infusíveis” que, supostamente, tinham um grau de miscigenação baixo e, logo, não serviam ao projeto de “branqueamento” por miscigenação, entre esses, os judeus.

Passaporte cancelado pelos nazistas, mas aceito pelas autoridades brasileiras acervo Maria Luiza Tucci Carneiro.

“Mas as restrições à entrada de judeus, tema recorrente nos estudos sobre a política imigratória do Estado Novo, devem ser vistas num contexto maior, em que vários outros grupos foram igualmente classificados como “indesejáveis”.

Se a condição de judeu dificultava a emissão de um visto, a comprovação da ausência dessa condição tampouco era garantia de um visto”.

Para o pesquisador, o antissemitismo de um fascista como Campos não era análogo ao racismo dos nazistas.

“Após a Intentona Comunista de 1935 o Estado adotou uma visão genérica dos judeus que os associava ao comunismo, um antissemitismo de fundo político compartilhado por Vargas”, observa o pesquisador.

Nas palavras de Campos: “Os judeus se tem aproveitado do descuido das autoridades brasileiras.

Embora o Brasil não seja fascista ou nacional-socialista, o certo é que esses elementos comunizantes, socialistas, esquerdistas ou liberais leem por uma cartilha que está longe de nos convir”.

Sem negar o antissemitismo de membros individuais do governo e da sociedade brasileira, Koifman acredita que o critério adotado mais importante, ao lado da “ameaça vermelha”, era a capacidade, ou não, da suposta capacidade de “fusão” dos imigrantes.

“A preocupação estava no potencial de união de europeus brancos com descendentes de africanos e indígenas, condição necessária para conseguir o ‘aprimoramento’ das gerações futuras”, fala.

O Estado Novo não queria reproduzir o racismo, então muito em voga nos EUA e na Europa.

A segregação deveria ser evitada a qualquer custo, pois dificultaria a miscigenação, força-motriz do ‘branqueamento’”, diz.

Vargas não tolerava racismos contra grupos étnicos dentro do Brasil.

Esse cuidado também se devia à manutenção de uma boa imagem internacional, para agradar, em especial, os EUA, cuja política racial para os outros não refletia a sua realidade interna.

“Ser acusado de racista ativo, nas décadas de 1930 e 1940, colocava qualquer nação, diplomata ou intelectual, em posição constrangedora de alinhamento com a política de exclusão da Alemanha nazista”, explica a historiadora Maria Luiza Tucci Carneiro, da Universidade de São Paulo (USP) e autora do estudo referencial Antissemitismo na era Vargas (1987).

“Ainda assim o Estado Novo, por meio do Ministério da Justiça e de uma política nacionalista, não admitia fissuras, combatendo grupos migrantes, vistos como elementos de ‘erosão’.

O ideal do regime era a homogeneidade em detrimento da diversidade”.

Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
Pesquisadora-Historiadora – ativista do movimento negro
Fonte: LIA, C. (11 de maio de 2013). «A quadrilha de falsários: imigrantes judeus nas ações policiais e judiciais da era Vargas». Métis: história & cultura, América do Norte. SEYFERTH, Giralda. Os imigrantes e a campanha de nacionalização do Estado Novo. In:Repensando o Estado Novo.Organizadora: Dulce Pandolfi.




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Claudia vitalino

UNEGRO-União de Negras e Negros Pela Igualdade -Pesquisadora-historiadora CEVENB RJ- Comissão estadual da Verdade da Escravidão Negra do Estado do Rio de Janeiro Comissão Estadual Pequena Africa. Email: claudiamzvittalino@hotmail.com / vitalinoclaudia59@gmail.com

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