Malie
Malie>>
Max olhava, alheio as águas singradas pelo barco que comandava. Onde seus pensamentos estavam não era possível saber. O que se podia ler em seu semblante era que a tristeza beirava o desprezo pela vida.
Estava em pé, solitariamente na proa. Seu quepe branco impedia que o sol lhe incidisse diretamente nos olhos. Olhos da cor do céu, que em contraste com o azul do mar estavam nesse momento quase cinzas.
Usava o uniforme dos comandantes. Paletó azul escuro com botões dourados, calças e sapatos brancos. Vestimenta impecável em seu caimento.
Era ele desses homens, cuja roupa ficava valorizada pelo seu porte atlético e seu estilo clássico e imponente.
Seu imediato observava-o de certa distância com ar preocupado.
Malie – Solitário
Conheciam-se há décadas, eram amigos. E não conseguira fazer que se interessasse por nenhuma mulher. Algumas que apresentou o interesse não além de alguns encontros. Assim agora nesse momento tão importante, estava Max sozinho, como sempre.
Era um homem cobiçado por ter independência financeira. Inclusive despertava paixões pela beleza de Apolo. Mesmo assim ousava ser caprichoso, sempre tratando as pretendentes com respeito, mas fria distância.
De tempos em tempos boatos corriam à solta. Ao que ele não dava atenção. Por pior fossem os comentários a seu respeito. Ainda que tais fossem, de tal modo mordazes, que colocassem sua moral em cheque.
A verdade era que ninguém conseguia sustentar uma opinião menos digna sobre o comandante do iate de turismo denominado “Malie”. Decidira viver só, desatento da sociedade que transportava e divertia em seus cruzeiros. Seus cruzeiros eram conhecidos e requeridos pela burguesia da Europa e da América.
Malie – Um barco de luxo
Seu belo barco atraia pelas acomodações e pelo luxo.
Definitivamente todos que pudessem pagar bem caro por férias dignas de deidades, sentiam-se privilegiados.
Tão especial era o roteiro que preciso era, que fossem feitas reservas com dois anos de antecedências.
Porque assim sua tripulação teria tempo de preparar ambientação, e diversões próprias, conforme solicitassem os clientes pagantes.
Desta forma, uma excursão preparada levava um máximo de vinte e cinco pessoas.
Previamente reservavam e posteriormente eram reunidas, debatiam os motivos das noites e dos dias em alto mar.
Max geralmente não participava desses encontros, deixando a cargo de seu imediato, o nobilíssimo Diego, um espanhol dedicado.
Malie – A doença inesperada
Com todo o cuidado Diego se aproximou. Tocou no ombro de Max que estremeceu ao contato, voltando seu pensamento para perto.
-Então amigo tem certeza que não será melhor ficar junto da civilização, caso precise de assistência?
-Diego, eu já decidi. Pretendo me retirar de verdade, viver junto aos nativos. Sei que teria que receber muitas visitas, dos parentes e dos amigos e não me sinto preparado.
Ainda menos disposto a dar tantas explicações. Até porque meu amigo, eu próprio não sei o que acontece comigo.
-Você deveria consultar mais um médico, ficar garantido de que não há erro.
-Já me bastam os três que consultei. Além do que o corpo me dá a resposta mais correta.
Os dois homens ficaram mais de meia hora conversando. Por fim a conversa seguiu outro rumo.
Malie – Herança em vida
-Espero que você não se ressinta do meu pedido, quanto ao barco e o trabalho.
-Como posso ficar ressentido Max. Em resumo você deixa para mim o seu bem e sua atividade. Com tudo de bom que vem junto. Somente se fosse ingrato e literalmente burro para não ficar agradecido.
E sobre outro ponto de vista se não atendesse seu pedido, também seria perfeito idiota.
Ambos riram e abraçaram-se, um abraço demorado. Por fim Diego perguntou.
Malie – A partida
-Quando pretende partir Max?
-Na próxima semana. Recebi correspondência do médico da aldeia. Tudo está pronto e poderei ter meus aposentos particulares na clínica.
Conforme disse Max, na semana seguinte ele deixou o barco. Um barco menor seguiu para a praia de uma ilha distante, que não se encontrava no mapa.
Diego sentiu uma mágoa por não poder ajudar o amigo. Portanto, prometeu a si mesmo que sempre que passassem na costa iria ter com ele algumas horas.
Max tinha o coração apequenado, apertado, sentia desânimo.
Assim foi que se despediu do marujo. Depois, começou a andar devagar pela areia rumo aos arbustos que se amontoavam à frente e a direita. Enquanto caminhava seu pensamento brincava fazendo troça do destino.
Malie – Chegando ao destino
É Max, toda vida cercada de luxo. Todavia, no fim preferir refúgio no meio do nada, cercado de água e solidão. (Pensava ele).
Assustou-se quando uma voz grave falou bem perto.
-Seja bem-vindo senhor Max, nossa aldeia se orgulha de receber tão ilustre visitante.
Max viu o chefe do povoado, com quem acertara sua transferência para a ilha. Estava à sua frente com a mão estendida.
Desta vez vestido civilizadamente e um sorriso largo e contente, estampado numa carreira interminável de dentes luzidios.
Cumprimentos e votos de parte a parte, seguem para a administração.
Malie – Seu mundo agora é simples
Lá encontraram o médico e o sacerdote.
Max não entendeu bem qual era a religião que seguiam ali. Embora o sacerdote tivesse tentado lhe explicar ele era avesso a doutrinas e pouco ouviu.
Instalou-se em uma ala do que chamaram clínica, mais parecida com uma hospedaria de um país do terceiro mundo. Mesmo sendo de bom gosto e extremamente limpa.
O branco imperava em tudo, tanto nas paredes, quanto nas roupas e apetrechos. O médico notando seu olhar curioso tratou de lhe dizer que, sendo uma ilha, os insetos eram muitos e minúsculos. Assim apareciam em tudo que fosse branco, evitando contaminação por suas picadas ou fezes. Max ficou satisfeito com a explicação, era algo com que teria muita atenção desde agora, insetos.
Malie – A integração ao novo grupo
Nos primeiros meses Max conheceu toda a ilha na companhia dos nativos. Fizeram festas em sua homenagem. Inclusive passeios nas grutas, cavernas, luaus com canções e danças típicas. Por isso, certo tempo ele esquecera porque viera parar ali.
No final de um semestre, em uma tarde muito quente, o céu começa a escurecer e uma tempestade se forma. Ele se levanta e vai fechar a janela da sala onde estava. Em uma mesa repleta de livros ele deposita o que estava lendo. Inesperadamente nesse instante seu olhar cruza com a figura alta e morena de Diego que entrara sem ser notado.
Uma algazarra digna dos homens. Sim, aperto de mãos, abraços, e as novidades recorrentes. Evidentemente, elas vinhas de Diego, porque Max não tinha novidades. Notadamente naquele lugar um dia era igual ao outro que era igual ao centésimo.
Malie – O contato com o exterior
Diego não pode voltar ao iate senão no dia seguinte. Pois a tempestade desabou violenta, assim puderam conversar até o clarear do dia. Pela manhã bem cedo se despediram.
A correspondência deixada pelo amigo formara uma pilha alta sobre a mesa, e dariam boas horas de leitura a Max.
Diego levara muitos presentes, entre frutas, temperos e colares. Enquanto o barco pequeno cortava célere, as águas do mar até o iate, ele deu asas ao pensamento.
-Como Max está debilitado. Sim, emagreceu por demais e as olheiras estão grandes e muito escuras. Não sei por quanto tempo meu amigo ainda sobreviverá. Mesmo não percebendo que tenha dores eu sinto que não durará muito.
Malie – A doença agravada
Por esses dias o médico que tornara seu amigo chama por Max em seu gabinete. Deliberadamente e sem delongas mostra na radiografia que pendurou no pedestal iluminado. Demonstrou que as manchas do pulmão esquerdo que aumentaram de tamanho. Assim o forçava a um tratamento mais radical.
Prescreveu os remédios novos, outra dieta alimentar, e finalizou a conversa num tom de preocupação.
-Eu, como seu médico, me sinto na obrigação de aconselhar que volte ao continente para ter condições de pronto atendimento. Porque seu estado terá picos de agravamento, e aqui não poderei fazer mais do que faço atualmente.
-Doutor, não pretendo ir a outro lugar. Expliquei bem quando lhe pedi que me instalasse aqui.
Malie – O envelhecimento precoce
Mesmo com a insistência do médico Max não mudou de ideia. Então o médico pediu sua autorização para trazer da Capital alguns aparelhos e um profissional mais bem preparado.
Pois precisaria de um para auxiliar na assistência de que ele fatalmente necessitaria. Max aceitou e financiou tudo, através de uma carta que mandou para Diego por intermédio do médico.
O suor cobria o rosto de Max, seu corpo ardia em febre e começara a delirar. A enfermeira que viera e cuidara dele pelo ano todo estava sensibilizada com sua fraqueza.
Condoía-se com o mal do qual foi acometido aquele homem esquelético que tinha traços de rara beleza.
Mas, que no atual estado parecia feito de ossos e pele macilenta. Seus cabelos louros embranqueceram e tornaram-se opacos, seus olhos azuis ficaram mortos como se estivesse cego.
Malie – Os delírios de Max e os segredos
Ele falava coisas estranhas, chamava por pessoas cujos nomes ninguém conhecia. Pedia perdão, fazia promessas e chorava.
Às vezes abria os olhos e sua expressão era de grande desconforto. Fazia menção de ajoelhar-se e Ingrid não permitia, segurando-o pelos ombros até que passasse esse acesso.
Na aldeia, além do sacerdote que era amigo de Max, muitos outros o estimavam. Pois conviviam desde o primeiro dia da chegada do moribundo. Também havia outro homem muito velho em quem os habitantes depositavam uma fé misteriosa. Pelas curas e pela autoridade com a qual conduzia determinadas situações.
Dizia-se que ele não morria. Que estava na ilha desde quando o homem mais velho nascera. Assim muitas lendas a respeito e de seus poderes eram passadas pelas gerações.
Max não gostava desse tipo de crença e não se interessou em conhece-lo. E achava ridículo chamarem-no de santo.
Malie – O santo
Lopine por sua vez também não procurou Max. Deixou que o estrangeiro viesse até ele, se assim um dia resolvesse.
Quem sempre vinha e conversava muito com o ancião era o médico que. Justamente por ser oriundo da aldeia, conhecia tudo quanto dizia respeito a Lopine. Tinham uma relação mais que amistosa, na verdade Lopaka, o médico, era neto de Lopine.
Mas não deixavam que essa informação saísse do pequeno círculo familiar.
Não era prudente que misturassem as funções. Em uma das conversas entre avô e neto, este último, comentou sobre seu paciente estrangeiro.
E recebeu orientações importantes sobre caso. Experiências que ele nunca havia praticado e sequer seriam admitidas nos bancos acadêmicos.
Mas Lopaka não se furtaria a usar os métodos do avô no caso de Max. Exatamente porque dizia ele, seria de grande valia para o espírito do doente. Visto que cumpria o carma planejado.
Malie – Despertada a curiosidade
Completara dois anos da chegada de Max a ilha e ninguém, além de Diego uma única vez, viera vê-lo.
Tal fato intrigava Ingrid que mantinha contato com o continente e nas folgas prolongadas visitava a família na Inglaterra.
Ela fez perguntas a Lopaka, mas este era tão desinteressado do mundo que não sabia nada sobre Max. Apenas que ele queria um refúgio distante e seguro para quando sua doença se apresentasse definitiva.
Contou a Ingrid que conhecera Max cinco anos antes da chegada dele. Portanto fazia sete anos que se conheceram.
Foi quando o barco de Max parou em alto mar e ele se dirigiu para a ilha. Na ocasião veio com a proposta que foi aceita pelo chefe, e por ele, o médico.
Malie – O exílio
Max beneficiou muito a comunidade pois era homem de muito dinheiro. Mas sempre exigiu sigilo a respeito de tudo e pediu que não lhe perguntassem nada. Nada sobre a vida que levara até o dia em que se exilaria ali.
Foi aceito e respeitada sua vontade. Por isso Lopaka não estava a par de nada que dissesse respeito a Max antes de ele chegar. Nem tão pouco sobre suas relações.
Ingrid, aproveitando a semana de folga concedida depois que Max melhorou de uma de suas recaídas, foi a Inglaterra. Levou escondido o nome e número de documento do doente, contratou um detetive particular para desenterrar tudo sobre aquele homem.
Um rapazola entra no quarto onde Max está deitado, informando que chegou visita. Ele olha estranhamente para Lopaka.
Malie – O retorno de Diego
Diego entra sem esperar ser anunciado. Visivelmente assustado, não conseguindo esconder o espanto por ver o estado depauperado do amigo.
– Não posso deixar você aqui Max, vou levá-lo comigo ainda que tenha que amarrá-lo no barco.
Num ímpeto tenta tirar Max da cama e este solta um gemido tão profundo que assusta muito Lopaka.
Conforme ouviu correu, estava atendendo outro doente ali mesmo no quarto, pois era uma enfermaria com mais três doentes.
Dois enfermeiros e Lopaka tiram Diego de cima de Max. Está inconformado. Praticamente o arrastam e o levam para fora. Ele se desespera pelo estado do amigo, faz uma cena, chamando a atenção de Ingrid que estava em seu alojamento.
Malie – Possibilidade de informações
Ela não tinha notícias do detetive e considerou Diego uma fonte de informações.
Assim ela se aproximou e disse à Lopaka que levaria Diego para um lugar onde ele pudesse se acalmar. Assim o levou para seu quarto.
Serviu a ambos de conhaque e sentaram-se.
Diego falava sem parar como pode acontecer de Max tornar-se um morto vivo em apenas dois anos, isso era incompreensível.
Então Ingrid explicou a ele, que Max possuía tinha uma doença rara no pulmão esquerdo. Uma doença diagnosticada há mais de sete anos, que ele sabia o que lhe aconteceria.
Diego conta que sabia que Max estava doente, mas, nunca soube a gravidade.
A medida que Ingrid perguntava ele respondia e foi dizendo que ele sempre foi sozinho.
Não se considerava merecedor de ter família.
Malie – Sentimento de culpa
Por isso se afastou dos irmãos quando sua mãe faleceu, quanto ao pai, morreu quando ele ainda era jovem.
Contou que Max era muito triste e que às vezes passava horas sem falar. Por outro lado, olhava o nada como se outro mundo se descortinasse em sua frente.
Quando alguma pessoa se afeiçoava de Max, se afastava o mais urgentemente possível.
Considera que ele era o único que privava de certa intimidade com o amigo. Nem sua família, mulher e filha, ele deixava que se aproximassem.
Por muitas vezes o convidavam para jantar e depois para dormir, mas ele nunca aceitava. Logo após o jantar, fizesse frio ou calor, ele partia.
-Soube que ele é um homem rico. Alguém deve estar cuidando desta fortuna.
-Sim, tomo conta do que era dele.
Antes de se instalar aqui ele me passou o que tinha; não sabia de nada.
Malie – Max virou um mito
Depois me fez prometer que seguiria com os cruzeiros como se ele ainda estivesse no comando. Não comentando com ninguém de sua morte quando acontecesse.
-Você não acha muito estranha essa atitude, como alguém pode querer morrer longe dos seus parentes?
-Eu me pergunto isso todos os dias. E me culpo por não vir vê-lo mais vezes.
Mas o fato é que o sumiço dele causou uma curiosidade doentia nas pessoas. Assim é que o barco está com excursões programadas por mais três anos seguidos.
Todos querem estar a bordo quando ele aparecer. Isso tudo está me deixando com os nervos em frangalhos.
Ingrid que no princípio duvidou da história de Diego. Por fim sentiu que ele não mentia e apiedou-se do homem que recebeu uma herança cheia de senões.
Malie – O nome do iate ou de alguém
-Durante as crises ele fala o nome de Malie, quem seria essa pessoa?
-Malie? Perguntou intrigado Diego.
-Sim, quem é?
-Malie é o nome do iate.
Nenhum deles entendeu porque ele chamaria pelo nome do barco em seus delírios.
Era imprescindível descobrir quem era Malie, talvez assim trazê-la até a presença dele e lhe dar um alento.
Combinaram que procurariam referencias de Malie. Ele iria falar com a família de Max.
Por sua vez Ingrid procuraria conversar com Max quando ele estivesse melhor e tentar desvendar esse mistério.
Diego pediu desculpas a Lopaka pela ousadia e foi embora, prometendo voltar em um mês.
Malie – O tempo chegado
À noite Lopaka tirou algumas horas para descansar e foi até a moradia de seu avô. Contou o que havia se sucedido durante o dia. E ao mencionar o nome Malie, viu um sorriso nos lábios de Lopine.
-Enfim essa situação será resolvida e todos poderão evoluir direito. — Foi o que comentou Lopine.
Por mais que Lopaka perguntasse ele não deu maiores detalhes. Somente dizia que ainda não era hora de retirar esse véu. Mas prometeu que na próxima crise de Max, o chamassem que poderia ajudar.
Por incrível que pareça já termina o mês e Max está bem.
Muito enfraquecido e desanimado, mas sem crises. Somente a tristeza aumentou e fez dele um ser sem sonhos e sem perspectivas. Todavia anseia pela morte como se fosse ela a salvação.
Malie – A desconhecida Malie
As tentativas de Ingrid de se aproximar e descobrir quem era Malie, se revelaram infrutíferas.
Max assemelhava-se a um túmulo. E fica visivelmente irritado com os modos da moça.
Ela mantém contato com Diego semanalmente e ele lhe traz uma informação sem muita importância. Diz que desde criança Max tem fixação pelo nome Malie.
Os irmãos dele contaram que a mãe tentou de todas as formas descobrir e não conseguiu. Portanto estavam na estaca zero.
O dia amanheceu lindo, uma brisa fresca soprava invisível. Adentrava os aposentos um perfume de flores, que já foi característico da ilha. O que era de se admirar é que esse perfume não mais era conhecido do povo atual. A planta que exalava esse aroma fora extinta há quase um século.
Malie – As vidas se encontram
Lopine saiu de sua choupana e aspirou em profundidade. Após olhou para o céu e viu que mesmo beirando às onze horas da manhã a lua estava no céu.
Ele entrou em casa apressado, arrastou um móvel pesado feito da madeira de uma imensa árvore que existiu na ilha. Em seguida tirou de um orifício na madeira um cristal.
Rapidamente envolveu a pedra em um tecido escuro, para que seu brilho não chamasse a atenção.
Depois pegou sua sacola de ervas secas trançou nas costas e junto ao peito. Debaixo da camisa, levou o cristal. Foi diretamente para a clínica.
Entrou e encontrou Lopaka consultando uma mulher bem velha e queixosa.
Voltou e esperou na antessala. Lopaka saiu, achou estranho seu avô estar na clínica. Mas este começou falando que deveriam ir até onde estava Max, pois havia chegado a hora de ele ser libertado.
Malie – Oportunidade de entendimento
Lopine pegou no braço do neto e imperativamente foi seguindo corredor adentro.
No caminho quase esbarraram em Ingrid que vinha esbaforida, com as faces afogueadas, também corria para o quarto de Max.
Nem bem entraram, quando pela porta entra Diego com os olhos esbugalhados, sem respiração. Vinha dizendo que Max havia lhe chamado durante a noite, estava acordado, estava na proa do barco, olhando a noite.
Max jazia inconsciente na cama, cadavérico, o rosto em rito de morte, as mãos e pés crispados, como se fossem galhos secos.
Lopaka conhecia o avô, por isso sabia que algo aconteceria, Diego disse ao que veio e por que. Então perguntou a Ingrid o que foi que a fez tão agitada.
Malie – As revelações começaram
-Estava arrumando algumas flores no vaso que mantenho à cabeceira de minha cama, de repente senti na brisa um perfume. Desde então me deixou estranha. Senti que precisava vir ver Max. Simplesmente como se eu soubesse quem é Malie, mas não me lembro. Não sei explicar o que se passou, eu simplesmente tinha que vir vê-lo.
Ele olhou para o avô interrogativamente e os outros também olharam. Todos repararam que era uma figura muito diferente dos habitantes da aldeia.
Parecia que não tinha idade, seu corpo era de um ancião, mas seus olhos eram vivos como os olhos dos jovens. Seu olhar possuía um brilho profundo e bondade ele transmitia.
Lopine não deu atenção para o exame que faziam em sua pessoa. Decididamente começou a dizer o que aconteceria, deixando os espectadores de boquiabertos.
Malie – O desfecho
-Filhos, hoje vocês assistirão há um acontecimento raro. Ou seja, melhor diria mesmo que viverão um acontecimento que jamais supuseram existir.
Por isso eu peço a cada um de vocês que se mantenham conscientes por mais vontade de adormecer, sintam.
É importante que fiquem atentos a tudo, pois, será a forma de ajudar esse homem a ter paz.
Ingrid ia cravar Lopine de perguntas, mas um só olhar dele a fez calar. Sentiu um arrepio percorrer a coluna de cima abaixo.
Diego, a essas alturas, não duvidava de nada e estava envolvido em ajudar o amigo a sair daquela situação dolorosa. Pois à noite quando o viu no barco, notou que o Max que ele conhecia, estava em grande sofrimento. Como que preso dentro daquele corpo semimorto.
Malie – O passado entra no presente
Max abriu os olhos e ergueu os braços, olhava para Ingrid e a chamava de Malie.
-Malie perdoe-me, eu não sabia, eu não sabia.
Ingrid sentiu que o chão sumiu, não desmaiou por pouco, chegou a se amparar na parede.
Lopaka olhou para o avô. Então e viu tirou de dentro de um tecido negro, uma pedra que espargia luz, como se fossem raios coloridos. Colocou a pedra na testa de Max. No meio do quarto, que por obra do acaso estava sem outro doente além de Max. Formou-se uma coluna de luz branca, como se fosse uma cortina ou uma tela. Então Lopine tomou a mão de Max e falou calmamente como se falasse ao filho querido.
-Meu filho, chegou o momento de entender o que se passou com você nessa vida.
Malie – Max promete reclusão
Você levou uma vida solitária e sempre que seu coração sentia necessidade de companhia, alguém vinha lembrar de sua promessa.
Enfim chega ao final de sua jornada, vitorioso. Vai ser liberado dessa marca que lhe fez um ser triste e arredio.
Embora tenha se lembrado do nome de Malie, não conseguiu acessar o porquê desse vínculo.
Teve muitas oportunidades de conhecer os mecanismos que pudessem abrandar esse peso. Mas sempre se manteve distante, julgando que fossem todos impostores.
Carregou uma carga mais pesada do que precisava carregar. Sua promessa, na erraticidade, foi a de não mais se comportar como um marido irresponsável como se comportou com Malie.
Nesse instante apareceu uma cena na tela, onde se via a mesma aldeia em tempos anteriores. Sim, a mesma ilha onde todos se encontravam.
Malie – A família reencontrada
Nas imagens podia-se identificar Max; um pescador forte, bonito, sempre acompanhado de muita gente ou em companhia de mulheres diversas.
Seguiu-se uma cena de casamento. Era Max que se casara com uma nativa, que era a mesma Ingrid.
Lopaka apareceu também como irmão de Max e Lopine era o sacerdote da aldeia.
Foi quem celebrou a cerimônia de casamento e também a cerimônia de morte de Ingrid.
Grávida, morrera sozinha em uma noite de intensa tempestade. No mesmo instante, em outro lugar da ilha, Max se juntava a muitos jovens. Bebiam e cantavam a luz de uma fogueira, esquecido totalmente de seus deveres de marido e futuro pai.
Na sequência apareceu sua volta para casa e o remorso que lhe corroeu por muitos e muitos dias.
Fazendo dele um homem solitário e triste, que acabou por se deixar morrer no mar.
Malie – A doença explicada
Quando comprometeu o pulmão esquerdo ao se projetar em uma pedra.
Sentindo-se culpado pela morte da mulher e pela morte do filho que ele não sabia estar a caminho. Pois nunca estava disposto a ouvir quando ela pedia para conversarem. Procurava se furtar na certeza de que ela iria lhe cobrar os namoros fortuitos.
Tomou aversão pelas mulheres inconsequentes que lhe tentavam, e envergonhado das famílias, sua e dela.
Assim, afastou-se cada vez mais, ficando em sua choupana, vivendo da pesca solitária, quando ninguém saia para o mar.
Até o dia que, não suportando mais a culpa, entrou no mar. E mesmo ouvindo o chamado dos companheiros, que avisavam que o mar estava bravo, não acatou, propositadamente deixou-se morrer.
Malie – O auto perdão como cura
Nesta vida trazia esse medo. Exatamente o medo de se comprometer novamente e não merecer o perdão. Não entendia que o perdão que precisava era o seu próprio. Por isso nessa hora extrema Lopine lhe fala:
-Perdoe-se filho e tenha paz.
Max balançava a cabeça negativamente e dizia que não poderia se perdoar enquanto Malie não lhe perdoasse.
Lopine tomou Ingrid pelo braço e a levou até perto da cama, dizendo:
-Malie não se lembra do que aconteceu, mas veja que ela não guarda nenhuma mágoa de você. Tanto que até veio para cuidar de você nessa fase onde a doença veio cobrar.
Ingrid tremia e por um instante viu em Max a figura que se projetara nas cenas e sentiu-se como Malie.
Malie – O perdão como cura do outro
Infelizmente dentro do seu peito acordou a mágoa e ela se afastou correndo.
Lopine foi até ela e em tom de autoridade exigiu que voltasse e perdoasse o homem à beira da morte.
-Filha, você também errou. Não se lembra, mas ele mudou o comportamento, porque você fraquejou primeiro.
Ingrid olhou para Lopine com ar desafiador.
-Errei em que?
-Você aceitou o irmão dele. Hoje Lopaka, em seu leito. Por isso nesta vida, nenhum de vocês foi feliz nos casamentos.
Max foi o único que não se ligou a ninguém, Lopaka casou-se três vezes e você também por três vezes tentou.
Eu só lamento que nenhum de vocês tenha despertado para o passado e procurado usar a lição no presente.
Por isso, faça sua parte e, pelo menos, liberte Max dessa dor e culpa porque ele não é culpado sozinho.
Malie –Todos erramos e todos acertamos
Ingrid foi até o leito, e tomou as mãos de Max. Depois beijou e disse que ele estava perdoado. Max sorriu, e disse antes de fechar os olhos para a vida:
-Que pena Malie, que você não me perdoou de verdade. Assim eu não poderei ser feliz nunca mais.
Malie – Os sonhos são reveladores
Olhos abertos, tomando consciência de onde se encontrava. Marli sentia o corpo todo formigando. Respirou, virou-se para o lado da cama e levantou.
Abriu a janela e ouviu o barulho ensurdecedor da cidade, as sirenes, as buzinas.
E o apito de um grande navio que chegava ao porto.
Malie – Observemos nossas memórias
Depois de vestir os chinelos de quarto, ela foi até a cozinha, abriu a geladeira. Pegou uma garra de água gelada e bebeu diretamente na garrafa.
Estava bem gelada, ela sentiu que doía a cabeça, a testa e a garganta pela frieza da água.
Olhou para suas mãos, unhas compridas, bem-feitas. Olhou para os pés, soltou os chinelos, pés bonitos, pernas torneadas.
Foi passando as mãos pelo corpo, se reconhecendo. Tocou os seios, tocou os lábios, sentiu o comprimento dos cabelos.
-Meu Deus que sonho. Eu me senti como o homem do sonho, eu era Max.
Preciso procurar ajuda. Estou começando a alucinar, criando coisas na minha cabeça, vendo e sentindo coisas. O que me intriga é a sensação, parece que tudo foi verdade.
FIM
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