A Porta
A Porta>> Existe uma imagem clássica no zen, onde a mente é simbolizada como uma casa na qual um macaco louco está instalado.
Esta ideia, relativamente recente, deriva de outra concepção surgida nos primórdios do zen na China:
a “Mente-Macaco” (xinyuan, ch; shin’em jap.: 心猿).
Ela também permeia o Taoismo e o Neoconfucionismo, e estabeleceu-se como uma parábola sobre a inconstância da mente, sua confusão, suscetibilidade, capricho.
Na imagética arcaica da Mente-Macaco, ela está sempre acompanhada do “Pensamento-Cavalo Indomado”, formando o termo “Mente-macaco, Pensamento-Cavalo Indomado” (ch.: xinyuanyima 心猿意馬; jap.: ibashin’en 意馬心猿).
A Porta e a Mente-Macaco
É uma bela metáfora. A mente-macaco, sempre insatisfeita, inquieta, gera pensamentos ou desejos-cavalo selvagem – indomados, imaturos, sem direção.
A mente, a casa de nossas mais íntimas percepções, é uma casa com uma única porta.
A maior parte das pessoas buscam algo para acalmar a mente-macaco e domar as ideias-cavalo.
Mas tragicamente essas pessoas buscam esta mudança fora delas mesmas, ansiosas por uma intervenção, uma técnica, uma pessoa que venha de algum lugar e abra a porta de suas consciências, permitindo a luz da transformação e cura entrar.
A Porta não pode ser aberta por fora
Na verdade, a porta não pode ser aberta por fora.
É preciso que saibamos abrir por nós mesmos a conexão com a luz da consciência, a clareza da sabedoria, da maturidade.
Somos nós que realmente podemos descobrir a solução para nossas angustias
O ensinamento, as práticas, o exemplo dos professores e o conhecimento fora de nós – se forem realmente saudáveis – irão sempre nos alcançar apenas como um guia, uma voz que nos indica o caminho.
Nos retiros zen (sesshin), ao final da noite e nos últimos minutos antes do término do último zazen do dia, em meio ao silêncio e semi-escuridão, ouvimos uma voz distante, fora do Zendo (o salão de prática).
É uma voz distante – mas firme, suave e intensa ao mesmo tempo. E ela nos recita o Gatha do Final do Dia (Han no ge 版の偈, versos do Han):
A Porta e o Gatha do Final do Dia
“Permitam-me respeitosamente lhes lembrar,
Vida e morte são de extrema importância.
O tempo rapidamente se esvai e a oportunidade se perde.
Cada um de nós deve se esforçar para despertar – despertar!
Cuidado, não desperdicem suas vidas…”
Essa voz representa o ensinamento, clamando para que nós superemos a ilusão do esquecimento, e nos esforcemos para abrir a Porta do Esclarecimento em nossas mentes.
Por favor, entendam: as práticas, os mestres, os sábios, os livros sagrados, as palavras, são apenas dedos apontando para a lua, vozes nos alertando para o Despertar.
A Porta precisa ser abera por dentro
Para realmente ver a bela lua, para sair de nosso sono, precisamos abrir a porta de nossa mente por dentro, na intimidade de nossa consciência.
Para abrir esta porta é preciso uma chave. Esta é a chave do Discernimento, da compreensão plena.
Ela ainda se encontra dentro de casa, em nossa própria consciência, mas ao longo de tantas vicissitudes em nossa compreensão do mundo – e de nós mesmos – não lembramos mais onde ela está.
Vamos, procure sua chave!
Você tem todas as condições de encontrá-la.
Para alguns, a busca é mais difícil.
Para outros, a chave já está na porta. Basta um giro para abri-la.
Mas para todos nós, a real descoberta será interna.
Se você busca a superação de angústias, medos, ódios e sofrimentos, não espere a porta abrir sozinha; não se iluda com a ideia de que a porta será aberta por outro alguém, por alguma outra coisa.
Você precisa se esforçar, precisa confiar em si mesma ou si mesmo
A chave está muito, muito perto. Seu despertar é possível, a prática contemplativa serve para isso. Por favor, não desista.
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Em nome do Dharma,
Monge Kōmyō
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