A confissão de um grileiro: a derrubada começa nove meses antes do fogo.

A confissão de um grileiro

Fiscais do IBAMA se arriscam ao deflagrar ação de madeireiros. Com dois tratores e uma corrente no meio, os criminosos devastam florestas inteiras, em pouco tempo.

 

Por José Dairon Sobrinho

A Amazônia, só tem duas estações: o inverno, representado por muita chuva e o verão, que é a estação de seca. São seis meses para um período de muita água e seis meses para outro, com muita estiagem.
Na floresta, no tempo de chuva, as árvores inundadas, espelham nas águas, o céu. É algo mágico, jamais imaginado por qualquer pessoa. Turistas do mundo inteiro ficam maravilhados ao ver tanta beleza.
A vida farta e o canto dos pássaros são de tamanha riqueza de cores e sons, que permeiam as almas mais distraídas ou menos atentas. Não dá para ficar indiferente.
Porém, infelizmente, algumas dezenas de anos para cá, muita coisa mudou.
Segundo estudos de alta precisão do projeto MapBiomas, o Brasil perdeu em 34 anos, aproximadamente 89 milhões de hectares de vegetação nativa, equivalente ao tamanho de 2,5 Alemanhas.
Estes dados , detalhadamente pesquisados entre 1985 e 1918, se referem ao total de áreas desmatadas, já retirando as que estão sendo reflorestadas. Só na Amazônia, neste período, foram 47 milhões de hectares, sendo que destes, a maioria usados para a agropecuária.
É um negócio economicamente promissor, ainda mais quando governantes e políticos possuem famílias pertencentes ao agronegócio e a indústria madeireira.
A área de mineração na Amazônia também triplicou, o que significa o envenenamento de rios e lagos, causando mortandade de peixes e problemas de saúde as populações indígenas e ribeirinhas. Não existe ainda atividade de mineração sustentável .
As informações que temos,  são de estarrecer e estamos assistindo sob o olhar perplexo do mundo, florestas inteiras incendiadas, animais queimados vivos,  pássaros fugindo e deixando seus filhotes, devido ao aumento das ações de criminosos ou pessoas apenas ignorantes.
Porém, embora pareçam atitudes isoladas, o esquema de incêndios vem de ações orquestradas há várias décadas, as quais financiam a indústria do crime ambiental no Brasil, a começar pelos grileiros e quem os contratam. Muitos dos que hoje possuem fazendas nestas regiões, enriqueceram assim .
Porém, para se entender como são estas práticas, é necessário voltar um pouco o tempo e compreender como é a ação destes homens na Amazônia e descobrir as causas do aumento destes crimes ambientais. Entre estas causas está a pobreza, a falta de conscientização ou mesmo políticas públicas que ajudem os moradores da região a descobrirem novas formas de se ganhar dinheiro, sem destruírem florestas ou provocar danos a natureza. Sem combater estas causas, fica difícil conter o avanço da destruição ambiental.

Portanto, o áudio aqui transcrito e publicado, tem o único objetivo de mostrar a ação do grileiro, para que  as autoridades competentes tenham um dado a mais para combate-las desde o início. Segundo a fonte, aqueles que contratam os trabalhadores para as derrubadas de árvores, possuem informações sobre as passagens dos satélites. Geralmente o início dos trabalhos,  se dá em novembro, quando há o acúmulo de nuvens no céu, dificultando a visibilidade do alto. Mesmo com as chuvas, o trabalho não pára até o mês de agosto, quando na última etapa, ateiam fogo nas matas. Mesmo com multas, os proprietários de terras recorrem inúmeras vezes na justiça, até que elas se reduzam a quase nada e isto é um grande incentivo.  Sem acreditarem no prejuízo ambiental que isto pode causar, prosseguem num círculo vicioso que se não for contido, acabará por destruir toda a amazônia.

“Começa a derrubar… derruba em janeiro, em fevereiro, o tanto que puder, vai derrubando! No mês de agosto, taca fogo e toca o capim.”

Ação de madeireiros na Amazônia

Era outubro de 2016. Eu estava a trabalho, e viajei para a região norte do Acre, divisa com o Amazonas. Eu e um amigo pegamos um ônibus para uma cidadezinha ali perto, quando ele puxou conversa com um homem muito simpático, mas, um pouco rude.  Com a feição cansada,
este homem, que dizia ser do Pará, confessou estar ali também a serviço. Porém, o serviço dele era um pouco diferente dos demais… ao começar a falar,  percebemos estar diante de um relato sobre o passo a passo do desmatamento na Amazônia,  como verão na transcrição do áudio gravado:
E – “Pra ficar rico no Amazonas, no Acre, ((ou em qualquer destes Estados)) o senhor tem que comprar muita terra! Compra logo uma motosserra… e, vai derrubando, tocando fogo e plantando capim! E vai criando boi…todo ano derruba um bocado.”
R – Mas, é em qualquer mata assim, como é que eu faço? Pego um ramal desses assim, entro e vou entrando?
E – “Compra e vai derrubando…”
R – Sem ninguém ver? E se o pessoal do Incra chega? O Ibama chega… num ramal desses assim?
E – “ Na hora que eles chegarem, você esconde o motosserra… na hora que sair, você usa de novo! No verão o senhor taca fogo…E joga capim…”
R – Quer dizer que é no inverno que eu tenho que ir?
E – “ O senhor derruba no inverno, no verão põe fogo e planta capim.”
R – Verão, que o senhor diz, é em abril?
E –“ Verão, é mês de agosto!”
R – Ah, então eu tenho que vir agora no inverno, em novembro?
E – “Começa a derrubar até… derruba em janeiro, em fevereiro, o tanto que puder!”
R – Até março e abril?
E –“ O tanto que o senhor puder, vai derrubando! No mês de agosto, taca fogo e toca o capim.”
R – Mas daí, eu tenho que pagar o cara da motosserra?
E – “É…paga o peão pra derrubar com a motosserra! Quando o Ibama e a Emater chegar, esconde a motosserra, quando sair… pega de novo!”
R – Mas, é de dia ou de noite?
E – “De dia…”
R – E daí?
E – “Daí o senhor vai formando a fazenda… daqui poucos dias o senhor já é fazendeiro!”
R – Ah! Então em uma dessa, tantos meses assim, eu fico com uns três alqueires ou quatro?
R – “ Mais! O senhor vai ter uns 50 alqueires.”
R – Mineiro? Cinquenta alqueires mineiros?
E – “Vai dar uns 120 hectares! E mete o capim dentro!”
R – O senhor diz, jogar a semente do capim?
E –“ Joga a semente – daí cerca – compra as vacas e joga lá dentro!” As vacas parindo, vai aumentando… daqui a pouco, já é fazendeiro!”
R – Quantas eu compro, umas 20?
E – “ Compra já umas cem logo de entrada!”
R – Quanto de investimento o senhor acha que eu tenho que fazer pra tudo isto? Tipo quanto? Uns cem mil?
E – “Vai, daí pra lá…”
R – Pra fazer tudo isto? Então, eu tenho ser rico pra ficar rico?
E – “Quem tem cem mil hoje não é rico não!”
R – “Então, eu tenho que ter cem mil pra virar fazendeiro?”
E – “As terras aqui no Amazonas é barata. Compra terra bem baratinha, a despesa que você vai ter é plantar o capim e cercar.”
R – Ah! Então, eu já compro com as árvores dentro?
E – “Vai comprar mata bruta!”
R – De quem eu compro mata bruta?

E – “Compra dos grileiros – ((Ele aponta para as matas))- ali: onde estão grilando as terras lá! Lá atras, vai virar tudo mato daqui a pouco …vai virar campo… porque se você comprar uma terra e não tiver um meio de derrubar você nunca vai enricar… eu não vou deixar de derrubar porque o Emater ou IBAMA vai chegar e me multar! Na hora que ele chegar só esconde o motosserra… e… se ele levar a motosserra, compra outra no outro dia! E vai derrubando!”
R – Mas, é bom derrubar quando está nublado pro satélite não ver, não é isto? Pra ele não ver?
E – “Ele não vê derrubando a mata não… só vê o trator empurrando as leiras…”
R – É mas, daí nem dá mais pra…

E – “Aí, quando você tocar fogo, que faz muita “fumaçona” grande né, você vai pra Delegacia, faz uma queixa” que incendiaram sua fazenda…tacaram fogo na sua fazenda!” …e, se o IBAMA for lá, tem a queixa registrada e você não pega multa nenhuma!”
Altamira, sul do Pará

R – Entendi – mas, se eu pegar multa também posso recorrer?
E – “Aquela multa ali passa mil anos! Mil anos e nunca paga! Porque o Emater e o Ibama tudinho, já pegaram mais de uma pessoa que nunca pagaram a conta deles … por que você vai pagar a conta? E fora isto…”
R – E se um cara do INCRA começar a atrapalhar muito?
E – “O INCRA não mexe com ninguém não!”
R – Quer dizer que muita gente fica rica desse jeito?
E -“ Quase tudo por aqui que enricou foi desse jeito.”
R – Então, não tem como proteger o meio ambiente, nem a fauna?
E – “Tem nada! !sto daí não tem jeito não!”
R – E as caças? E os animais silvestres?
E – “ Ah… eles vão saindo e a gente vai comendo…Eles vão pra outro canto…e hoje, aqui no Amazonas e no Acre, a gente corta seringa e castanheira no motosserra…Ninguém corta mais no terçado não, é só no motor…joga tudo pro chão!”
R – E, vale a pena cortar a seringa e “as castanheira?”

E – “A seringa você derruba logo vira estrume. A castanheira você serra e faz ripa de curral… faz tauba…”

Fim

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Fonte sobre o desmatamento: OBSERVATÓRIO DO CLIMA, Brasil perdeu 2,5 Alemanhas em florestas em 34 anos. DO OC: 29 – agosto – 2019. Disponível em Acesso em 01/09/19.



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Eliane Rocha

Venho de uma família humilde e bem brasileira. Sou uma mistura de raças. Meu avô por parte de minha mãe, era filho de indígenas da etnia  tupi guarani do Vale do Paraíba e me ensinou valores como dignidade, amor à natureza e às pessoas humildes. Alto, moreno, era militar e foi o homem mais incrível que conheci. Fui muito apegada a ele e, ele a mim. Se casou com uma italiana sorridente que gostava de contar estórias. Segundo ela, descendíamos de uma família proveniente da Áustria e assegurava que tinha certa realeza no meio. Ficava toda boba por ela me dizer...mas,não sabia se era verdade ou apenas imaginação. Meu pai, era filho de espanhóis. Meu avô com sobrenome judeu e minha avó, um sobrenome bonito: Jordão. Vieram da Europa ainda jovens, eram aventureiros. Vieram sem nada, talvez fugindo da primeira guerra mundial. Começaram  a vida no Brasil costurando colchões de palha e fabricando móveis artesanais. Lembro quando eu passeava com eles, entre sombras e sóis, ao entardecer, por caminhos cobertos de folhas e cidreiras. Comecei a desenhar e escrever bem cedo, aos oito anos, mas, foi aos quinze, que tive minha primeira coluna em um jornal de minha cidade. Sempre no meio da comunicação, continuei a escrever em jornais de outros Estados. Também fiz teatro  e  alguns trabalhos em emissoras de TV. Na televisão, me marcou muito, ter trabalhado com o jornalista Ferreira Netto, o qual me ensinou muitas lições. Me formei na UNISUL, em cinema e produção multimidia. Fiz parte da Antologia Mulheres da Floresta, da Rede de Escritoras Brasileiras, de onde surgiu dois documentários, feitos apenas como uma hand cam: um com os povos kaxinawás - huni kuins - e outro com os povos nukinis, na Serra do Divisor. Vivi na Amazônia nos meus últimos vinte e cinco anos, fazendo entre outras coisas, trabalhos voluntários como socorrista e técnica de enfermagem entre os povos ribeirinhos. ​

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