Caminhos contra o fascismo nosso de cada dia

Caminhos contra o fascismo nosso de cada dia

Confesso que dormi muito pouco essa noite; a preocupação e a ansiedade me tomaram de tal forma que foi difícil adormecer.

No entanto nas poucas horas em que dormi tive um sono profundo; um sono que me permitiu até sonhar. E sonhei um sonho inteiro, sem interrupções ou cortes.

Sonhei que estava em uma praia deserta durante um lindo entardecer. Uma praia belíssima de areia branca e fofa, com águas azuis e quentes por onde meus pés passeavam com toda a calma do mundo. O Sol irradiava a bela luz alaranjada do ocaso, tornando todo o cenário aconchegante e contemplativo.

Caminhava só, porém logo avistei uma figura andando em minha direção. No início era somente um ponto, mas com nossos passos em sentidos opostos o ponto foi logo tomando a forma de um homem; um homem moreno e de olhos castanhos, com cabelos e barbas compridos e vestindo uma bata branca,

Ao chegar perto de mim o homem parou de caminhar. Fiz o mesmo. Inexplicavelmente, como inexplicável é quase tudo nos sonhos, já sabia quem ele era e perguntei retoricamente:

– Jesus?

Ele me lançou um discreto sorriso de canto de boca,e disparou com voz serena e firme:

– Olá, meu filho. Como você está?

E foi assim que começamos um diálogo transcendental:

– Mal, Jesus, bem mal.

– Posso imaginar os motivos.

– Peraí Jesus, porque é que você resolveu dar as caras justamente no sonho de um ateu?

– Isso é o de menos. Tenho algo relevante a te dizer.

Nesse momento Jesus me toca levemente as costas, me induzindo a seguirmos juntos na caminhada enquanto continuamos a conversa:

– E o que seria?

– Você tem um papel importante a exercer a partir de hoje e até o próximo dia 28.

– Olha, Jesus, com todo o respeito, você já deve saber que quase todo mundo que diz ter conversado contigo e que tem uma missão passada por você ou vira um desses pastores picaretas ou um atirador maluco lá nos Estados Unidos, portanto eu prefiro deixar isso pra lá…

– Deixe de ser inocente, meu filho. Minha recomendação a você é pragmática.

– Ok, então vá lá.

– Você precisa sair dessa bolha virtual na internet e espalhar pelos quatro cantos de seu lindo país uma mensagem programática; nada de puritanismo, sem esse papo de “o amor vencerá o rancor” e essas baboseiras típicas de sermão carola.

– Jesus, estamos falando de política ou eu estou sonhando?

– Ambas as coisas.

– Bem, então você quer que eu pare de chamar o Bolsonaro e seus seguidores de fascistas?

– Sim, isso não leva a nada. O ódio tomou conta dos corações de mais da metade de seus irmãos brasileiros e moralismo nenhum destruirá esse sentimento de raízes tão profundas; o caminho é mostrar o despreparo do candidato da Besta. Mire em sua incapacidade de gestão e em sua absoluta nulidade sobre economia e gestão pública. Só assim haverá esperança.

– Beleza Jesus, mas eu sou um zé ninguém. De que adianta pedir isso só pra mim?

– E quem é que te disse que eu estou somente aqui contigo?

– Poxa, me desculpe, é que eu sou ateu e me não considerei sua onipresença. Aliás, por falar no meu ateísmo e assim voltando ao ponto inicial dessa nossa agradável conversa, por que aparecer no sonho de um ateu?

– Isso agora pouco importa. Me prometa que caminhará na direção de meu pedido. Posso contar com sua palavra?

– Pode sim, claro. Pra combater o fascismo sigo recomendações até de quem não acredito – e o digo de forma respeitosa, viu?

Jesus sorriu e partiu, caminhando então em direção oposta à minha.

Percebi que nosso diálogo terminara; pensei um pouco em tudo o que havia escutado; nem assim resisti. Virei-me e perguntei em alto brado, pois ele já se distanciava:

– Ei Jesus! Afinal de contas porque aparecer no sonho de um ateu?

Ele se voltou para mim, novamente sorrindo de canto de boca e disse sem elevar muito a voz, sempre firme:

– É que minhas igrejas foram tomadas pelo ódio também.

 

(O texto é ficção, porém baseado em fatos reais. Não o diálogo na praia, mas minha indignação com o apoio de instituições religiosas à uma candidatura fascista. A fotografia, com uma janela se abrindo para uma igreja barroca a tirei em Ouro Preto – Nikon D810, ISO 100, f 14 e v 1/80 segundos)

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Alexandre Périgo

Mais um em meio à multidão. alexandreperigo@uol.com.br

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