Contos gastronômicos-revolucionários em um bistrô baiano

Contos gastronômicos-revolucionários em um bistrô baiano>> Recebo mais clientes em meu cantinho baiano perdido nas Gerais:
– boa noite, mesa para quantos?
– três, por favor.

Contos gastronômicos-revolucionários e Abreu o cubano

Abreu, meu amigo e garçom cubano, as atende:

– qué desecham?, pergunta em portunhol fluente.
– uma cerveja e três acarajés no prato, por favor.
– você é de onde? Pergunta uma das distintas senhoras de bem ao perceber seu sotaque.
– de Cuba.

Levo o pedido à cozinha. Ao descer escuto parte do bombardeio ao qual submeteram meu amigo:

– … e além disso tudo deve ser difícil viver em um país murado de onde não se pode sair, condenado a passar fome, né? Sorte sua vir pra cá! Governo comunista é coisa do diabo!

Divido-me entre manter minha clientela e rebater os absurdos que escutei. Meu lado esquerdopata fala mais alto e parto ao socorro do meu camarada:

Contos gastronômicos – socorrendo meu garçom

– minha senhora, se me permite, não existe governo comunista; o comunismo prega o fim do estado tal qual o conhecemos. É uma utopia, nunca houve um país comunista no planeta.

Ela ri de sua própria ignorância, porém com ares de superioridade como quem ri da minha burrice:

– moço, o senhor precisa estudar mais! Vai me dizer agora que a União Soviética, Cuba, Venezuela e Coreia do Norte não são comunistas?
– bem, a URSS não existe mais e nunca foi comunista…
– como não existe mais? Com todo respeito, o senhor precisa voltar pra escola… esses seus conceitos são meio furados! Além disso política é questão de opinião, não é lógica como matemática…

Ela ia continuar me torturando, porém para minha redenção, toca a sineta da cozinha. Vou buscar seus acarajés.

As sirvo.

– moço, esse acarajé não tem pimenta?
– servimos a pimenta à parte.
– pode trazer pra mim?
– claro.

Contos gastronômicos-revolucionários e a pimenta ardida

Vou buscar a pimenta. Escolho nossa pimenta mais ardida, aquela cuja mera intenção de colocá-la no prato já provoca erupções vulcânicas pelas ventas e uma nuvem piroclástica no cérebro.

– aqui está.
– é muito ardida?
– bem, depende de cada paladar. Na minha opiniao não é não.
– obrigada.

Me afasto. Detrás do meu balcão vejo a mais reacionária das senhoras de bem lacrimejando e tossindo.

– moço, me traz uma água! Depressa!
– aqui está. O que houve?
– nossa, essa pimenta é muito forte! Por que não me avisou??
– como disse à senhora, pimenta é questão de opinião, pra mim ela nem arde…

Porque vingança de comunista começa pela boca – e arde até na hora de sair.

 

(a fotografia que ilustra essa crônica a fiz em um semáforo em Belo Horizonte; a tristeza resignada desse homem me fez sacar o celular e eternizar sua dor. Será que há tanta gente em Cuba sofrendo por falta de dignidade? Eu duvido)




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Alexandre Périgo

Mais um em meio à multidão. alexandreperigo@uol.com.br

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