Poesia Negra em versos
Poesia Negra em versos >> No século XIX, presentifica-se a visão estereotipada, que vai prevalecer até a atualidade, com alguma variação.
Tomada como ponto de partida a caracterização colocada, embora com algumas ressalvas a outras colocações suas nessa mesma obra, passo a destacar os estereótipos que considero mais evidentes.
Primeiramente pelo escravo nobre, que vence por força de seu branqueamento, embora a custo de muito sacrifício e humilhação.
Esse é portanto, o caso da escrava Isaura, do livro do mesmo nome.
Livro escrito por Bernardo Guimarães e publicado em 1872.
Outro livro fala também de Raimundo, conquanto o belíssimo mulato de olhos azuis criado por Aluísio de Azevedo em O mulato, lançado em 1881.
Poesia Negra em versos – nobreza como aceitação de submissão
Essa nobreza identifica-se claramente com a aceitação da submissão, apesar da bandeira abolicionista que o primeiro pretende empunhar, além da denúncia do preconceito assumida pelo segundo.
Decerto, a fala de Isaura deixa clara a posição, como nesse diálogo com sinhá Malvina, diante da tristeza da canção entoada pela primeira:
– Não gosto que a cantes, não, Isaura.
Hão de pensar que és maltratada, que és uma escrava infeliz, vítima de senhores bárbaros e cruéis.
Entretanto passas aqui uma vida, que faria inveja a muita gente livre.
Gozas da estima de teus senhores.
Deram-te uma educação, como não tiveram muitas ricas e ilustres damas, que eu conheço.
És formosa e tens uma cor linda, que ninguém dirá que gira em tuas veias uma só gota de sangue africano
A busca traçar o percurso do negroides na literatura brasileira, como objeto, numa visão distanciada, e como sujeito, numa atitude compromissada.
Destacam, de um lado, textos literários sobre o negro e, de outro, literatura do negro.
Por conseguinte, identifica, na produção literária ao longo do processo literário brasileiro, estereótipos reduplicadores da visão preconceituosa, quer explícita ou velada.
Procura marcar a ultrapassagem do estereótipo e a assunção do negro como sujeito do seu discurso e de sua ação em defesa da identidade cultural.
Nessa direção, seleciona autores e textos representativos produzidos notadamente a partir dos anos de 1970, momento de efervescência dos movimentos de autoafirmação da etnia.
Discute a designação literatura negra, entendida como aparentemente valorizadora, mas passível de converter-se em risco de fazer o jogo do preconceito velado.
Poesia Negra em versos – Uma visão distanciada
A visão distanciada configura-se em textos nos quais o negro ou o descendente de negro reconhecido como tal é personagem.
Ou ainda, em que aspectos ligados às vivências do negro na realidade histórico-cultural do Brasil se tornam assunto ou tema.
Envolve, entretanto, procedimentos que, com poucas exceções, indiciam ideologias, atitudes, assim como estereótipos da estética branca dominante.
Ainda que a população negra e mulata seja maioria no território brasileiro, a literatura permanece até hoje como território do não negro.
Atualmente tendo como cenário as políticas públicas compensatórias no Brasil, este trabalho irá examinar a relação entre a poesia negra brasileira e as ações afirmativas.
Pretende-se verificar questões concernentes à representação literária da identidade do negro na literatura brasileira (poesia) ao longo dos séculos XIX e XX em termos da reivindicação do direito à plenitude da cidadania.
Essa busca pode, às vezes, adquirir uma forma mais clássica e distanciada; outras vezes é atravessada pelo tom sarcástico e mordaz; outras vezes, ainda, assume-se como um grito de dor, e ainda pode ser música, celebração.
Poesia Negra em versos – Poesias Negras
Ainda sobre a escrava branca:
-À nobreza de caráter de Isaura e de Raimundo associa-se outra dimensão estereotipada: a do negro vítima, sobretudo quando escravizado.
Nessa óptica, ele se transfigura em objeto de idealização, pretexto para a exaltação da liberdade e defesa da causa abolicionista, como nos empolgados versos de Castro Alves, poeta romântico.
“O navio negreiro”, por exemplo, um de seus textos antológicos, destaca a desumanidade que marcava o tráfico dos escravos, então já abolido.
Outro poema, “A cruz da estrada”, situa a redenção pela morte, onde o escravo encontraria a sua plena liberdade:
não há lugar para ele nessa sociedade, mas em compensação, a natureza cuida do seu túmulo e dele será o reino dos céus
O poeta baiano não atribui, na quase totalidade dos seus poemas sobre a escravidão, qualquer movimento de reação ou de revolta ao escravo, marcado pela atitude resignada.
A África personificada lamenta a sua sorte e termina por pedir perdão para os seus crimes (!):
Mas eu, Senhor!… Eu triste abandonada
Em meio das areias esgarrada,
Perdida marcho em vão!
Se choro… bebe o pranto a areia ardente:
Talvez… pra que meu pranto, ó Deus clemente!
Não descubras no chão!
Poesia Negra em versos – Encontrei Minhas Origens
Encontrei minhas origens
Em velhos arquivos
Livros
Encontrei
Em malditos objetos
Troncos e grilhetas
Encontrei minhas origens
No leste
No mar em imundos tumbeiros
Encontrei
Em doces palavras
Cantos
Em furiosos tambores
Ritos
Encontrei minhas origens
Na cor de minha pele
Nos lanhos de minha alma
Em mim
Em minha gente escura
Em meus heróis altivos
Encontrei
Encontrei-as enfim
Me encontrei
Oliveira Silveira
O negro como sujeito: a atitude compromissada
-A literatura do negro surge com as obras de alguns pioneiros.
Poesia Negra em versos – Tem Gente Com Fome
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Piiiiii
Estação de Caxias
de novo a dizer
de novo a correr
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Vigário Geral
Lucas
Cordovil
Brás de Pina
Penha Circular
Estação da Penha
Olaria
Ramos
Bom Sucesso
Carlos Chagas
Triagem, Mauá
trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Tantas caras tristes
querendo chegar
em algum destino
em algum lugar
Trem sujo da Leopoldina
correndo correndo
parece dizer
tem gente com fome
tem gente com fome
tem gente com fome
Só nas estações
quando vai parando
lentamente começa a dizer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
se tem gente com fome
dá de comer
Mas o freio de ar
todo autoritário
manda o trem calar
Psiuuuuuuuuuuu
Solano Trindade
Poesia Negra em versos – Mulata Exportação
“Mas que nega linda
E de olho verde ainda
Olho de veneno e açúcar!
Vem nega, vem ser minha desculpa
Vem que aqui dentro ainda te cabe
Vem ser meu álibi, minha bela conduta
Vem, nega exportação, vem meu pão de açúcar!
(Monto casa procê mas ninguém pode saber, entendeu meu dendê?)
Minha tonteira minha história contundida
Minha memória confundida, meu futebol, entendeu meu gelol?
Rebola bem meu bem-querer, sou seu improviso, seu karaoquê;
Vem nega, sem eu ter que fazer nada. Vem sem ter que me mexer
Em mim tu esqueces tarefas, favelas, senzalas, nada mais vai doer.
Sinto cheiro docê, meu maculelê, vem nega, me ama, me colore
Vem ser meu folclore, vem ser minha tese sobre nego malê.
Vem, nega, vem me arrasar, depois te levo pra gente sambar.”
Imaginem: Ouvi tudo isso sem calma e sem dor.
Já preso esse ex-feitor, eu disse: “Seu delegado…”
E o delegado piscou.
Falei com o juiz, o juiz se insinuou e decretou pequena pena
com cela especial por ser esse branco intelectual…
Eu disse: “Seu Juiz, não adianta! Opressão, Barbaridade, Genocídio
nada disso se cura trepando com uma escura!”
Ó minha máxima lei, deixai de asneira
Não vai ser um branco mal resolvido
que vai libertar uma negra:
Esse branco ardido está fadado
porque não é com lábia de pseudo-oprimido
que vai aliviar seu passado.
Olha aqui meu senhor:
Eu me lembro da senzala
e tu te lembras da Casa-Grande
e vamos juntos escrever sinceramente outra história
Digo, repito e não minto:
Vamos passar essa verdade a limpo
porque não é dançando samba
que eu te redimo ou te acredito:
Vê se te afasta, não invista, não insista!
Meu nojo!
Meu engodo cultural!
Minha lavagem de lata!
Porque deixar de ser racista, meu amor,
não é comer uma mulata!
(Da série “Brasil, meu espartilho”
Um afro abraço.
Claudia Vitalino.
Fonte: a enciclopédia livre
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