O resto é as sombras das árvores alheias

O resto é as sombras das árvores alheias>>

O amor é dos suspiros a fumaça;
puro, é fogo que os olhos ameaça;
revolto, um mar de lágrimas de amantes…
Que mais será?
Loucura temperada, fel ingrato, doçura refinada.
William Shakespeare

Cedo ou tarde o que deixamos para trás nos alcança.

Chega um momento em que para sermos verdadeiros com nós mesmos, precisamos ter o desprendimento para abençoar as tentativas sem êxito, agradecer pelo o que cada uma nos ensinou, e seguir.

Valeu a intenção da semente.

Embora tudo com filosofia faça sentido, sinto-me perdida com um saco de caroços desidratados nas mãos.

As coisas mais estúpidas quando se está apaixonado, são relembradas como as mais bonitas. Como deixá-las passar?

O resto é as sombras das árvores alheias – O tempo e o vento

O tempo, de vento em vento, meu penteado certinho, desarrumou.
Desconstruída após o vendaval é preciso reunir o que restou.

Para reconstruir um amanhã por vezes é preciso demolir construções que, por mais atraentes que sejam, não são coerentes com a ideia da nossa vida.

O que dizer das que não se sustentam de pé passado o temporal? Ventania também serve para isso e não só para recolher papel em tempestade.

Derruba o que não se aguenta

Depois do temporal é que se dá conta do quanto somos protegidos quando estamos em harmonia com o nosso coração.

De que o nosso coração é essencialmente puro.
Essencialmente amoroso, bordador caprichoso capaz de tecer as belezas que se manifestam no território das formas.

O resto é as sombras das árvores alheias – O que é verdadeiramente belo sobrevive

. Renasce das cinzas. Rebrota das cascas. Rompe casulos. Derruba represas.
A verdade é tão contundente que doendo na carne, no coração e na mente, pungente me dá vontade de gritar.

Não grito. E é quando se cala que o silêncio machuca

Fecho-me ou sigo adiante? Resignada ponho tudo no lugar de novo. Não estou para mudanças.

Edifico obras. Nem de palha, muito menos de madeira, se o lobo não pode com os meus tijolos, quanto mais com todo o fogo que sopra pela minha chaminé.

Poeta é feito de fumaça e fogo. Os amantes, também.

Cerquei o pomar com muros e os jardins com cactus farpados. Meus abstratos são concretamente sólidos.

Em meus canteiros, desdobradas são as mãos, as sementes e as horas.

O portão é fechado com duas voltas de chave.

Não dá passagem para o recôndito quem lhe vira apenas uma volta. Quem guarda o molho?

Sabedor ou não, é o coração entregue quem tem as chaves para as portas que dão acesso aos múltiplos acessos aos jardins do Éden.

O resto é as sombras das árvores alheias Todos os caminhos para o Paraíso passam pelo Inferno

No céu moram todas as nossas melhores lembranças.
Ele, o coração, guardião dos brotos, é quem oferece quando tocado pela senha certa, o caminho para o céu.

Ele quem rega as pedras de onde, inacreditavelmente, molhada a flor desabrocha.

E tudo isso porque vez ou outra, depois de tentativas malfadadas, quando em plena comunhão criativa, palavra certa na medida curativa do que a errada travou, uma alma de essência jardineira garante ingresso, pega uma muda de planta para fazê-la florescer no canteiro do mundo.

Coisas de vésperas do que primavera sonhou, e que o real não matou. Em terra fértil, em se plantando tudo dá, em quem se dá para quem se dá.

É hora de replantar

Denise Espiúca Monteiro, Médica Homeopata, Mestre em Saúde Coletiva, autora dos Livros: Consultório de Brinquedo, Consultório de Espelho, Consultório de Máscaras, Primeiros Laços e O que você vai Ser quando Crescer?
[Crônica publicada em“ Consultório de Espelho”, Editora H.P. Comunicação, 2012]


Outros artigos interessantes deste mesmo autor:

Deixe seu like e siga nossa Rede Social:
0

Denise Espiuca

Denise Espiúca Monteiro Médica Homeopata, Mestre em Saúde Coletiva pelo Instituto de Medicina Social/UERJ. Diretora do Ambulatório Escola do IHB, A Casa da Homeopatia Brasileira. Escritora, ocupa a cadeira 25 da ABRAMES, Academia Brasileira de Médicos Escritores. Email: despiuca@dh.com.br

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *