As Amazonas IV

As Amazonas IV

Se Plutarco julgou poder situar a cinco dias de viagem das costas ocidentais da Inglaterra a célebre Ogígia da Odisséia, domínio da ninfa Calipso, foi por causa das tradições célticas relativas a esta ilha privilegiada situada em pleno oceano.

Mas, no decurso dos séculos, o horizonte dos geógrafos foi-se alargando a pouco e pouco, sendo forçoso verificar que ao largo da Irlanda não havia ilha alguma povoada apenas por formosas jovens.

A famosa ilha foi então pura e simplesmente atirada mais para oeste.

Passou a ser a ilha Brasil e figurou assim em todas as cartas marítimas dos séculos XIV e XV.

Claro está que nunca foi encontrada e em breve tudo ficou reduzido às ilhas Virgens da Antilhas e ao Brasil, ou seja, dois simples nomes geográficos.

As Amazonas IV – As Amazonas nórdicas

A origem das Amazonas “nórdicas” já é muito diferente.

Neste caso, a lenda parece ter ido buscar materiais de várias fontes.

Müllenhof parece ter descoberto uma dessas origens, que se deveria afinal a uma simples confusão de palavras.

O Rio Amazonas

Talvez isto surpreenda à primeira vista, mas fica-se um pouco abalado ao pensar que o nome Amazonas, dado ao grande rio sul-americano, nasceu duma confusão semelhante.

Orellana, que foi o primeiro branco a explorar o curso superior do Amazonas, ouvir os índios pronunciarem a palavra amassonas (destruidor de barcos) ao referirem-se ao rio.

A semelhança do vocábulo nativo com a palavra “amazonas” deu asas à sua imaginação, levando-o a afirmar que naquela região “havia possivelmente verdadeiras e autênticas amazonas”.

Aqui está um exemplo da maneira como surgem as fábulas… e os nomes geográficos!

Amazonas do Báltico

Pois bem! A origem das amazonas do Báltico não seria diferentes, se dermos crédito a Müllenhof.

Os Finlandeses chamavam hainulaiset ao seu país, vocábulo este que significa “região baixa e sem relevo”.

Ora a palavra gótica gino e a nórdica kona significam respectivamente “mulher” e “rainha”, o que originou a formação subsequente de palavras compostas a partir destas, tais como cuênland “terra” ou “reino das mulheres”.

Por sua vez, na sua Germania, Tácito menciona a tribo dos Sitons como estando “submetida ao ceptro de uma mulher”.

Müllenhof estava convencido de que a passagem de Tácito se referia à lenda dum “cvêna land” e que todas as narrativas mencionando uma “terra das mulheres” na Europa Setentrional eram afinal de contas devidas á má tradução germânica da palavra finlandesa.

O vocábulo “cvêna land” seria o correspondente ao nosso atual Queensland, e a afirmação de Tácito acerca duma tribo germânica governada por uma mulher proviria diretamente dali.
Segundo Paul Diacre, o Cvênaland é já um povo constituído apenas por mulheres, tendo esta história acabado por se revestir da sua forma definitiva com Adam de Bremen, Ibn Yacub, etc.

Influência de Alfredo O Grande na confusão das Amazonas

Na descrição dos países do Norte da Europa que o rei Alfredo o Grande acrescentou, em 890, à sua tradução das obras de Orósio, já se menciona o Kvanland.

Esta tradução baseia-se nas narrações do norueguês Ottar, pois Osório desconhecia todas as regiões do Norte da Europa, com excepção do país de Thule.

A teoria de Müllenhof não é talvez exaustiva, pois os textos árabes dão a entender que poderiam ter entrado em linha de conta outros elementos que não conhecemos.

Na minha opinião, a melhor explicação das lendas antigas e modernas sobre as amazonas é de essência etnográfica.

As amazonas e a separação radical dos sexos

Aqui e ali, sobre toda a Terra e sobretudo nos arquipélagos, praticou-se outrora a separação radical dos sexos, sendo a união permitida apenas de longe em longe e tão-somente em certas épocas do ano, fora das quais as relações eram severamente interditas.

Tais costumes eram devidos à pobreza natural das respectivas regiões, e assim, em todos os territórios limitados na sua superfície e na sua fertilidade natural, que só podiam produzir alimentos para determinada população, esta forma natural de maltusianismo deve ter surgido espontaneamente.

Este costume da separação dos sexos observou-se nas ilhas ou arquipélagos de tamanho médio mais afastados dos continentes.

Não longe das ilhas de mulheres havia quase sempre ilhas de homens, e, de fato, os autores antigos que assinalaram a existência de amazonas, acrescentaram também que na proximidade destas havia ilhas “masculinas”.

A lenda das Amazonas adentra os continentes

No entanto, estes fenômenos maltusianos ocorreram, igualmente nos continentes.

Paládio conta que algures, perto do Ganges, os homens e as mulheres de determinada tribo viviam separados entre si pelo rio e que os dois sexos só tinham o direito de se unir durante quarenta dias por ano.

Nos tempos pré-históricos, deve ter-se observado possivelmente tal costume nas margens do Termodonte, na Ásia Menor, o que originaria a lenda das amazonas, que, segundo se dizia freqüentavam aquelas paragens.

Todavia, quase todas as tradições relativas às amazonas tiveram uma ilha como quadro.

Por consequência, é quase certo que o seu ponto de partida se deva às práticas maltusianas destinadas a evitar um excesso de população local

Estes costumes eram praticados principalmente no Pacífico, o que explica as ilhas de amazonas assinaladas nos mares da China e do Japão, ou ainda n o arquipélago de Sonda.

Aliás, é no Pacífico que o costume da separação dos sexos deve ter substituído durante mais tempo, sem que se saiba exatamente até que época, talvez recente, quando muito alguma dezenas de anos.

Os nativos das ilhas Trobriand, a leste da Nova Guine, ainda hoje afirmam a existência de uma ilha chamada Kaytalugi, situada algures a norte, e que outrora teria sido habitada somente por mulheres.

Trata-se do estranho país de Kaytalugi que é povoado apenas por mulheres extremamente ardentes, cujos excessos conduzem até à morte os homens que ali se atrevem a desembarcar.

Minhas conclusões sobre as Amazonas

A minha teoria etnográfica, que talvez seja igualmente válida para as tradições antigas, está, de certa maneira, confirmada por um fato histórico de que tomei conhecimento através do professor Behrmann.

A concentração de indivíduos do sexo feminino em “reservas” pode ter sido realmente um reflexo de autodefesa contra o excesso de população e a fome.

Assim, quando os Holandeses se instalaram nas Molucas, pensaram que o melhor processo para realizar a extinção progressiva das populações nativas sem efusão de sangue era efetuar a separação forçada dos dois sexos, colocando cada um deles em ilhas diferentes.

Apesar de ser fácil explicar a origem da tradição nórdica, como já se viu, por um simples contra-senso, a verdade é que a separação dos sexos em ilhas diferentes pode muito bem ter acontecido, embora certos autores árabes façam referência a este assunto de maneira extremamente categórica.

Ibn-al-Bahlul cita, no século X, a existência de duas ilhas do mar do Norte, uma das quais seria apenas povoada por homens e a outra só por mulheres.

Edrisi, cujos textos sobre as amazonas nórdicas já foram aqui citados, acrescenta a este respeito: “A ilha ocidental tem apenas homens, não se vendo ali mulher alguma. A outra, pelo contrário, é povoada somente por mulheres.

Todos os anos, pela Primavera, os homens dirigem-se de barco até a outra ilha, onde vivem com as mulheres durante cerca de um mês, regressando a seguir à sua ilha, onde permanecem durante o resto do ano, para repetir o ciclo nos anos seguintes.” Ibn Saïd conta a mesma versão, precisando que as duas ilhas distam entre si umas dez milhas e que as mães guardam os filhos até à puberdade, após o que estes emigram, por sua vez, para a ilha dos homens.

Mesmo as tradições irlandesas, embora muito mais imaginativas, não estão isentas de vagas reminiscências acerca desta separação artificial dos sexos

Zimmer, especialista da antigüidade céltica, cita tradições irlandesas onde se fala de “países masculinos”, vizinhos do maravilhoso país “das mulheres jovens”.

Segundo Humboldt, “as amazonas inspiraram uma extensa literatura, que floresceu em todo o mundo e que pertence ao reduzido número de ideias e de sonhos onde a imaginação poética e religiosa de todas as raças humanas se inspirou desde sempre”.

Ora a verdade é que as amazonas não “floresceram em todo o mundo”, mas tão-somente em regiões bem determinadas do Globo, aliás muito afastadas umas das outras

Além disso, não se trata exclusivamente de “sonhos e de imaginação poética e religiosa”.

Tem-se subestimado frequentes vezes o bom fundamento de muitas lendas antigas.

Quanto a mim, penso que na maior parte dos casos houve certos fatos reais, exatamente observados, que lhes serviam de ponto de partida.

A fantasia só apareceu depois, enfeitando com os seus loucos arabescos o núcleo da verdade inicial.

As amazonas constituem um exemplo desta afirmação.

Dizer que a sua existência é uma pura fábula, seria demais

A verdade é que elas não pertencem apenas à mitologia, apesar do mistério que as rodeia.

Porque se se fizer apelo à etnografia o problema suscitado pelas amazonas toma um aspecto positivo, sem dúvida muito próximo da verdade.

Flavio Lins
Flávio Lins é instrutor de Magia Druida-Templária

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