Normose I

Normose I

Pierre Weil, autor de inúmeros livros de psicologia e fundador da Unipaz, e Jean Yives Leloup, patrono da
Unipaz, afirmam que a doença do século (isso foi apresentado no século passado) é a Normose, geradora
da maioria das doenças mentais e comportamentais.

Vamos emprestar deles esse conceito e trabalhar um pouco com essa idéia.

A normose se constitui na angústia do homem contemporâneo em ser aceito por sua normalidade.

E por causa dessa angustia surge a ansiedade, a neurose e uma série enorme de desequilíbrios psíquicos, muitas vezes gerando somatizações perversas e malignas.

O escritor Paulo Coelho, em uma entrevista ao jornalista Boris Casoy, apresentou a seguinte proposição, que exemplifica com humor a problemática da normose:

“…Se eu disser que é comum uma pessoa usar voluntariamente um pedaço de tecido de cores
berrantes amarrado ao pescoço, que atrapalha a livre circulação do sangue e
impede os movimentos normais da cabeça, vão dizer que estou maluco, mas se eu disser que a pessoa está usando uma gravata, vão me achar absolutamente normal… é uma questão de linguagem….”

Vamos experimentar refletir sobre a normose e suas implicações dentro de um contexto astrológico.

Isto pois a linguagem astrológica com sua riqueza e amplitude, permite muitas vezes uma compreensão clara de situações que envolvem nossa existência.

1- Existe, de uma maneira observável na maioria das pessoas do mundo atual, um tipo de expectativa de viver em um mundo perfeito.

O conceito de mundo perfeito é bastante subjetivo.

Mas algumas referências podem ser escolhidas como padrões razoáveis de perfeição.

Por exemplo, aprendemos a entender a perfeição como um caminho que não contenha obstáculos, onde cada passo seja previsível.

Um caminho onde não tropecemos, onde as coisas funcionem exatamente como foi planejado, tudo no seu lugar exato.

Um lugar onde as pessoas são exatamente o que esperamos delas, e nós somos exatamente o que é esperado de nós.

Muitas vezes alguns astrólogos assim como seus clientes gostariam de acreditar que, através da astrologia, podem, além de controlar o destino.

Bem como manter e sustentar este mundo perfeito, atribuindo significados definidos e definitivos para os símbolos planetários.

Assim, praticando uma ciência exata que permita prever onde o próximo dente da engrenagem vai se encaixar.

Como o dia e hora exatos, se possível.

Uma astrologia que permita endossar os padrões e reforçar a inércia comportamental.

Dessa forma, fazendo com que o cidadão se sinta absolutamente normal e integrado por ter o Sol em tal
signo, possuir determinado signo no ascendente ou uma quadratura ou outro aspecto qualquer no mapa.

Com esse tipo de astrologia aparentemente fica mais difícil ter algum desconforto por sentir-se diferente.

Em contrapartida, fica mais fácil justificar as mazelas, os desafios, as agruras do crescimento pessoal.

E, principalmente, torna-se possível nos sentirmos seres aceitáveis, alimentando assim, e facilitando nossa normose.

2- Um dos componentes estruturais da sustentação dessa doença chamada normose é a família.

A célula mãe da sociedade, base fundamental da composição aparente do mundo moderno.

Dentro do padrão familiar esperado pelo normótico está contido o universo de seus relacionamentos afetivos.

Prática através da qual ele deve ser aceito também como uma pessoa normal.

Quando uma pessoa utiliza a expressão “é de família”, como referencia de uma qualidade moral qualquer
que o torne aceitável, ou quando um político sabe da necessidade de pertencer a uma família para ser eleito,
estão se referindo à família normótica.

Aquele núcleo que tem como base de sua sobrevivência a submissão a um
conceito de normalidade, de ser igual a todas as outras.

A família é uma contingência da evolução do ser.

É um grupo necessário à procriação e proteção da prole, um lugar para se conviver com confiança e amor.

Não é de forma alguma uma experiência negativa.

O problema começa a surgir quando a necessidade de ser aceito por seguir um padrão de normalidade se
torna mais importante que o sentimento que mantém aquelas pessoas unidas.

Para o normótico o conceito de família implica na “família perfeita”.

Aquela que obedece todas as regras da sociedade sem questionar, geração após geração.

Mudam as roupas, muda a música, atualizam-se alguns hábitos culturais, muda a sintaxe, mas papai, mamãe,
filhinhos, continuam imutáveis enquanto forma, estática, standard.

Isto é um mundo perfeito.

Aqueles que se diferenciam do padrão familiar vigente são vistos como inimigos, ameaças à paz e bem estar da tradicional família seja lá de onde for.

Cada vez que esta estrutura é ameaçada por crises econômicas ou questões coletivas, corremos para o horóscopo.

Ou então, convocamos o terapeuta ou acessamos imediatamente todos os oráculos disponíveis.

O que num mundo perfeito, com as engrenagens certas e os parafusos nos lugares, tem que funcionar.

E esperamos deles respostas para compreender o momento, e alimentar nossa necessidade de padrões.

Existe uma prática astrológica conivente com a normose.

É aquela astrologia que descreve a pessoa dentro dos códigos dela, não propõe jamais uma mudança de paradigma.

Justifica tudo através da descrição acomodativa e deixa todo mundo satisfeito por ser como é.

Afirmações do tipo:

“você é assim porque é de Virgem”,;

Ou “esse problema existe porquê você tem uma quadratura de Marte”;

Ou ainda “fica tranqüila que esse problema só existe porque vem de outra encarnação, é karmico!”;

São típicas dessa astrologia que não conduz ninguém à liberdade e à transformação pessoal.

Que apenas mantem o mundo exatamente como ele é há séculos, ou talvez milênios.

Esse tipo de uso da astrologia, tão bem aceito no mundo moderno, reforça hábitos considerados normais.

Como, por exemplo, o consumismo, através de listas de presentes e compras.

Ou então salientando a necessidade de encontrar pessoas compatíveis com seu signo ou
configuração astrológica, como é estabelecido pelo padrão normótico.

O qual diz que somos todos seres parciais que precisamos de outro para sermos completos.

Essa astrologia é perfeitamente aceita pela mídia, é elegante, não incomoda, é simpática a manutenção de valores e padrões, acalma e acomoda.

Além disso, faz o indivíduo se sentir normal e aceito dentro de suas limitações e das limitações culturais impostas a ele.

O nível de exigência da pessoa se justifica pela simples descrição de seus gostos e hábitos.

Tudo parece ser coerente e funcional, e dentro dessa coerência, fica fácil se sentir normal e aceito, sem ter
que mudar muita coisa, sem ter que tomar nenhuma atitude ou abrir mão de nada para crescer.

3- Na natureza existe a perfeição.

Todas as coisas são impecáveis em sua relação dinâmica natural.

Cada besouro que se reproduz e cada folha que cai de uma árvore.

Os milhões de corpos microscópicos que nos habitam e interagem permanentemente, tudo mantendo e alimentando a dinâmica da vida, a dança da existência.

A perfeição da natureza é o movimento, a perfeição está na própria transformação constante de tudo e todos.

Existem infinitos ritmos, existe uma infinidade de movimentos possíveis.

Todos absolutamente integrados entre si.

Tudo interagindo dentro de uma coreografia tão perfeita que só pode ser denominada de Divina.

Pois está na maioria das vezes além da compreensão de nossa limitada capacidade descritiva.

Essa constante transformação, essa mudança de forma e intensidade, faz com que cada pétala de flor,
cada ameba, neurônio, ou célula perdida no espaço, se integrem.

E dessa maneira, realizem seu papel, e a dinâmica desta realização (e desta perfeição) é o estado de permanente transformação.

O movimento dinâmico da natureza, quando interpretado através de símbolos e transformado em linguagem, é a própria astrologia.

É um estudo da coreografia da vida, uma compreensão razoável da dança da natureza e da integração entre todos os seres, animados e inanimados.

Assim como os imensos planetas em movimento, absolutamente harmoniosos com a totalidade da vida.

O estudo da sintaxe da natureza é chamado por nós de astrologia.

E essa astrologia que parte da descontextualização do movimento natural só pode fazer sentido se aplicada ao ser em movimento.

O qual também se proponha a se libertar de um contexto anti-natural e estático, moribundo, para se reintegrar à dança cósmica, a dança dos elétrons, dos átomos e das borboletas.

Uma astrologia que se proponha a descrição mecânica e integradora do homem à normose é uma astrologia dedicada aos mortos e aos que desistiram de crescer e viver.

4 – Uma realidade social perfeita pretende ser estática, como propusemos acima.

Parece que quase ninguém quer abrir mão de seu “status quo”, principalmente o familiar, para viver qualquer transformação que seu espírito esteja pedindo.

Um astrólogo descritivo, daqueles que analisa minuciosamente o mapa, descreve impecavelmente cada aspecto, cada posição planetária, geralmente é bastante satisfatório para este grupo.

Ele ajuda a manter o mundo perfeito absolutamente perfeito.

Isto porque se limita a descrever as coisas no nível de exigência do sujeito, e mesmo que ele se aprofunde ao máximo, ele aprofunda sempre a idéia de manutenção daquela perfeição…

5- Se a Natureza é perfeita porque se transforma continuamente, na própria mudança está a perfeição.

E se este mundo, os núcleos sociais que mantém os padrões, os grupos que servem de base e modelo da estrutura da normose, são perfeitos porque nunca mudam (aumentam, mas não mudam em sua essência), surge um paradoxo.

Mas a natureza é simples e transparente, não aceita paradoxos, e vai fazer este mundo perfeito viver sua transformação, queiramos ou não.

E como geralmente não queremos, criamos nossas couraças.

Até a astrologia formal é uma tremenda couraça, que tantas vezes justifica este mundo perfeito.

Porém aquilo que resiste à transformação imposta pela natureza, vai se transformar à revelia, e dai, em vez de crescer, deteriora, que a deterioração também é uma dinâmica transformadora da natureza.

Esse pensamento todo, parte da observação de tantas estruturas desmoronando sem uma explicação mais lógica.

Usei a família como referencia do mundo perfeito por ver tantas famílias aparentemente equilibradas e harmoniosas se desfazerem sem um motivo aparente.

Acreditamos que a insistência em ser e parecer normal, utilizando-se da rigidez e imutabilidade como fórmula de perfeição é uma das possíveis causas dessa desintegração.

Não apenas da família, mas do indivíduo, que gasta uma enormidade de sua energia vital querendo parecer normal, e se tornando apenas mais uma vítima dessa doença chamada normose.




Outros artigos interessantes deste mesmo autor:

Deixe seu like e siga nossa Rede Social:
0

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *