DESERTO, SOLIDÃO E RITO DE INICIAÇÃO
DESERTO, SOLIDÃO E RITO DE INICIAÇÃO
- Quanto maior for o medo dos objetos persecutórios primitivos, analogamente, maior o terror que a SOLIDÃO exerce sobre o indivíduo.
O perigo da solidão consiste exatamente neste ponto:
a de colocar a pessoa EM COMPANHIA de seus objetos internos, geralmente permeados de agressividade. Incluso tanto a inveja quanto o ódio.
2.O medo da solidão ademais, é um medo primitivo. Todos nós o temos, em nosso profundo.
Na solidão do deserto de sua mente o Rabi Jesus evacuou, sob forma alucinatória, seus demônios interiores e com eles dialogou, identificando-os e diferenciando-se deles. Assim sendo, se permitiu libertar-se da escravidão dos instintos destrutivos.
3.
A expressão “conhecer o mal”, significa tão somente dar-se conta das forças dilacerantes operando no interior da existência de cada um de nós.
Forças densas e escuras não transformáveis em pensamentos.
Do ponto de vista da metapsicologia, tais energias podem ser compreendidas como o vir-a-ser da humanidade num futuro distante.
4.
Os instintos, compreendidos a esse nível de profundidade, correspondem à noção junguiana dos COMPLEXOS.
Estes, por sua vez, possuem vida própria, autonomia, de maneira que o ego não é capaz de controlá-lo.
Complexos não se limitam a pedaços da mente dissociados do eu e que exercem pesada influência sobre o indivíduo.
Complexos são também usinas de pensamentos em estado bruto e à espera de uma consciência heróica capaz de traduzí-los.
5.
O medo da solidão visto sob a perspectiva do inconsciente coletivo é, portanto, o medo de encontrar-se com os fantasmas arquetípicos.
Tais pavores constituem um misterioso patrimônio de nossa espécie.
Desde os minutos mais remotos de nossa existência, sentimos medo.
O medo é anterior e supera em muito o sentimento de alegria e gratidão, por ter nascido.
Medo é a primeira emoção experimentada pelo bebê humano.
O conforto só chega através de um amor cuidadoso dado por um objeto bom, que remove o sentimento de destruição e morte, estigmas inatos de nosso acontecer no mundo.
6. De modo geral, tentamos nos manter longe dessas tenebrosas forças através das diversões fáceis, incluindo aí, uma incontrolável ânsia de amar. Fato esse que nos leva a grudar no objeto, fazendo dele a razão de nosso existir.
O amor pode ser usado pelas defesas maníacas cuja função sedativa é evitar o contato com a solidão.
As músicas românticas cantadas em todas as línguas sempre recitam o mesmo mantra: sem você, estou só.
É… de fato, se está!
Sem a presença materna boa, por outro lado, o que resta ao recém-nascido é a solidão de ter que lidar com seus objetos internos. Tanto assustados como enraivecidos.
Entretanto, isso dispara um profundo sentimento de perseguição experienciados como fantasmas vindo do mundo externo.
7.
A IDENTIFICAÇÃO PROJETIVA é esse expediente milagroso de alívio, utilizado pela mente para esvaziar o pavor.
Ainda que o pavor se mantenha personificado em objetos externos bizarros, isto é menos desesperador do que encontrá-lo no palco interno da própria mente.
BION nos ensinou que a alucinação é um habilidoso recurso utilizado pela mente para lidar com conteúdos internos perigosos.
Expulsar tais conteúdos parece funcionar em algum grau como um alívio contra a perseguição.
BION, é um desses homens que toleraram enxergar a força da verdade da realidade psíquica.
8.
Somos constituídos por um pavor primordial. Sem dúvida, uma espécie de arquétipo do medo nos habita, personificado na mitologia grega pelo deus phobos.
.Temos medo do aniquilamento, da nadificação, daquilo que Spielrein-Freud chamaram de instinto de morte.
9.
Tememos a nossa realidade psíquica e é justamente ela que encontramos quando nos dispomos a nos retirar para o deserto de nossa mente.
Só os ingênuos acreditam que o deserto seja uma região desabitada.
Não há nada mais povoado neste mundo do que um deserto, consequentemente, é justo esse o motivo inconsciente que nos faz temer ficarmos sozinhos.
Ficar sozinho é estar no deserto da alma, é sobretudo, estar em contato com o nosso essencial em sua dimensão de luz e sombra.
Ir ao deserto é ir ao encontro do que mais tememos.
10.
Deserto é, portanto, uma região mental onde torna-se possível realizar nosso rito de iniciação no conhecimento de nós mesmos.
Este rito de iniciação se dá pelo conhecimento de nossa natureza primeva, de sua brutalidade e cegueira. Encontro decerto real, com a essência daquilo que efetivamente nos constitui.
Tornar-se sublime, requer disciplina, além de força e esperança na capacidade de transformar essa violência inata em algo bom.
11.
Deus não se fez homem por diversão.
Deus se fez carne para transformar sua natureza bruta e impensável em natureza tanto terna quanto amorosa. Só a experiência humana é capaz de realizar essa transformação.
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