WÈRÈ – A LOUCURA no conceito ioruba

WÈRÈ – A LOUCURA >> O conceito ioruba de doença mental (wèrè) é intrigante.

Os iorubanos acreditam que as doenças mentais podem ser de três tipos diferentes, de acordo com as pesquisas de Odebiyi e Ogedengbe (1995):

Primeiramente, as ìran (hereditárias: herdadas geneticamente),

Em segundo lugar, as àmútọ̀runwá (sobrenaturais: causadas pela ira das divindades ou por feitiçarias)

E em terceiro,  as àfisè (naturais: originadas por acidentes, aflições ou traumas).

O Prof. Samuel Jegede da Universidade de Ìbàdàn-Nigéria (1994), por sua vez, seleciona seis fatores que podem levar à doença mental, quais sejam:

Tanto àìsùn (insônia), como càìwọ́ (agitação), àìjẹ (iconcapacidade de comer), àìmu (incapacidade para beber), àìtọ̀ (incapacidade de urinar), e àìṣu (incapacidade para defecar).

Segundo ele, “…há um processo de interação entre essas variáveis, em que uma atividade leva à outra.

Contudo,  um colapso da interação levaria à desordem social, e isso é intensificado pela inquietação (àìwọ́), que os iorubas consideram como o principal de todas as doenças.”

WÈRÈ – A LOUCURA

A filosofia ioruba acredita que o corpo humano é composto por vários elementos, cada qual exercendo importantes e distintas tarefas (embora complementares) ao longo da vida.

Por conseguinte, as mais relevantes são: orí (cabeça), ojú (olho), apá (braço), ẹsẹ̀ (perna), etí (orelha), imú (nariz), ẹnu (boca).

Porém, é o satisfatório equilíbrio entre essas “peças” do corpo que garantem a boa saúde ao organismo com um todo.

O conceito ioruba de “saúde” decorre então da harmonia entre as partes do corpo humano.

WÈRÈ – A LOUCURA e a orí

Entretanto, a parte mais importante de todas é Orí (a cabeça).

Conquanto seja a responsável por coordenar as demais.

Logo, se o Orí está doente, frágil, ou desestabilizada, poderá danificar consequentemente os outros elementos corporais que lhe estão subordinados.

Nesta perspectiva, se nosso fígado vai mal, significa que nossa cabeça nos levou a beber demais; assim como,  se nosso estômago funciona mal, possivelmente nossa cabeça nos levou a comer algo prejudicial; e assim sucessivamente.

Entre os iorubas, não havia nenhum instrumento para diagnosticar as doenças.

Como relata Osunwole (1989):

“Os métodos tradicionais de diagnóstico são os de examinar a totalidade do homem com referência à sua biologia, a parte espiritual, psicológica, bem como as sociais.”

WÈRÈ – A LOUCURA e os herbalistas e os bàbáláwo

Historicamente, os tratamentos nas sociedades iorubas cabiam aos bàbálósányìn (herbalistas), ou aos bàbáláwo (consultores do Oráculo de Ifá).
As discrepâncias entre as técnicas e a disputa pelo status social, criou uma grande rivalidade entre os bàbálósányìn e os bàbáláwo.
Mas de fato, neste aspecto, os bàbáláwo eram mais requisitados.
Afinal, a consulta ao Oráculo funcionava como “instrumento de diagnóstico”.
Partindo-se do pressuposto filosófico ioruba de que, após a escolha do destino, os Seres Humanos são induzidos ao esquecimento, apenas através da adivinhação é possível obter dicas sobre nossa sina.
E somente o Ẹlẹ́rí Ìpín (“Testemunha do Destino”) – um dos títulos de Ọ̀rúnmìlà, é capaz de nos relembrar dessas escolhas, mediante a comunicação feita por Èṣù no jogo.
Desta forma, o Oráculo pode revelar qual a situação do consulente: se trata-se de um ataque espiritual; se é caso de uma doença curável, enfim.
E, a partir de então, determinar qual o tratamento a ser aplicado.

WÈRÈ – A LOUCURA e seus tratamentos

Geralmente os tratamentos de wèrè hereditária não obtinham bons resultados. A terapia para a cura de wèrè envolvia encantamentos, sacrifícios e rezas.
O objetivo do tratamento era trazer o paciente de volta à sua consciência.
Para eles, os ọfọ̀ (encantamentos) serviam para controlar a mente e os pensamentos dos enfermos, ajudando-os a retornar à realidade.
Vale dizer que nem sempre era possível a cura completa de wèrè, seja pelas avançadas condições da enfermidade, seja pela pouca capacidade de reação do Orí, seja pelas características da doença.
Esses limites, eram mencionados pelos terapeutas, fossem bàbálósányìn, ou bàbáláwo.
Após a análise feita sobre os Ajogun e sobre Elénìnì, podemos seguramente inferir que wèrè, a loucura, pode também ser decorrente da ação dos dois anteriores em todas as suas formas de expressão, peculiaridades e atuações.
*******************
Márcio de Jagun
ori@ori.net.br

crédito de imagem : Woodrow Nash.




Outros artigos interessantes deste mesmo autor:

Deixe seu like e siga nossa Rede Social:
0

Marcio Righetti

Márcio de Jagun, Babalorixá, professor de cultura e idioma ioruba na Uerj e na Uff, escritor e advogado. tel.: 99851-6304 (cel/wz) e-mail: ori@ori.net.br Facebook: Márcio de Jagun blog.ori.net.br

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *