Nazismo no Brasil e a Vida do Menino Negro chamado 23

Nazismo no Brasil e a Vida do Menino Negro chamado 23

Comunidades históricas

Quando Hitler chegou até a Chancelaria do Reich, em 1933, havia milhares de negros que viviam na Alemanha, embora o exato número nunca tenha sido calculado por censos.

As estimativas, portanto, variam muito.

A comunidade alemã negra ainda estava se formando em 1933. Na maioria das vezes eram famílias de alemães de primeira geração, ou seja, imigrantes africanos com crianças nascidas na Alemanha, mas que ainda não tinham atingido a maioridade.

Nesse sentido, a comunidade negra alemã da época era semelhante à da França e do Reino Unido – ou seja, formadas, principalmente, por famílias de homens e mulheres vindos das colônias africanas e asiáticas desses impérios.
O núcleo desta pequena comunidade era formado por um grupo de homens africanos e de suas mulheres alemãs. Essas pessoas vieram principalmente das colônias africanas pertencentes à Alemanha entre 1884, o ano de fundação do império colonial alemão, e 1919, quando Berlim, no tratado de Versalhes que decretou o fim da Primeira Guerra Mundial, perdeu todos os seus territórios ultramarinos.
Além disso, havia entre 600 e 800 crianças nascidas de relacionamentos entre mulheres alemãs e soldados das tropas coloniais francesas – constituídos, em sua maioria por africanos.
Essas unidades militares faziam parte das tropas de ocupação que Paris enviou à Renânia, uma área industrial no oeste da Alemanha, para impor o cumprimento do Tratado de Versalhes.
As tropas francesas se retiraram somente em 1930, e a região foi desmilitarizada, até que Hitler enviou tropas alemãs em 1936, violando o Tratado de Versalhes.
Esta comunidade negra alemã estava dispersa em toda a Alemanha e era ligada, em muitos casos, a associações e organizações comunistas e antirracistas.
Leis de Nuremberg
As leis raciais de Nuremberg de 1935, as chamadas “leis para a proteção do sangue e da honra alemãs” – que privaram os judeus alemães de sua nacionalidade e lhe proibiram de se casar ou de ter relações sexuais com pessoas do “sangue alemão” – também foram aplicadas à nascente comunidade negra na Alemanha.
Essas pessoas foram, de fato, consideradas de “sangue estrangeiro” e sujeitas às leis de Nuremberg.
A partir desse momento, apesar de os negros alemães terem nascido na Alemanha e serem filhos de cidadãos alemães, a concessão de cidadania a essas pessoas tornou-se impossível. Os nazistas chegaram a lhe entregar passaportes, chamando-os de “negros apátridas”, negros sem pátria.
Isso deixou impossível para eles achar um emprego formal. Alguns foram usados como trabalhadores forçados e classificados como “trabalhadores estrangeiros” durante a Segunda Guerra Mundial.
Outros foram usados como figurantes e atores de filmes de propaganda nazista sobre as colônias africanas perdidas pela Alemanha. Estes tipos de empregos tornaram-se uma das poucas fontes de renda disponíveis para essas pessoas.
Em 1941, as crianças negras foram oficialmente excluídas das escolas públicas de toda a Alemanha, mas a maioria sofreu abusos raciais em suas salas de aula muito antes disso. Alguns foram forçados a sair da escola e nenhum foi autorizado a cursar universidades ou escolas profissionais.
Entrevistas e memórias escritas por homens e mulheres negros alemães, assim como reivindicações de compensações econômicas apresentadas depois do fim da Segunda Guerra Mundial, testemunham essas experiências compartilhadas por muitos negros alemães.
Livros como “Black Germany – The Making and Unmaking of a Diaspora Community, 1884–1960” (Alemanhã negra – A criação e a destruição de uma comunidade da diáspora, 1884-1960, sem tradução para o português), dos professores Robbie Aitken, da Universidade Sheffield Hallam, e Eve Rosenhaft, da Universidade de Liverpool, contam essa história.
Nazistas preocupados
O medo nazista do risco de “poluição racial” levou a um dos principais crimes cometidos por Hitler contra esta comunidade: a esterilização.
Os casais chamados “mistos” foram obrigados a se separar. Quando uma mulher alemã branca solicitava uma licença-maternidade ou ficava grávida de um alemão nascido na África, o parceiro era imediatamente forçado à esterilização.
Em 1937, uma operação secreta nazista foi além: cerca de 400 crianças negras da Renânia foram esterilizadas contra a vontade de seus pais. Por causa dessas perseguições, muitos negros fugiram da Alemanha.
Entretanto, poucos alemães de origem africana foram realmente internados em campos de concentração. De acordo com as últimas pesquisas históricas, não mais de 20 membros da comunidade negra alemã foram levados por nazistas e uma pessoa morreu no programa de extermínio de pessoas com desabilidades, dentro do programa que os nazistas chamaram de “Aktion T4”.
O único alemão negro que foi enviado para um campo de concentração, não por razões políticas, foi Gert Schramm, internado em Buchenwald por causa da cor de sua pele aos 15 anos, em 1944. Ele escreveu um livro “Ein schwarzer Deutscher erzählt sein Leben” (“Um alemão negro conta de sua vida”, sem tradução em portugês), relatando sua experiência dramática.
A maioria dos alemães negros foi preso por razões políticas ou pelo chamado “comportamento antissocial”, como a homossexualidade.
De acordo com os nazistas, a própria cor da pele identificava uma pessoa pertencente a esta comunidade como um sujeito “diferente” dos outros alemães. Por isso, uma vez presas, essas pessoas não eram mais liberadas.
Um comportamento que mostra como, mais do que vítimas de uma perseguição nazista, a comunidade negra alemã foi perseguida pelo racismo espalhado nas sociedades europeias da época.
Brasil o Nazismo teve sua construção peculiar
No início dos anos 1930, um orfanato no Rio de Janeiro entregou 50 meninos negros a um homem rico e poderoso. As crianças foram levadas para uma fazenda em Campina do Monte Alegre (SP), onde viveram em regime de escravidão por dez anos. Integrantes da família Rocha Miranda, donos da fazenda, eram militantes da Ação Integralista, o movimento político com simpatia pelo nazismo e o fascismo. Na fazenda, havia tijolos com a suástica gravada e, reza a lenda, os bois e cavalos também eram marcados com este símbolo nazista. O documentário “Menino 23”.
Aluizio Silva é o “menino 23” – eles eram chamados pelo número que ganharam na fazenda. Morreu de velhice em Campina de Monte Alegre, cidade da fazenda onde roubaram sua infância, Aloísio pôde ver o filme e dar a aprovação de que seu relato se tornasse público em 2015, aos 93 anos, depois de contou, emocionado, a sua história.
A fazenda pertencia a uma família que tinha membros da cúpula Integralista com forte aderência ao nazismo que existia no Brasil daquela época. Esse grupo de meninos trabalhou em regime análogo à escravidão – sem direito a educação nem salário, sujeitos a castigos físicos – até 1942, quando foram liberados e , na prática, expulsos da propriedade, sem dispor de recursos materiais e após anos de pouquíssima interação social com as pequenas cidades vizinhas. Na fazenda, cada um foi numerado e daí para frente chamado por seu número. Seu Aluizio era o 23, personagem principal do documentário “Menino 23”. Ele sobreviveu a duras penas sem nunca ter saído da região.
Revoltado com seu destino desde sempre, teve força e coragem de ser o primeiro a revelar o que aconteceu com o grupo após saírem do orfanato.
Seu Aluizio – “Minha infância foi roubada.” Naquele momento testemunhamos aquela história escandalosa de manipulação de uma infância desassistida e os maus tratos que viveram depois da saída do orfanato ganhar vida novamente na voz de Seu Aluizio. A História com H maiúsculo muitas vezes distante – Vargas, o Integralismo, eugenia, elites racistas – virando carne ali de novo, registrada pelo seu impacto inexorável na vida de Seu Aluízio. E de quantos outros…
Marcas na pele e na alma.
As memorias dos depoimentos de especialistas e narrativas preciosas e feridas são as de Seu Aloísio, Seu Argemiro e da família de José Alves de Almeida. Seu Aloísio – o Menino 23, porque não davam nome aos meninos trabalhadores – é um corpo vergado pela falta de infância. Um homem que percorre os labirintos de sua revolta, de não ter como responsabilizar quem fez dele “um homem sem futuro”.
Seu Argemiro foi o único dos meninos que conseguiu fugir da fazenda. Mas a fazenda não saiu de sua vida. Por muito tempo, ele foi morador de rua.
José Alves, o Dois, vive nas lembranças de sua esposa e filhos; foi empregado doméstico na fazenda Santa Albertina e, embora acreditasse em situação melhor, cresceu com cicatrizes e tristezas persistentes.

“O Brasil atual não conhece a sua história porque ela é maquiada no ensino propositalmente. É óbvio que conhecemos mais de Adolf Hitler e Benito Mussolini que Zumbi dos Palmares e Luis da Gama. O Brasil tem como data histórica a invasão de 1500, 516 anos de existência onde 388 foram de escravidão, assassinato, tortura, estupro, mas conhecemos e estudamos mais os 12 anos de Holocausto do nazismo”, afirma. “Temos leis como a 10.639/10 que obriga as escolas a ensinar história e culturas africanas e indígenas no currículo escolar, mas por crença religiosa, conservadorismo político e falta de acompanhamento. Enfim os meninos sem nome, uma mensagem resiste: que crianças nunca sejam apenas números, e que histórias como essa não mais se repitam.

Um afro abraço.

Claudia Vitalino.
Pesquisadora-Historiadora-Comissão estadual da verdade da escravidão negra – CTSPN/UNEGRO/Coordenadora do grupo de pesquisa do Instituto Perola Negra

FONTE: «Filme ‘Menino 23’, sobre trabalho escravo, provoca surpresa no Cine Ceará». O Estado de S. Paulo/«Ex-escravos lembram rotina em fazenda nazista no interior de SP». BBC/«Feridas abertas – Revista de História». www.revistadehistoria.com.br.




Outros artigos interessantes deste mesmo autor:

Deixe seu like e siga nossa Rede Social:
0

Claudia vitalino

UNEGRO-União de Negras e Negros Pela Igualdade -Pesquisadora-historiadora CEVENB RJ- Comissão estadual da Verdade da Escravidão Negra do Estado do Rio de Janeiro Comissão Estadual Pequena Africa. Email: claudiamzvittalino@hotmail.com / vitalinoclaudia59@gmail.com

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *