Mágoa – Caçadores de Mágoas I

Mágoa – Caçadores de Mágoas I

Mágoa
Fragmentos de quimeras
Estilhaçam-se no meu peito
– Eternamente
Rita Sá

Hoje despertei sentindo a tristeza me cercar.

Como uma nuvem, como uma névoa densa, colando-se ao meu corpo, incômoda, inconveniente, desnecessária para a vida.

A água morna do chuveiro não foi suficiente para lavar esse estranho sentimento.

Fui colocado involuntariamente na condição de ter que pensar no assunto.

Bem, tinha mais o que fazer, mas não adianta adiar os apelos do interior.

Se soubermos ouvir e reconhecer as necessidades do espírito, estaremos nos poupando de acumular inadequações.

Certamente, cedo ou tarde se manifestarão através de posturas inadequadas e manifestações sombrias.

Enfrentar e respeitar os apelos que vem de dentro é um dos caminhos para irmos em direção à vida saudável e feliz, creio eu.

A palavra mágoa surgiu no écran de minha mente.

Piscando como um néon que se destaca nas luzes da cidade e se reflete distorcido em cada poça de água, cada recanto úmido do espaço interior, refletindo a palavra e seu poder implícito.

Focalizei minha atenção no luminoso piscante e permiti que a palavra deslizasse através de todos os canais de percepção abertos nesse momento.

O ato de refletir se parece um pouco com isso, capturar com o pensamento as luzes que se refletem nas águas internas do ser.

E água é a palavra chave para entendermos a tal da mágoa

A mágoa é um sentimento que fica agarrado à memória.

Precisa de lembranças, precisa de um constante recordar do momento e do movimento que gerou a mágoa, o instante exato em que permitimos que o veneno invadisse nosso corpo.

Por isso, pela necessidade da memória para que as mágoas se sustentem, a Lua passa a ter a função astrológica de ser um agente, um mantenedor da mágoa, exatamente por representar e significar a função da memória, além de reger o fluxo da água através de nosso ser, as marés que flutuam em nossa vida.

Jean Yves Leloup propõe que “perdoar é não cristalizar o outro naquilo que ele fez”.

Essa experiência de cristalizar um gesto, uma intenção, uma atitude do outro é totalmente subjetiva e significa uma impressão nos arquivos mnemônicos da pessoa, um tipo de registro aparentemente indelével.

Cristalizar o gesto do outro, registrar e permitir que a lembrança permanente desse gesto seja um veneno que contamine aquilo que é naturalmente puro e íntegro dentro de nós, é a mágoa, a má água, e sua expressão mais corrente e comum, o ressentimento, que significa ficar remoendo as experiências, insistir e escolher o sofrimento por aquilo que não achamos justo e correto, pelo mal que supostamente foi feito à nossa pessoa e que feriu nossa sensibilidade.

Quantas mágoas inúteis guardamos, quantos cristais de sal muito amargo se formam dentro de nós, porque?

Pensei muito nisso, em cada uma das mágoas que afloraram nessa manhã e que estavam querendo me deixar sombrio e triste, e fui conduzindo meu pensamento até chegar à conclusão que todas as mágoas que eu tinha, tudo aquilo que tinha se transformado no veneno do ressentimento dentro de mim e que estavam gravados na memória como as marcas de ferro em brasa que se faz no gado, enfim, percebi e constatei que a mágoa e seus derivados provêm da mesma fonte: a importância pessoal.

Esse sentimento chamado de “importância pessoal” é um dos condicionamentos mais fortes e prejudiciais de nossa cultura.

É semeado desde muito cedo em nossas vidas.

É resultado da corujice de nossos pais, que por se acharem muito importantes, acreditam que seu filhos são mais importantes que os filhos das outras pessoas.

É um jeito torto de amar atribuindo valores virtuais e absolutamente distorcidos àqueles que amamos, e também uma constante cobrança de que eles sejam como esperamos que sejam para merecer todo nosso amor.

Para corresponder à realidade ou ilusão daqueles que nos amam e para alimentar o amor e a atenção que eles tem por nós, precisamos nos colocar na condição de estarmos à altura desse amor e de sua expectativa de que sejamos grandes, importantes, e para isso desenvolvemos mecanismos de defesa e manutenção desse virtual padrão de importância e passamos a interpretar personagens totalmente artificiais, inflados de auto importância, vazios de sentimentos verdadeiros.

Quando surge em nosso ser um amor verdadeiro, um sentimento puro e real, não sabemos muito bem o que fazer com ele.

Não fomos treinados para isso.
Procuramos racionalmente encaixar esse sentimento em nossos parâmetros aprendidos de importância pessoal, e assim contaminamos o sentimento com nossos valores artificiais e transformamos algo que poderia ser belo e pleno em mais uma mágoa, mais um ressentimento.

Isso acontece porque ao olhar distorcido de quem vive um personagem artificial, composto de julgamentos e preconceitos que nos foram impingidos na fase lunar da formação de nossa personalidade, qualquer coisa, qualquer experiência que venha de fora, qualquer sentimento parece ser alienígena e é reconhecido como algo que não está a altura de nossa presunção, não chega aos pés de nossa importância e da importância que papai e mamãe davam para a gente.

A palavra mágoa provém originalmente do latim, “macula”, que quer dizer mancha, nódoa.

É a poluição que corrompe e contamina o espírito, que turva a água de nosso ser

O ressentimento é uma resultante da mágoa.

É preciso ter sido magoado para poder ficar ressentido.

Ambos os sentimentos estão ligados à Lua e seus significados essenciais.

Mas não é apenas isso.

A gente cresce, a mágoa continua – se não fizermos algo para limpa-la – e portanto, outros planetas começam gradativamente a representar a mágoa que nossa auto importância nos fez criar.

Toda pessoa que se expressa com frequência de forma ressentida e que fica insistindo em sua mágoa, lembrando a traição que o “outro” cometeu, remoendo a desilusão e a frustração que as pessoas a quem ela tanto e se dedicou fizeram, dificilmente irá reconhecer que a fonte desse sentimento bem ruim está dentro dela mesma, e raramente percebe que esse eterno remoer de lembranças do que não foi só prejudica a ela mesma.

Estamos falando da Lua.

Estamos falando de Vênus.

Estamos falando de Netuno.

Os três grandes indicadores astrológicos da mágoa e do ressentimento, três planos, três oitavas de uma energia que para se manter dependem da memória e do registro na água do corpo – substância física e emocional.




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