Stigmata, um filme religioso ou psicológico? II

Stigmata, um filme religioso ou psicológico? II

Paulo C. de Souza

Cena 2

Aparecem imagens sobrepostas ¾ o sagrado e o profano.

Temos aqui uma prévia do que ocorrerá no filme, o sagrado assim como o profano misturados e até se confundindo. Sobretudo, como deixando para o espectador a tarefa de separá-los ou não.

Surgem imagens da Frankie e a cena fecha com sangue na sua casa, fazendo uma ponte com o final da cena anterior, do sangue sobre o caixão do padre Almeida.

Frankie Paige é cabeleireira em Pittsburgh, na Pensilvânia e vive decerto uma vida comum de jovem.

o diretor quis mostrar que os estigmas também podem ocorrer em pessoas comuns, não religiosas e não somente em santos como ocorre desde São Francisco de Assis.

O número quatro é um símbolo de totalidade. Ele aparece duas vezes no filme: no número 2.404 do seu apartamento ¾ como podemos ver no pacote enviado pela mãe de Frankie e na data dos estigmas de São Francisco, ocorridos no ano de 1.224.

Mais do que uma coincidência, principalmente pelo fato de estarmos frente ao rumo da protagonista para a totalidade da sua alma.

Frankie vai a boate com sua amiga Donna e depois tem relações sexuais com o jovem Steven.

Destaque para o anel verde redondo, onde o verde é encontrado duas vezes no anel de Frankie.

O ato sexual representa um símbolo de precursor da vida assim como da fecundação. ¾ depois a dúvida de uma gravidez e até a visão de uma oferta de bebê ¾ permeando o início do filme.

Podemos admitir que Frankie tinha a seu favor uma essência pura que estava a espera de ser libertada pela força do fogo, da paixão, do sangue, para então caminhar para sua vida espiritual que desemboca no branco do lençol, como veremos no final do filme.

Cena 3

Frankie acorda pela manhã com água pingando e o telefone tocando.

A água nos remete ao início do filme para a cena do lago, só que agora ela está em movimento.

A câmera mostra o pacote, dando destaque para uma tulipa vermelha.

O vermelho é vida, fogo da vida, das paixões, da ação. Portanto, associado a tulipa que representa o feminino, o útero, a fecundidade e nos induz a premeditar que Frankie estaria prestes a ser fecundada com vida.

Entretanto, no caso não uma vida humana, mas uma vida voltada para o religioso, como veremos mais tarde no desenrolar do filme.

A mãe, ao telefone, comenta que mandou o pacote e ainda se encontra em Belo Quinto, perto do Rio.

Frankie ao abrir o pacote não liga para o terço, mas depois ao segurá-lo, apresenta enjôo ao tomar chá.

Somos induzidos a ver que o terço pertencente ao padre Almeida possui um ‘mana’, uma força da natureza.

Esta linha da história, com forças místicas da natureza seguirá pelo filme revelando a necessidade do padre Almeida em mandar uma mensagem através do rosário.

Frankie toma café com sua amiga Donna, fala de gravidez e o tema vai se repetindo.

Veremos mais tarde que ela não está grávida, o que nos induz para a gravidez do sagrado, do místico, enfim, da sua espiritualidade latente.

Cena 4

Aparece o padre Kiernan em Roma, no Vaticano.

A caminho da basílica de São Pedro cruza com três prostitutas na rua e comporta-se de uma maneira simpática para com elas.

O diretor mostra que o padre não possuía de antemão nenhum problema com o sexo oposto.

Na cena isso é deixado bem claro, inclusive ele não usa a ‘persona’ clássica do clero, pois fala com elas com um sorriso e por mímica explica que é religioso.

Aliás, a gola alta e branca é um símbolo de aliança com o divino.

Os objetos circulares simbolizam aliança e compromisso, como por exemplo: aliança de ouro no dedo, circuncisão peniana, aura dos santos, etc.

Não me parece que o padre Andrew tenha problemas com a sua ‘anima’, pelo menos na área da sexualidade.

Vamos voltar a questão mais adiante quando começar seu relacionamento com Frankie.

A figura do cardeal Daniel Houseman surge e representa a corrupção na igreja, juntamente com o capacho do seu auxiliar padre Dario que provoca o mal pela omissão, numa possível sombra inocente do cardeal.

O Cardeal Daniel representa o homem religioso atrapalhado com a sua sombra, em conflito com a ética e a moral vigente, muito comum nos homens religiosos que querem chegar ao divino sem lidar com a ‘persona’ e a ‘sombra’, fato muito discutido pelos diretores europeus, como por exemplo Ingmar Bergman.

Padre Andrew fala da Nossa Senhora que sangra, admitindo a realidade do fenômeno.

É como se ele precisasse de um milagre para voltar a acreditar na religião, não a religião instituída ¾ como a Igreja Católica ¾ mas na nossa religiosidade interna que nos leva ao encontro do Self.

O crescente retorno ao religioso começa na igreja de Belo Quinto.

Podemos lembrar que ele foi atraído para lá por uma ‘sincronicidade’.

Tinha ido ao Brasil, na cidade de São Paulo, para verificar uma imagem de santa em um prédio (que foi feita casualmente pela água da chuva) e soube da santa chorando sangue em Belo Quinto.

A cena encerra com a frase secular colocada na boca do cardeal: “a igreja é superior a tudo”.

Cena 5

Frankie volta para casa.

A cena é centrada com ela na banheira comendo uma maçã, com destaque para o seu umbigo tatuado com um sinal oriental lingüístico (?).

A maçã é um tema universal do conhecimento, do despertar da consciência; lembremos da fruta oferecida pela cobra para Eva e a sua expulsão do Paraíso, juntamente com Adão.

Seu apartamento é bem místico. Em torno da sua banheira estão dispostas muitas velas.

O rosário aparece jogado, mas lembra uma serpente pela sua disposição sinuosa.

Logo em seguida aparece uma pomba. No Evangelho de Tomé, no login 39 encontramos o dito: “Quanto a vocês, sejam tão astutos quanto cobras e tão inocentes quanto pombas”.

Este tema é encontrado ao longo da história humana na figura do dragão que diz que o homem deve ser pomba e serpente ao mesmo tempo; o dragão nos lembra uma serpente com asas.

imerge na água lembrando um batismo, uma iniciação.

O batismo possui a mesma conotação da morte, principalmente da morte simbólica que leva a renovação.

Esse ritual será um batismo em sua trilha espiritual, pois é aí que ocorre o 1° estigma, o do cravo nos pulsos.

Na realidade a cena mostra Frankie sendo atacada por forças ‘não visíveis’.

Os aspectos do ‘mana’ ou forças da natureza podem ser analisados pelo fato da jovem ter sido escolhida e contaminada pelo rosário.

Jung aborda esse tema várias vezes em sua obra e considerava os ‘Cabiros’ ou ‘Telésforos’ como forças ctônicas (da terra) que sempre acompanhavam os deuses.

Essas forças sozinhas são indomáveis e só com a associação de um deus elas podem ser benéficas para o ser humano, um exemplo clássico é o Cabiro do deus da medicina, Asclépio.

Os Cabiros eram cultuado principalmente na ilha de Samotrácia, na Grécia Antiga.



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