LILITH – como autodescoberta e transformação II
LILITH – como autodescoberta e transformação II
O encontro consciente da mulher com Lilith, a leva a movimentos de grande transformação em sua vida.
Decerto, ela compreende, assimila e integra essa parte de sua natureza, sai em busca de um caminho próprio, assim como de um homem que corresponda aos seus anseios.
Tal qual Lilith, ela num primeiro momento, sente-se isolada do mundo que a cercou até então.
Entretanto, nessa solidão, seus gritos de animal ferido só serão ouvidos e entendidos por si mesma.
É, no entanto, nesse deserto à que se impôs, que consegue manter um contato mais íntimo com seu verdadeiro eu.
Posteriormente a esse processo, a mulher, assim como Lilith, passa a ser identificada com a serpente
Ela já não está mais cumprindo o papel de submissão que a sociedade espera dela.
Portanto, essa insurreição pode contaminar o que a sociedade em geral espera do papel da mulher.
À partir de sua consciência e autonomia, não mais se constitui num bom exemplo para a sociedade.
Lilith e a Serpente
Só que a tentação da serpente é o que lhe leva a autorrealização, a se transformar num indivíduo, num ser autêntico.
A serpente simboliza o princípio da individuação.
É comendo o fruto proibido ou roubando o fogo dos deuses, que a mulher escapará da transferência dependente e dará continuidade ao seu desenvolvimento.
É preciso que se cometa uma transgressão para que se cresça e se conquiste autonomia.
Entretanto, Lilith entende de transgressão. Ela própria foi a primeira transgressora.
A primeira a buscar seu próprio caminho e individuação, se mantendo disposta a pagar o preço cobrado.
“A seita gnóstica dos Ofitas adorava a serpente.
Sua visão era essencialmente semelhante a da moderna psicologia.
Para eles, a serpente representava o princípio espiritual que simboliza a redenção relativamente às amarras de um demiurgo que criou o Jardim do Éden, e que manteriam o homem na ignorância
A serpente era considerada boa e Javé mau.
Psicologicamente, a serpente é o princípio da gnosis, do conhecimento ou consciência emergente.
A tentação da serpente representa a necessidade de autorrealização do homem e simboliza o princípio da individuação¨
Edward F. Edinger, Ego e Arquétipo, Cultrix, pg.42
Concluindo nosso longo tema sobre o arquétipo de Lilith
“…descobri que… precisava travar uma batalha com um determinado fantasma.
E o fantasma era uma mulher, e quando cheguei a conhece-la melhor, passei a chama-la pelo nome de heroína de um famoso poema, “o anjo na casa”…
Ela era intensamente simpática.
Maravilhosamente encantadora.
Totalmente abnegada.
Ela se distinguia nas difíceis tarefas da vida em família.
Se havia galinha, ela ficava com o pé, se havia uma corrente de ar, sentava-se bem ali.
Em suma, sua constituição era tal, que ela nunca tinha um pensamento ou desejo próprios, preferindo antes apoiar os pensamentos e desejos dos outros.
Acima de tudo, ela era, é desnecessário dizer, pura…
E quando me punha a escrever, deparava-me com ela logo nas minhas primeiras palavras.
A sombra de suas asas espalhava-se sobre as minhas páginas; eu ouvia o farfalhar de sua saia no quarto…
Ela se aproximava furtivamente pelas minhas costas e sussurrava…
Seja simpática, seja delicada, faça elogios, engane; lance mão de todas as artes e ardis de seu sexo.
Nunca permita que você tenha um pensamento próprio.
Sobretudo, seja pura.
E agia como se estivesse guiando minha caneta.
Relato agora a única ação que me levou a ter apreço por mim mesma.
Voltei-me para ela e a agarrei pela garganta.
Apertei com toda a minha força, até matá-la.
Minha defesa, caso fosse levada a um tribunal, seria a de que agi em defesa própria.
Se eu não a matasse, ela me mataria…”. Virginia Woolf, Profissões de Mulher, pg.236/238
Esse trecho ilustra bem até que ponto pode ser levada a mulher quando criada de acordo com padrões paternalistas e quando a eles se submete.
À tal ponto é anulada sua individualidade, que para que a mulher possa enfim recuperar sua integridade enquanto pessoa, há necessidade de um ato extremo de coragem e ousadia.
Por vezes, tanto o animus quanto a sombra nos possuem com tal intensidade que nós mesmas pensamos e agimos, acreditando que somos nós que estamos no comando.
Entretanto, essa autoridade e poder de sugestão, provém da sua possessão.
Numa sociedade patriarcal, nós mulheres, somos criadas desde cedo, esperando tanto amar, quanto casar e vivermos felizes para sempre.
No entanto, esse nosso casamento costuma ser celebrado com homens que foram magoados por suas mães e reprimidos em sua contraparte sexual.
Decerto, esses homens jamais foram preparados para nos olhar como iguais. Outrossim, suas expectativas eram apenas de submissão.
Esses maridos se nos apresentam então, como materialização de nosso animus negativo e nos informam o quanto somos incapazes, burras, feias e fracassadas.
Esse tipo de relação com nosso animus não apenas nos destrói, como destrói nossa criatividade
Em síntese, o que costumamos fazer nesses casos é sacrificar quem realmente somos, a fim de preencher as expectativas idealizadas de nosso animus.
É de grande importância que sacrifiquemos a aprovação decorrente do fato de sermos boazinhas para que possamos exprimir nossos próprios desejos e necessidades.
É necessário acima de tudo, que possamos conquistar nossa inteireza
“Houve um tempo em que você não foi escrava, lembre-se disso.
Você andava sozinha, cheia de alegria, tomava banho com a barriga de fora.
Você diz que perdeu completamente a lembrança disso, lembre-se…
diz que não há palavras para descrever isso, que isso não existe.
Mas lembre-se.
Faça um esforço para se lembrar.
Se não conseguir, invente…”.Monique Witting, Les Guerillières, Beacon, pg.89
Quando nos submetemos conscientemente à necessidade interior de nossa vida instintiva, nós nos tornamos mais singulares, mais verdadeiras conosco mesmas.
O arquétipo de Lilith é um caminho de libertação da mulher
É necessário que busquemos orientação em nossas verdades interiores e não no ego, pois a barreira para a escolha consciente é o ego.
Porquanto, o ego opta por aquilo que a sociedade nos disse que deveríamos ser, em oposição a experiência do Eu, que nos diz sobre aquilo que realmente somos.
Assim, quando chegar a hora de tomarmos uma decisão, seja ela de que ordem for, não devemos permitir que os padrões emanados do ego determinem a nossa escolha.
Outrossim, é necessário que sigamos as linhas de orientação emanadas das nossas próprias verdades pessoais
Devemos ter em mente que a nossa cura vem da nossa conexão com o Self feminino, ou com a Deusa, ou com Shekhina, o lado feminino de Deus que reside em nós.
Toda vez que nos deixarmos guiar pelos padrões conservadores da sociedade, estaremos fadadas à derrota, e só compraremos ilusões.
“No casamento patriarcal tradicional, a anima do homem é projetada na mulher e o animus da mulher é projetado no homem.
Essa forma de casamento resulta na experiência do conteúdo e do continente.
A mulher é toda feminina, e o homem, todo masculino.
Em algum ponto, a esposa é conduzida pelo animus – ou o marido, levado pela anima, se revolta.
Há um acúmulo de desilusão amarga porque o companheiro não corresponde ao elemento contra-sexual projetado, idealizado.
Se a mulher permanece fiel à lei ou ao contrato do casamento patriarcal, ela estará sacrificando o seu próprio desenvolvimento.”.
Barbara Black Koltuv, P.H.D., A Tecelã, Cultrix, pg.83/84
O ato de dizer não, constitui-se num ato de reafirmação de nossa própria liberdade, sem a qual, não conseguiremos atingir nossa integridade.
A mulher precisa experimentar a sua força e a sensação de ser capaz de lutar contra os grilhões da sociedade patriarcal, mesmo que isso num primeiro momento, leve a que aquele que era considerado o SEU HOMEM, passe a temê-la.
Se ela não o fizer, e sempre em seu próprio benefício, não chegará nem mesmo a conhecer a experiência que lhe foi incutida como sua maior expectativa desde criança: a experiência de viver o amor.
“Eu vi uma mulher que dormia.
Em seu sonho, ela sonhou que a Vida estava em pé diante dela e segurava um presente em cada mão
– numa o Amor, na outra, a Liberdade.
E ela disse para a mulher: “ESCOLHA!”
E a mulher esperou muito tempo, então respondeu: “LIBERDADE!”
E a vida disse: “Escolheste bem.
Se tivesses dito “AMOR”, eu teria oferecido aquilo que me pediste.
E eu te abandonaria e não mais retornaria.
Agora, chegará o dia em que retornarei.
Nesse dia, trarei os dois presentes numa só mão.
Eu ouvi a mulher rir durante o sono.”
Olive Shreiner, Life´s Gifts i Dreams,Robert Brothers.
Só quando uma mulher é inteira e uma em si mesma, e igual como parceira, ela pode almejar um relacionamento sexual carinhoso e bom com um homem.
Só que para sua inteireza, ela deve incorporar a quantidade de espírito masculino que amadureceu em sua consciência, esse espírito deve encontrar seu lugar e sua atuação na sua personalidade.
Portanto, também é necessário que incorpore os aspectos negligenciados, rejeitados e exilados do feminino.
O lado feminino de Deus precisa ser redimido para trazer a cura, a integridade e o equilíbrio
Através dessa conjunctio, as filhas de Eva poderão viver a experiência numinosa de serem partes ativas numa relação, e não serem apenas Evas, apenas Liliths, apenas mulheres, mas um SER TOTAL.
“Começou a chover, a certa altura daquele longo dia, um chuvisco fino, amortalhando tudo e colocando uma rede de gotículas sobre os cabelos de Lilith.
Algum tempo depois – acho que ainda chovia – ela pegou no meu braço e começamos a dançar.
Não sei porque dançamos, sei apenas que dançamos, girando e saltitando, nossos cabelos
– vermelhos os meus, negros os dela -, cada um com sua rede de gotas d´água, agitando-se a nossa volta.
Sei também o quanto dançamos loucamente no final, esquecendo todos os nossos sentidos, tudo o que nos circundava.
Estávamos ambas fora de nós e uma dentro da outra; éramos árvores, nuvens e relvas, agitadas por ventos por nós mesmas produzidos
– exultávamos neles, nada existia além de nós, frágeis mulheres que éramos.
Embora frágeis como se sentiam nossos corpos abraçados, nosso amor agitara tal frenesi que poderíamos ter dilacerado todas as demais criaturas do Jardim, animais, anjos, Adão – ,
dilacerar inclusive o que passava como Jeová, aquele velho áspero, de quem parecíamos muito mais velhas e poderosas
– dilacera-los com nossos afiados dentes brancos, nossas garras furiosas, depois devorando-as até que vivessem apenas em nossas entranhas, em nossas cabeças, em nossa loucura, cada vez maior, cada vez mais deliciosa.
Não sei ao certo quando Adão chegou e nem porque apareceu ali, embora saiba o quanto ele nos temia.
Quando dei com ele, a chuva havia parado, e daquela vez, Adão continuou onde estava, nosso frenesi refletido em seus olhos, as mãos crispadas de medo, o suor lhe escorrendo nos pelos do peito¨
Penelope Farmer, A História de Eva, Bertrand/Brasil, pg.216/217 .
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/11/07/ser-lilith-eva-mulher-ser-total-introducao/
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/11/09/ser-lilith-eva-mulher-ser-total-o-mito/
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/11/12/ser-lilith-eva-mulher-ser-total-o-mito-ii/
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/11/14/ser-eva-arquetipo-de-eva/
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/12/03/ser-eva-arquetipo-de-eva-ii/
http://www.grupomeiodoceu.com/internas/2018/12/10/lilith-como-autodescoberta-e-transformacao-i/
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